Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

 Um estudo realizado por pesquisadores e estudantes do campus do Sertão da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) alerta que Alagoas é um dos estados brasileiros que mais consumiu agrotóxicos nas duas últimas décadas. O levantamento traz dados alarmantes sobre o aumento da comercialização desses defensivos agrícolas nocivos à saúde e, também, da intoxicação dos consumidores.


Intitulada “Agrotóxicos no semiárido: uma análise das contradições socioespaciais de seus impactos no Alto Sertão de Alagoas”, a pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), sob coordenação do professor Lucas Lima, do curso de Geografia do campus do Sertão, tem parte dos seus resultados apresentados no artigo sobre a isenção fiscal de ICMS nos agrotóxicos em Alagoas, durante 2018 e 2019, publicado no mês passado pela revista EcoDebate.


Na publicação, Lucas Lima expõe que desde 2007, quase 1.350 pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos de uso agrícola em Alagoas e 37 faleceram. Segundo o pesquisador, “esse número certamente está subnotificado porque nem todos os casos de intoxicação são devidamente registrados pelo sistema de saúde. As intoxicações podem levar a sequelas (desenvolvimento de alergias, perda da visão, movimentos do corpo, etc.), doenças – especialmente, câncer – e mortes. Há também impactos ao meio ambiente, a exemplo de contaminação das águas, dos solos e do ar.”


Isso ocorre no contexto da facilidade de acesso aos agrotóxicos graças à isenção e/ou redução da alíquota de ICMS sobre eles. O benefício para a venda de agrotóxicos já dura 24 anos, desde que o governo de Alagoas se uniu ao convênio nacional (Convênio 100/97), firmado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), juntamente com outras secretarias estaduais da fazenda.


“Vale lembrar, que nos últimos vinte anos, o número de ingredientes ativos (agrotóxicos) comercializados em Alagoas aumentou 42%, isso é assustador”, disse o professor Lucas Lima em entrevista concedida à CPT. A situação se agrava, ainda, com a liberação de outras centenas de tipos de veneno pelo atual governo federal.


Por outro lado, não há consequência negativa para o estado caso opte por acabar com a isenção do ICMS sobre os agrotóxicos, ao contrário, haveriam impactos positivos. Como exemplo, o professor menciona a melhora na arrecadação fiscal.


Lima destrói a falácia de que aumentar os preços dos agrotóxicos teria como consequência o aumento dos preços dos alimentos e abalaria a fabricação desses produtos; primeiro, porque quem assegura a oferta de alimentos em Alagoas é a agricultura familiar alagoana e de estados próximos; segundo, porque o estado é “mero receptor desses ‘venenos industriais’”.


“É necessário mencionar que quem mais usa agrotóxicos é o agronegócio. No caso de Alagoas, o agronegócio da cana, do milho, da soja e do eucalipto. O que o agronegócio produz em nosso estado não se destina à alimentação de nossa população. Destina-se, sobretudo, à exportação. São commodities”, esclarece o professor do campus Sertão da Ufal.

O professor conclui que não se pode isentar de impostos produtos altamente danosos à saúde humana e ao meio ambiente. Alagoas e o Brasil estão na contramão do que vem ocorrendo em outras partes do mundo.De acordo com o professor universitário, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outros movimentos sociais são fundamentais para a superação da hegemonia do complexo químico-dependente. “A feira da CPT, na capital alagoana, é muito importante, pois ao comercializar alimentos livres de agrotóxicos, mostra aos moradores do urbano que é plenamente viável a existência de uma agricultura dessa natureza”, afirmou Lima.

 

 

Confira abaixo na íntegra a entrevista concedida à CPT Alagoas!

 

Entrevista sobre o artigo “Agricultura químico-dependente em Alagoas: um exame da isenção fiscal de ICMS sobre os agrotóxicos”, por Lucas Gama Lima et al

CPT: Qual a razão do artigo?

Lucas Lima: O artigo foi construído para tratar de um tema pouco discutido, ainda, e para veicular parte dos resultados da pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UFAL), intitulada “Agrotóxicos no semiárido: uma análise das contradições socioespaciais de seus impactos no Alto Sertão de Alagoas”, sob minha coordenação.

CPT: A questão da isenção do ICMS é nacional ou estadual?

L.L.: Responsabilidade de ambos. Embora o ICMS seja um imposto estadual, há um convênio nacional (Convênio 100/97), firmado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), no qual as secretarias estaduais da fazenda pactuam pela isenção e/ou redução da alíquota de ICMS sobre os agrotóxicos.

Trata-se de uma adesão voluntária ao referido Convênio por parte de cada governo estadual, mas que conta com uma coordenação federal através do Ministério da Economia (antigo Ministério da Fazenda).

O governo de Alagoas participa desse Convênio desde 1997 e renovou sua participação em março de 2021. O prazo de sua participação se estende agora até 31 de dezembro de 2025. É importante registrar que as alíquotas de ICMS variam em cada unidade da federação, isso significa que a isenção e/ou redução da alíquota de ICMS terá impactos diferentes na arrecadação estadual.

