Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"Brasília - O crescimento desordenado das cidades, o uso intensivo da água para irrigação e a construção de usinas hidrelétricas já criam situações de conflito pelo uso da água no Brasil. Os casos mais críticos são registrados em Minas Gerais e no Nordeste brasileiro onde a ocupação da terra é intensa e a disponibilidade de recursos hídricos menor. Segundo relatório produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a briga pela utilização da água foi responsável por 87 conflitos no interior do país, que afetaram cerca de 32 mil pessoas no ano passado. A CPT monitora os conflitos pela água desde 2003. Em relação ao ano anterior, este tipo de divergência cresceu 93% - 45 conflitos foram registrados em 2006.

"A disputa pela água aumentou em todo o país. O controle dos recursos hídricos será um dos principais problemas do campo nos próximos 10 anos", prevê Roberto Malvezzi, que assessora a Pastoral da Terra em relação ao tema água. Ele alerta para a relação que o assunto mantém com as questões de justiça social. "A disputa envolve interesses econômicos. Grandes fazendeiros ou grupos empresariais conseguem fazer valer sua vontade por meio do dinheiro ou da força política", afirma.

No início do ano passado, a menina Jéssia, de apenas 12 anos, morreu em uma situação que a CPT caracteriza como resultado de um típico conflito por água. Moradora de um assentamento em Petrolina (PE), Jéssia foi buscar água para a família em um aqueduto localizado a 1km de casa. Ao jogar o balde, a menina despencou de uma altura de aproximadamente 15m. Para a CPT, não foi simplesmente um acidente: o assentamento não conta com abastecimento de água, enquanto o aqueduto leva água do Rio São Francisco para a irrigação de frutas. "É uma situação de desumanidade gritante", afirma Malvezzi, que denunciou o caso a movimentos direitos humanos.

O estado brasileiro em que a CPT registrou maior número de conflitos foi Minas Gerais. Além dos núcleos urbanos, o território de Minas é intensamente ocupado pela atividade agrícola e pela mineração. Na região do município de Rio Pardo de Minas, as plantações de eucalipto prejudicam os pequenos. "Existem famílias que estão sem água para plantar porque foram cercadas por florestas de eucaliptos. Como precisam de muita água, os eucaliptos esgotam o lençol freático", relata o coordenador da Comissão Pastoral da Terra em Minas Gerais, Antônio Maria Fortini.

 

Barragens desalojam

Brasília - A construção de barragens e hidrelétricas é outra causa de conflitos pela água em Minas Gerais. Inaugurada em 2005, a usina hidrelétrica do Irapé desalojou pelo menos 1,5 mil famílias que viviam às margens do Rio Jequitinhonha. Transferidas para outras áreas, as famílias reclamam que estão empobrecendo. "Eram pessoas que tinham água a poucos metros de casa, agora têm de pagar pela água encanada que consomem", informa Joceli Andrioli, um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens. Segundo Andrioli, a barragem do Irapé também provocou a contaminação da água de um trecho de pelo menos 100km.

O crescimento do uso de pivôs centrais para a irrigação é outro fator gerador de tensões (os pivôs centrais são um método mecânico de irrigação muito usado em culturas extensivas como, por exemplo, a de soja. Compostos por braços de metal que variam entre 200m e 600m, eles conseguem fazer "chover" sobre a plantação. O uso do método provocou o crescimento das áreas agricultáveis em todo o país, em compensação, o equipamento é bastante criticado por conta do desperdício de água).

No oeste baiano, os pivôs centrais estão retirando água até do subsolo. Um hectare irrigado por pivô central corresponde por dia ao uso de água de 200 pessoas. Um pivô é capaz de irrigar 50 hectares, o que corresponde ao abastecimento de uma cidade de 10 mil habitantes. "A demanda dos pivôs pode secar os rios e reduzir as reservas do subsolo", explica o professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Recursos Hídricos Sérgio Koide. Os pivôs são usados em todas as regiões brasileiras e, com o crescimento das lavouras para a produção de bicombustíveis, devem se expandir.

No Rio Grande do Sul, onde foram registrados quatro conflitos no ano passado, a irrigação tem sido usada para o cultivo de arroz. "É o grande fazendeiro quem decide a quantidade de água que quer usar", aponta Roberto Malvezzi, da CPT.



Fonte: Correio Braziliense

 

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