Leonardo Boff * Além da crise alimentar, nos assolam ainda a crise energética e a climática. Se não houver políticas mundiais articuladas podemos enfrentar graves riscos às populações e ao equilíbrio do planeta. Dai A Carta da Terra propor uma aliança de cuidado universal entre todos os humanos e para com a Terra até como questão de sobrevivência coletiva.
Os problemas são todos interdependentes. Por isso não é possível uma solução isolada com meros recursos técnicos, políticos ou comerciais. Precisa-se de uma coalizão de mentes e coração novos, imbuídos de responsabilidade universal, com valores e princípios de ação, imprescindíveis para uma outra ordem mundial. Enumeremos alguns deles:
O primeiro de todos reside no cuidado pela herança que recebemos do imenso processo da evolução do universo.O segundo está no respeito e na reverência face à toda alteridade, a cada ser da natureza e às diferentes culturas.O terceiro encontra-se da cooperação permanente de todos com todos porque somos todos eco-interdependentes a ponto de termos um destino comum.O quarto é a justiça societária que equaliza as diferenças, diminui as hierarquizações e impede que se transformem em desigualdades. O quinto é a solidariedade e a compaixão ilimitada para com todos os seres que sofrem, a começar pela própria Terra que está crucificada e pelos mais vulneráveis e fracos.
O sexto reside na responsabilidade universal pelo futuro da vida, dos ecossistemas que garantem a sobrevivência humana, enfim, do próprio planeta Terra. O sétimo é a justa medida em todas as iniciativas que concernem a todos já que viemos de uma experiência cultural marcada pelo excesso e pelas desigualdades.
Por fim é a auto-contenção de nossa voracidade de acumular e consumir para que todos possam ter o suficiente e o decente e sentir-se membros da única família humana. Tudo isso só é possível se junto com a razão instrumental resgatarmos a razão sensível e cordial.
A economia não pode se independizar da sociedade, pois a conseqüência será a destruição da idéia mesma de sociedade e de bem comum. O ideal a ser buscado é uma economia do suficiente para toda a comunidade de vida. A política não pode se restringir a ordenar os interesses nacionais, mas se obriga a projetar uma governança global para atender eqüitativamente os interesses coletivos.
A espiritualidade precisa ser cósmica que nos permita "viver com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade face ao lugar que o ser humano ocupa na natureza" (Carta da Terra, introdução).O desafio que se impõe parece ser este: passar de uma sociedade de produção industrial em guerra com a natureza para uma sociedade de promoção de toda a vida em sintonia com os ciclos da natureza e com sentido de eqüidade.
Estas são as pré-condições de ordem ética e de natureza prática que se destinam a criar as condições de uma comensalidade possível entre os humanos. Logicamente, se fazem necessárias as mediações técnicas, políticas e culturais para viabilizar este propósito. Mas elas dificilmente serão eficazes se não forem plasmadas à luz destes princípios-guias que significam valores e inspirações.
Leonardo Boff é teólogo
Fonte: Adital Notícias