CPT: Como vocês chegaram à conclusão de que Alagoas é um dos estados que mais consumiu agrotóxicos e qual a razão dessa situação?

L.L.: Em função do volume de agrotóxicos consumidos e o tamanho do estado. Alagoas possui o segundo menor território entre as unidades da federação, ou seja, é o 25° estado em tamanho territorial, mas figura em 17° lugar no tocante à comercialização de ingredientes ativos, à frente de estados que possuem superfície agrícola considerável, como o Ceará, a Paraíba e o Rio de Janeiro. Vale lembrar, que nos últimos vinte anos, o número de ingredientes ativos (agrotóxicos) comercializados em Alagoas aumentou 42%, isso é assustador.

CPT: Há estados que não ocorre a isenção?

L.L.: Todos os estados renovaram o Convênio 100/97, em março de 2021. Ao que se sabe, alguns estados (Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Sergipe, dentre outros) mostraram-se reticentes com a continuidade do benefício para a importação de fertilizantes, mas nenhum deles se opôs à continuidade do benefício aos agrotóxicos.

CPT: Há alguma consequência negativa para o estado caso opte por acabar com esse benefício ao agronegócio?

L.L.: Absolutamente nenhuma. É necessário mencionar que quem mais usa agrotóxicos é o agronegócio. No caso de Alagoas, o agronegócio da cana, do milho, da soja e do eucalipto. O que o agronegócio produz em nosso estado não se destina à alimentação de nossa população. Destina-se, sobretudo, à exportação. São commodities. Então, o discurso sobre aumento de preços dos alimentos comercializados em Alagoas – retórica comumente usada pelas associações empresariais, como a CNI – não tem qualquer fundamento, pois quem assegura a oferta de alimentos no estado é a agricultura familiar alagoana e de estados próximos.

No que se refere a possíveis impactos econômicos à fabricação de agrotóxicos, isso é igualmente insignificante. A esmagadora parcela dos agrotóxicos usados em Alagoas é produzida em indústrias localizadas em outros estados ou em outros países. Alagoas é mero receptor desses “venenos industriais”. Além disso, a margem de lucro desse setor é gigantesca, são grandes empresas (parte delas, multinacionais), verticalizadas, que oferecem verdadeiros pacotes tecnológicos e que renovam esses produtos frequentemente.

Na verdade, caso o governo de Alagoas optasse por sua saída do Convênio 100/97 haveria impactos positivos. Um deles – e imediato – seria a melhora na arrecadação fiscal. Todos os anos, Alagoas deixa de arrecadar valores milionários de ICMS sobre agrotóxicos. Os dados que divulgamos apenas cobre parte dos agrotóxicos, especialmente, herbicidas, mas existem outros agrotóxicos (inseticidas, fungicidas, rodenticidas, etc) que também são isentos de ICMS em nosso estado. Com os recursos provenientes do ICMS sobre agrotóxicos, o governo estadual poderia fomentar uma agricultura livre de pesticidas.

Não custa lembrar que produtos que oferecem riscos à saúde pública podem (e devem) sofrer uma tributação adicional. Isso já ocorre em Alagoas com os cigarros, com as bebidas alcoólicas e com as armas de fogo, sobre os quais incidem alíquotas de ICMS acima da média estadual. Nesse sentido, há amparo legal para a cobrança de alíquota maior de ICMS sobre os agrotóxicos. O que falta é vontade do governo de Alagoas.

CPT: Qual é o problema do exagerado uso de agrotóxicos no estado?

L.L.: Há vários problemas. Quem se expõe a agrotóxicos está correndo risco de intoxicação. Desde 2007, mais de 1.700 pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos no estado e mais de 30 faleceram. Esse número certamente está subnotificado porque nem todos os casos de intoxicação são devidamente registrados pelo sistema de saúde. As intoxicações podem levar a sequelas (desenvolvimento de alergias, perda da visão, movimentos do corpo, etc), doenças – especialmente, câncer – e mortes.

Há também impactos ao meio ambiente, a exemplo de contaminação das águas, dos solos e do ar. No que se refere à contaminação das águas, há estudos que indicam sua presença em corpos hídricos de nosso estado, como os rios São Francisco e Mundaú e o Complexo Lagunar Mundaú-Manguaba. No que se refere ao Sertão de Alagoas, a contaminação do Rio São Francisco é motivo de muita preocupação, por ser a maior fonte hídrica de abastecimento da população daquela região. Infelizmente, a CASAL não informa os valores das partículas de pesticidas na água usada na rede pública de abastecimento, mas seguramente devem ser valores significativos.

CPT: A população consome alimentos com esse veneno?

L.L.: Sem dúvida. Embora o agronegócio seja o maior consumidor de agrotóxicos, não podemos deixar de registrar que parte da agricultura familiar emprega pesticidas. A propaganda das empresas de agrotóxicos, que é sufocante, e o pequeno alcance da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), por parte do governo estadual, acabam deixando os agricultores muito vulneráveis às influências do complexo químico-dependente. Então, parte dos alimentos que chegam à mesa da população alagoana apresenta resíduos de agrotóxicos.

CPT: Há muito consumo dos alagoanos por alimentos produzidos no estado?

