Por soberania Alimentar e Energética!
Nós, mulheres do campo e da cidade reunidas em Belo Horizonte, de 28 a 31 de Agosto de 2008, expressamos nossa visão sobre desafios e alternativas para a construção de Soberania Alimentar e Energética. Somos mulheres organizadas, protagonistas de lutas de resistência em defesa de uma sociedade igualitária, onde a organização da economia tenha como centralidade a sustentabilidade da vida humana e não o mercado e o lucro.
O modelo atual de desenvolvimento se apropria do racismo e do sexismo. Fundamenta-se em uma visão de economia que considera o econômico apenas as atividades mercantis e desconsidera a reprodução e invisibiliza o trabalho das mulheres. Esse modelo se pauta por uma concepção de desenvolvimento baseada na idéia de crescimento econômico ilimitado, onde o mercado e o lucro privado são priorizados em detrimento do interesse público e dos direitos humanos fundamentais, onde a política econômica se orienta pela opção exportadora, apoiada fortemente pelo Estado, no agronegócio empresarial e no setor minero-metalúrgico-energético e em uma demanda energética insustentável.
Para manter esse modelo, grandes projetos energéticos e de infra-estrutura são construídos, distantes das lógicas produtivas e culturais que organizam os territórios, provocando a expulsão do campesinato e de populações tradicionais das suas terras, a contaminação dos trabalhadores e trabalhadoras e o aprofundamento da crise ambiental e das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, são desconsiderados os caminhos alternativos e modos de desenvolvimento voltados para a igualdade social e a justiça ambiental que nossos movimentos têm proposto a partir de suas práticas concretas nos territórios que se pautam pela construção de Soberania Alimentar e Energética.
Em contraposição a este modelo afirmamos nossa luta feminista e socialista por uma nova economia e sociedade baseada na justiça social e ambiental, na igualdade, na solidariedade entre os povos, assentada em valores éticos coerentes com a sustentabilidade de todas as formas de vida e a soberania de todos os povos e comunidades tradicionais sobre seus territórios.
Diante disso:
Denunciamos:
O atual modelo de produção de energia que visa manter um padrão de produção e de consumo ambientalmente insustentável e socialmente injusto, baseado no monopólio das fontes de energia pelas grandes empresas.
As falsas soluções de mercado que estão sendo propostas para reverter o quadro de mudanças climáticas como a produção de agrocombustíveis em grande escala, assim como a expansão de impactantes projetos hidroelétricos e a retomada do programa nuclear brasileiro, energia perigosa, cara e sem soluções para os seus rejeitos.
O atual modelo de produção de agrocombustíveis, baseado em monoculturas; modelo defendido pelo governo brasileiro e controlado pelo agronegócio, que vem homogeneizando os territórios, pressionando a expansão das fronteiras agrícolas, gerando impactos sociais e ambientais e que tem sido um dos grandes responsáveis pelo aumento dos preços dos alimentos.
A especulação internacional dos produtos alimentícios que também se constitui em uma das causas do aumento dos preços dos alimentos, ao lado do aumento do preço do petróleo e do desvio de alimentos para produção de etanol e biodiesel.
O trabalho escravo que sustenta esse modelo e as péssimas condições de trabalho e de exploração do assalariado e assalariada rural, além do abuso sexual e o assedio moral a que são vitimas trabalhadoras do campo e da cidade.
Que o controle da cadeia produtiva alimentar pelas grandes transnacionais ameaça a soberania alimentar e a saúde da população. Em especial os produtos transgênicos e os altos níveis de agrotóxicos utilizados nos alimentos com a cumplicidade das autoridades públicas que não zelam para que as legislações sobre rotulagem de transgênicos e agrotóxicos sejam respeitadas pelas indústrias.
O desaparecimento de sementes crioulas, a perda de biodiversidade e a ameaça a segurança alimentar em virtude da liberação comercial de cultivos transgênicos e da expansão das monoculturas de exportação, apoiadas por empresas e universidades publicas, enquanto falta pesquisa para avaliar riscos no meio ambiente e a saúde do consumo de transgênico.
A privatização dos recursos naturais e a apropriação de nossas terras, a exploração da nossa floresta, das águas e de nossos rios, mares e manguezais pelo capital com apoio dos recursos públicos.
