Estudo divulgado ontem pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) aponta que os estoques mundiais de cereais recuam neste ano ao mais baixo patamar em décadas. No caso do milho e do arroz, o volume deve ser o menor em 25 anos. No trigo, o mais baixo em 30 anos. Ao todo, a previsão indica 406,3 milhões de toneladas estocadas para 2008. Há cinco anos, eram 486,3 milhões. Pronto para uma colheita recorde, o Brasil pode se beneficiar desse cenário.
Por, GITÂNIO FORTES
Os estoques caem por haver "um choque de demanda", diz André Pessôa, diretor da Agroconsult. A produção mundial cresce. O trabalho da FAO aponta para um "crescimento significativo" de 4,6% neste ano -para 2,102 bilhões de toneladas. Mas não a ponto de atender a demanda -de 2,120 bilhões, aumento de 2,6% em relação à temporada anterior.
A procura cresce em países emergentes, principalmente asiáticos, com destaque para China e Índia. A produção de milho para o processamento de álcool combustível também dá sustentação aos preços. A FAO projeta que o comércio internacional de cereais some 258 milhões de toneladas em 2007/8, novo recorde mundial.
Apesar dos números, o descompasso entre oferta e demanda permanece. Os alimentos tendem a repetir em 2008 a pressão sobre os índices de inflação mundo afora. No estudo, a FAO manifesta preocupação com os países mais pobres.
O preço internacional do milho chegou a US$ 192 a tonelada, perto da máxima de US$ 196, registrada na década passada. A tonelada de arroz passou de US$ 300 para cerca de US$ 400 em dois anos. A de trigo bateu recorde histórico em Chicago, a US$ 390. "O mercado já fixou preços para os estoques estreitos", diz Fábio Barros, analista da AgraFNP.
No Brasil, o desconforto vem justamente do trigo. O país importa aproximadamente o dobro do que produz -3,8 milhões de toneladas anuais.
O ex-ministro Luís Carlos Guedes Pinto afirma, porém, que, ao zerar a alíquota de importação para países de fora do Mercosul, o governo dispõe de ferramenta para suprir o abastecimento. "No trigo, as dificuldades mundiais vêm de quebras de safra em vários países", diz Amaryllis Romano, da Tendências Consultoria.
Próximos anos
"O impacto dos dados da FAO para o Brasil é o mais favorável possível", diz Leonardo Sologuren, diretor da Céleres Consultoria. Dos três produtos que norteiam o estudo da FAO, o Brasil é exportador apenas de milho. No ano passado, foram 11 milhões de toneladas. Neste ano, as previsões oscilam de 8 milhões a 9,5 milhões.
A avaliação favorável de analistas se amplia quando se inclui a soja -que não entrou no estudo da FAO. "Ao lado do milho, para ela se criou nova função, como biocombustível", afirma Ana Laura Menegatti, analista da MB Agro.
A maior demanda mundial abre a chance de o Brasil acessar novos mercados de milho, afirma Lucilio Alves, pesquisador do Cepea, da USP. Mas o aumento do custo de vida é um ponto desfavorável, diz.
Folha de São Paulo, 14/02/08.