L.L.: Uma parte dos alimentos consumidos pelos alagoanos é proveniente da agricultura familiar presente nas três mesorregiões (Leste, Agreste e Sertão), uma outra parte é proveniente de outros estados, em especial, Bahia, Pernambuco e Sergipe.

CPT: Esses agrotóxicos são permitidos em outros países?

L.L.: Alguns agrotóxicos são permitidos, mas estão com os dias contados ou possuem restrições de uso. Outros são proibidos há muitos anos. Podemos citar três exemplos. O Glifosato, agrotóxico mais consumido no estado de Alagoas e considerado um provável causador de câncer pela OMS, deixará de usado nos próximos anos na Áustria e na Alemanha, país que sedia a Bayer, fabricante do Glifosato. Esse mesmo pesticida é proibido no Vietnã, na Arábia Saudita, no Catar e, recentemente, foi proibido no México. Não podemos esquecer que a Bayer é alvo de milhares de ações judiciais nos Estados Unidos, movidas por agricultores que acusam a empresa de ter vendido produto cancerígeno.

O 2,4-D, segundo agrotóxico mais comercializado em Alagoas e também considerado como provável causador de câncer pela OMS, é proibido em países da Escandinávia, como Suécia, Dinamarca e Noruega. O caso do 2,4-D é curioso porque é uma substância química base para a fabricação do famoso Agente Laranja, que foi usado pelos Estados Unidos contra os vietnamitas na década de 1970. Ou seja, é um produto de guerra que é empregado na atual agricultura. Um verdadeiro desastre social e ambiental.

O herbicida Atrazina está entre os agrotóxicos mais vendidos no estado e é proibido nos países da União Europeia desde 2003, ou seja, há quase 20 anos. A flagrante contradição é que o Atrazina é fabricado pela Syngenta, sediada na Suíça, mas não pode ser usado nem na Suíça, nem no continente europeu. É um ingrediente ativo bem conhecido por seu poder contaminante das águas superficiais e subterrâneas.

CPT: Qual a relação disso com a agricultura familiar camponesa?

L.L.: A agricultura familiar camponesa produz a maioria dos alimentos da população alagoana e brasileira. Contudo, ela não está imune à influência do complexo químico-dependente. Assim, todos os anos, camponeses gastam parte de sua renda com agrotóxicos e acabam sendo vítimas de intoxicação.

O governo de Alagoas deveria olhar a agricultura familiar com muita atenção, ela é parte estratégica para a soberania alimentar do estado. Se o governo cobrasse ICMS dos agrotóxicos, inclusive, com aplicação de alíquota adicional, como nos cigarros, nas bebidas alcoólicas e nas armas, haveria um montante seguro de recursos que poderia ser destinado ao incentivo de práticas agrícolas de base orgânica e agroecológica. Aliás, existe uma lei estadual (Lei n. 8.041/18), que criou a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica – PEAPO, a qual determina o estímulo à uma agricultura isenta de pesticidas e a delimitação de áreas livres de agrotóxicos e transgênicos. Infelizmente, nada foi feito pelo governo de Alagoas.

CPT: Para você, como as organizações do campo, a exemplo da CPT, contribuem para mudar essa realidade?

L.L.: A Comissão Pastoral da Terra e outros movimentos sociais são fundamentais para superamos a hegemonia do complexo químico-dependente. Além das lutas que a CPT protagoniza, a organização promove ações com assentados e acampados, visando ao esclarecimento dos perigos dos pesticidas e ao estímulo de práticas agrícolas livres de veneno. A feira da CPT, na capital alagoana, é muito importante, pois ao comercializar alimentos livres de agrotóxicos, mostra aos moradores do urbano que é plenamente viável a existência de uma agricultura dessa natureza.

Penso que nos próximos meses, a CPT, junto com outras organizações, terá a tarefa de dar mais visibilidade ao tema dos benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos. Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, ajuizada pelo PSOL em 2016, que pede o fim da isenção de ICMS sobre os agrotóxicos. A apreciação da ação já foi adiada algumas vezes e há pressão do agronegócio e das empresas fabricantes de pesticidas para que a ADI seja indeferida. Se a ADI for acatada pelo STF, o Convênio 100/97 perde completamente sua validade legal.

CPT: Que mensagem você deixa sobre esse tema?

L.L.: Termino reafirmando que a isenção de ICMS sobre agrotóxicos é um acinte. Não se pode isentar de impostos produtos altamente danosos à saúde humana e ao meio ambiente. Alagoas e o Brasil estão na contramão do que vem ocorrendo em outras partes do mundo. O governo de Alagoas não pode simplesmente ignorar que pessoas estão adoecendo ou morrendo com esses produtos. Também não deve ignorar que são milhões de perda de arrecadação todos os anos. Dinheiro que faz muita falta, pois poderia ser usado reforçar políticas públicas de interesse da maioria da população alagoana. É preciso dar um basta nisso!


Fonte: CPT Alagoas

Lara Tapety – Ascom CPT/AL

Reg. Prof. 0001340/AL

Imagem: Lara Tapety CPT/AL

 

 

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