A privatização do setor elétrico que contribuiu para que as tarifas de energia sejam diferenciadas entre os consumidores residenciais e indústria e as políticas energéticas beneficiem as grandes indústrias para obterem cada vez mais, mais lucros.
As cidades brasileiras sofrem impactos diretos desse modelo de desenvolvimento alimentar e energético, com as altas taxas no preço da energia, com o aumento dos preços dos alimentos, com a precarização do trabalho e do transporte coletivo urbano e com a especulação imobiliária.
Reafirmamos:
A necessidade de construir um novo modelo energético para o Brasil que priorize a produção e a distribuição descentralizada de energia visando atender as necessidades locais e territoriais e que contemple a participação da população no seu planejamento, decisão e execução. E que contribua para a autonomia das mulheres, possibilitando a elas protagonizarem experiências de Soberania Energética em seus territórios.
A necessidade de desenvolvermos formas de consumo e comercialização de produtos de forma solidária e sustentável com o fortalecimento dos mercados locais e feiras livres, assim como o reconhecimento do trabalho produtivo das mulheres e seu fortalecimento.
Que é tarefa do Estado a viabilização de políticas públicas que garantam a nossa Soberania Alimentar e Energética.
A importância da pesquisa, desenvolvimento e implantação de fontes energéticas alternativas e o reconhecimento e investimento do Governo nas experiências descentrizadas de produção alternativa de energia, na socialização do trabalho doméstico e no fortalecimento da agricultura camponesa.
A agroecologia como projeto político para alcançar a soberania alimentar, assim como a luta pela Reforma Urbana, a agricultura urbana e a defesa de uma nova ocupação do espaço urbano para moradia e produção como orientadoras de políticas publicas.
A luta pelo direito à terra através da Reforma Agrária, onde esteja garantido o direito da mulher a terra, o acesso aos recursos naturais e `as decisões sobre seus usos.
Os direitos territoriais de povos indígenas e populações quilombolas.
O direito ao trabalho em condições dignas e bem remunerado. O direito a previdência social, a diminuição da jornada de trabalho, a socialização do trabalho reprodutivo.
Uma integração regional que esteja pautada na solidariedade, na complementariedade entre nossas economias, na sustentabilidade das praticas socioculturais e produtivas.
Nos comprometemos:
A lutar por justiça ambiental, pela reforma agrária, e em defesa da sustentabilidade da vida como valor central para a economia.
A desenvolver formas organizativas de luta das mulheres contra esse modelo de desenvolvimento que afeta o campo e a cidade e a denunciar permanentemente as diferentes formas de opressão e mercantilização que vivem as mulheres.
A construir e a fortalecer alianças entre movimentos sociais do campo e da cidade e a defender a necessidade de articularmos nossas experiências reivindicando políticas públicas que visibilizem as nossas experiências alternativas e nossas propostas para construção de uma transição rumo a um modelo de desenvolvimento que tenha como centro a sustentabilidade e a dignidade da vida humana.
A desenvolver formas de uso sustentável dos recursos naturais e das energias renováveis sustentáveis (eólica, solar e biomassa) bem como o aproveitando a água da chuva através da utilização de cisternas, o uso de placas solares e de experiências autônomas que contribuam para a construção de um novo modelo energético;
A lutar pela reestatização do setor elétrico e a defender o uso sustentável das águas e dos recursos energéticos.
A lutar pela autonomia econômica das mulheres e pelo direito ao trabalho digno e a fortalecer a luta dos trabalhadoras e trabalhadores assalariadas.
A lutar pela recuperação, preservação e multiplicação das plantas medicinais e sementes crioulas, em defesa da biodiversidade, da água e pelo direito de decidir sobre nossa vida, nossos alimentos, nosso corpo.
A lutar pelo direitos territoriais dos quilombolas e indígenas, porque suas lutas também são nossas. Por isso apoiamos a demarcação continua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima e reafirmamos os direitos dos povos indígenas aos seus territórios.
A realizar as mobilizações dos dias 16 e 17 de outubro por Soberania Alimentar, a participar da campanha contra o preço de energia e a fortalecer nossa marcha no 8 de março como processos de reafirmação de nossa luta por soberania alimentar e energética, diante da necessidade de construir um novo modelo energético e alimentar para o Brasil.
Mulheres em Luta por Soberania Alimentar e Energética!