Em 2024, os conflitos no campo em Alagoas atingiram 24.472 pessoas, entre posseiros, indígenas, quilombolas, trabalhadores(as) rurais sem-terra e demais identidades camponesas. O número representa um aumento de 64,9% em relação ao ano de 2023, quando 14.843 pessoas foram envolvidas nesse tipo de violência.
Isso equivale a uma média de 67 pessoas afetadas por dia por conflitos agrários no estado ao longo do ano. Esses são dados da publicação Conflitos no Campo Brasil 2024, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A 39ª edição do relatório anual aponta para uma intensificação dos conflitos no campo em Alagoas em áreas onde a regularização fundiária segue estagnada e a expansão da agropecuária, da mineração e do latifúndio impõe restrições cada vez mais violentas ao modo de vida de comunidades camponesas.
Conflitos por terra: aumento nos casos e mais famílias atingidas
No levantamento, os conflitos são classificados em três categorias: por terra, por água e trabalhistas, sendo esta última a que envolve, entre outras situações, o trabalho escravo. A partir dessa metodologia do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT), observa-se que, em Alagoas, no ano de 2024, a terra segue no centro das disputas. Em 2024, foram registrados 34 conflitos por terra no estado - um aumento de 21,4% em relação ao ano anterior, que teve 28 ocorrências. Já a quantidade de famílias atingidas saltou de 3.635 para 5.799, um crescimento de quase 60%.
A Zona da Mata segue como o principal epicentro dos conflitos por terra no estado, concentrando 60% dos casos registrados em 2024 (21 ocorrências). Em seguida aparecem o Agreste (20%), o Sertão (5,7%), o Litoral Norte (5,7%), o Litoral Sul (5,7%) e a Região Metropolitana de Maceió (2,9%). Essa concentração territorial revela a continuidade da grilagem, da monocultura e de empreendimentos econômicos sobre comunidades tradicionais, num contexto marcado pela ausência de políticas públicas eficazes de acesso à terra e à moradia.
A maior incidência de casos por município foi registrada em União dos Palmares, com 13 ocorrências. Também foram identificados conflitos em outras 14 cidades, como Messias, Porto Real do Colégio, Teotônio Vilela, Traipu e Maceió. As principais categorias sociais envolvidas nos conflitos por terra em 2024 foram os posseiros (22 ocorrências), seguidos por indígenas (6), quilombolas (2) e trabalhadores sem-terra (3). Foi registrada, ainda, uma ocorrência envolvendo posseiros e sem-terra conjuntamente.
A luta pela reforma agrária das terras da usina Laginha
Não é por acaso que União dos Palmares lidera o ranking dos conflitos. É lá que se arrasta uma longa disputa pela área da antiga Usina Laginha, que fazia parte da massa falida do Grupo João Lyra. As terras da usina estão ocupadas por diversos movimentos e organizações sociais, que lutam pela destinação da área para assentamentos da reforma agrária.
O conflito envolve o descumprimento de acordos firmados desde 2016, que previam a destinação de partes da Usina Laginha, em União dos Palmares, e da Usina Guaxuma, em Coruripe, para a Reforma Agrária Popular. A negociação envolveu os movimentos do campo, o governo do estado, o Tribunal de Justiça de Alagoas e a representação da massa falida.
Na época, as famílias Sem Terra se comprometeram a desocupar a Usina Uruba, em Atalaia, com a promessa de que cerca de 1.500 hectares da Guaxuma e toda a área da Laginha seriam destinados ao assentamento de famílias camponesas. Desde então, no entanto, nenhum avanço significativo foi concretizado, e o impasse segue alimentando tensões na região.
Violência no campo se espalha: ameaças, pistolagem e destruição
Os dados da CPT mostram que a violência direta contra quem vive e trabalha no campo também cresceu. Foram 986 ameaças de despejo, 1.041 famílias vítimas de pistolagem (atos de intimidação e violência cometidos por grupos armados a serviço de fazendeiros ou empresas) e 1.000 famílias vítimas de invasão de território. Houve ainda 3 famílias despejadas, além da destruição de 5 casas e 3 roças - prejuízos concretos que impactam diretamente a vida e o sustento de famílias inteiras.
Conflitos pela água aumentam mais de 400% em número de famílias afetadas
Os conflitos pela água também apresentaram crescimento. Foram registradas 3 ocorrências em 2024, contra 2 no ano anterior. O número de famílias afetadas, no entanto, explodiu de 61 para 317, um aumento superior a 419%. Os casos envolveram comunidades quilombolas e indígenas nos municípios de Arapiraca, Cacimbinhas, Passo de Camaragibe e São Sebastião, onde houve denúncias de impedimento de acesso e uso de recursos hídricos, afetando diretamente modos de vida baseados na agricultura familiar e na pesca artesanal.
Trabalho escravo rural: menos resgates, mas violações continuam
Em 2024, foram registradas 3 ocorrências de trabalho escravo rural em Alagoas, nas cidades de Arapiraca, Murici e Traipu, envolvendo 8 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. As atividades compreendiam pecuária (2 casos) e extração de granito (um caso). Apesar da continuidade do problema, o número de trabalhadores libertados caiu 86,8% em relação a 2023, quando 61 pessoas foram resgatadas em 6 ocorrências. Isso levanta o alerta sobre a possível subnotificação ou dificuldade de fiscalização em certas regiões do estado.
Contexto nacional: avanço do agronegócio e criminalização da luta pela terra
De acordo com a publicação da CPT, o agravamento dos conflitos no campo no Brasil está diretamente ligado ao fortalecimento político, econômico e ideológico do agronegócio e da mineração, setores cada vez mais hegemônicos no campo brasileiro. A criminalização da luta pela terra, o abandono da reforma agrária e o desmonte das políticas públicas voltadas para as comunidades camponesas e tradicionais têm gerado um cenário de instabilidade e violência constante.
Essa dinâmica também se reproduz em Alagoas, onde a expansão de atividades predatórias avança sobre territórios indígenas, quilombolas e de pequenos agricultores, sem que haja ação efetiva do Estado para garantir os direitos constitucionais à terra, à água e ao trabalho digno.
Conflitos no campo Brasil
Esta é a 39ª edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, elaborada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) por meio do seu Centro de Documentação Dom Tomás Balduino. Editada pela primeira em 1985, a publicação se tornou referência nacional e internacional e instrumento fundamental de denúncia das violências cometidas cotidianamente contra os povos do campo, das águas e das florestas no Brasil. Na publicação, é possível encontrar dados sobre conflitos por terra, conflitos pela água, conflitos trabalhistas, trabalho escravo, tipos de violências contra a ocupação e a posse e tipos de violência contra a pessoa, como os assassinatos e as ameaças de morte. Também estão disponíveis na publicação diversos artigos e análises dos dados levantados.
Legenda da foto: Organizações e movimentos socais do campo de Alagoas fazem protesto pela reforma agrária das terras da massa falida das Usinas Laginha e Guaxuma durante a Jornada de Lutas em abril de 2025. Crédito: Ascom MST/AL