Artigo
O Padre jesuíta Andréas Mato - romeiro da terra e das águas, conhecido no campo de Alagoas por seus gestos simples e solidários e que hoje ocupa um lugar na morada definitiva prometida por Jesus (João 14), - argumentava que o motivo e o sentido de uma Romaria é reunir pessoas: a santidade do próprio povo. “O santo da Romaria? O Santo é o povo de Deus em caminhada!”, afirmava.
José Carlos da Silva Lima*
A 6ª Romaria da Diocese de Palmeira dos Índios/AL, realizada nos dias 21 e 22 de setembro, na cidade de Belo Monte, situada à beira do rio São Francisco, foi um encontro de povos e de gerações, do campo e da cidade. Logo no tema, estava explícito o compromisso Pastoral e o sentido da realização da Romaria: Terra e Água: Benção de Deus, Direito dos Povos!
O coração da pequena Belo Monte, a Praça da Igreja Matriz, foi o ponto de partida da Romaria. Apesar do difícil acesso - as duas vias de entrada da cidade ainda são de barro e sem sinalização – os romeiros e romeiras foram chegando das redondezas sertanejas (Major Isidoro, Água Branca, Olho D´Água do Casado, Pariconha, Palmeira dos Índios) e da região da Zona da Mata (Murici, Messias, Flexeiras).
O destaque desta Romaria creditamos à presença de três Povos indígenas (Jeripankó e Karuazu, de Pariconha e os XuKuru Kariri, de Palmeira dos Índios) que com seus rituais sagrados, dançaram o Toré em homenagem ao “Senhor do Mundo” e após misturarem água e terra, nos marcaram nas faces com o sinal dos Povos; Também à ressaltamos a participação da juventude caminhante, que com seu jeito de ser e de viver, expostos nas roupas, nos assessórios e nos cumprimentos, cantaram e dançaram a noite inteira.
No altar levantado nas escadarias da Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, nos alimentamos da Palavra, em especial as profetizadas por Amós (8, 4-7): “Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra”. Na ocasião, comungamos e partilhamos as experiências de vidas sertanejas, indígenas e das matas, pondo em comum os alimentos limpos, saudáveis e sagrados que tiramos da Terra. O bispo Dom Dulcênio fez do altar uma mesa de partilha entre irmãos e irmãs, abençoando as ofertas vindas do campo e o povo romeiro presente.
A lua cheia, sinal do Criador, iluminou quase toda noite, dando espaço para alguns momentos de chuva fina, que refrescou a caminhada. Da Igreja da Nossa Senhora do Bom Conselho ao assentamento Velho Chico, foram 12 km. À nossa frente, uma cruz de angico e uma charola com São Francisco, padroeiro do assentamento. Rezando no Toré e refletindo o tema da Romaria, o caminho se fez curto.
A responsabilidade da primeira parada foram dos Povos Jeripankó e Karuazu, que marcaram os romeiros/as com a mistura de água e terra, dizendo: “Livrar de todos os males”. Na segunda parada, fomos recebidos com café quentinho, água e queijo coalho. Estávamos no caminho da Terra sem males, rumo ao assentamento e ali nos alimentamos. A terceira parada foi no acampamento Santa Mônica, onde os Sem Terras nos acolheram com água. As famílias de Santa Mônica há três anos lutam para conquistar a terra. Ali, refletimos sobre a opção do Governo Federal em retirar a Reforma Agrária da pauta política. Saímos do acampamento motivados pelo Toré do Povo Xucuru Kariri. Faltavam 30 minutos de caminhada para chegarmos ao assentamento. Ao fim do percurso, fomos acolhidos no Assentamento com um café camponês sertanejo (chá de erva cidreira, café, cuscuz, macaxeira, inhame, galinha de capoeira e bode).
A comunidade do assentamento Velho Chico estava toda envolvida com os preparativos da Romaria e a chegada dos romeiros e romeiras. As famílias organizaram as doações dos alimentos para o café da manhã que foi ofertado no dia 22, limparam e ornamentaram a área de acolhimento. Entre os que se colocaram como voluntários e voluntárias, estava Neném,que tem um excelente tempero. Neném cozinhava, lavava a louça e realizava outras tarefas durante o dia, mas à noite foi para a celebração da Missa e caminhou toda Romaria. Filha do assentamento, elanão tem a visão, aliás nunca teve, mas enxerga a natureza, as pessoas e a vida com sensibilidade e amor. Ela fez parte do Povo Santo em caminhada.
Imagens: Cosme Rogério
* Carlos Lima é historiador e membro da Coordenação Regional da CPT NE II