Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A notícia publicada ontem pelo Estado de S. Paulo de que o governo pretende conceder anistia aos proprietários de terra que derrubaram ilegalmente floresta foi interpretada por políticos e ambientalistas como sinal claro de que o governo Lula fracassou na tentativa de deter a destruição da Amazônia.

A oposição vai convocar cinco ministros de Estado para que dêem explicações sobre o projeto e pede a renúncia da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Observadores internacionais avaliam que o gesto compromete a credibilidade do Brasil na luta contra as mudanças climáticas.

O pacote em estudo nos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura prevê que desmatadores poderão manter devastada metade de suas fazendas (o máximo permitido pelo Código Florestal é 20%), voltar à legalidade e ter direito ao crédito agrícola oficial, desde que aceitem recuperar a floresta na outra metade das terras. Com isso, serão regularizados 220 mil km² - o que equivale à soma dos territórios do Paraná e de Sergipe - desmatados de forma criminosa . Para quem não derrubou a mata, continua a valer a obrigatoriedade de preservar 80%. “O dano ambiental já ocorreu, a área já está desmatada”, justificou o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco.

Militante histórico da causa ambiental e integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) avaliou ontem que a iniciativa mostra que o governo “capitulou” diante dos desmatadores.

O líder do PDT e senador do Estado do Amazonas, Jefferson Peres, sugeriu à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que peça demissão para “não comprometer a sua reputação”. Para Peres, se o Estado brasileiro continuar atuando com incompetência e negligência no enfrentamento dos problemas da região, o País caminhará para um “holocausto ecológico”. “Não é alarmismo. Basta desmatar cerca de 50%, e não está longe disso, segundo o Inpe, para se ter um regime claustrofóbico, sem chuva, e com savanização da Amazônia.”

Gabeira informou que a Comissão de Meio Ambiente deve aprovar, na quarta-feira, requerimento de convocação da ministra Marina e dos ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, Justiça, Tarso Genro, Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, para audiência pública sobre o projeto de anistia e sobre a aceleração do desmatamento.

“É um péssimo sinal divulgarem isso no momento em que os números mostraram aumento do desmatamento. É uma capitulação diante dos desmatadores”, disse Gabeira.

Para o ex-consultor jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Gustavo Trindade, do escritório Gustavo Trindade Advogados Associados, o maior problema é que a grande maioria dos proprietários de terra da Amazônia Legal não averbou em cartório a reserva legal na esperança de que a MP que proíbe o corte da floresta em 80% da propriedade seja revogada. “Como já estão na ilegalidade, para eles não faz diferença desmatar tudo ou manter 50%”, disse Trindade. Ele defende uma mudança constitucional permitindo a expropriação - sem indenização - das terras em que o desmatamento ocorra além dos limites legais. Hoje, a expropriação só é permitida em áreas onde há cultivo de drogas.

O deputado da Frente Parlamentar em Defesa do Meio Ambiente, Chico Alencar (PSOL-RJ), afirmou que “o projeto é o reconhecimento (do governo) de que fracassou a ação da ministra Marina Silva de combater o desmatamento”.

Para Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, o pragmatismo de Capobianco, do MMA, “não é sensato”.

PRESSÃO INTERNACIONAL

Fontes em Washington, Bruxelas e na Organização das Nações Unidas consultadas pelo Estado são unânimes em alertar que qualquer decisão brasileira de reduzir a proteção das florestas não será bem-vinda.

“Todo o esforço deve ir no sentido de garantir que o que existe tenha um futuro sustentável. Além disso, devemos garantir que o que já está começando a ser desmatado possa ser revertido”, explicou uma fonte próxima às negociações do G-8 (o grupo que reúne os países mais industrializados do mundo). O bloco, que neste ano é presidido pelo Japão, realiza sua tradicional cúpula em meados do ano e deverá contar com a presença de cinco países emergentes - Brasil, China, Índia, África do Sul e México. Tóquio já avisou que um dos temas principais na agenda será como aprovar um plano para conter as mudanças climáticas.

Funcionários de alto escalão do governo americano revelaram ao Estado que o plano contará com uma declaração que prevê corte de emissões de CO2 no mundo. No caso do Brasil, o G-8 espera do governo a garantia da cobertura florestal.

Assessores próximos ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, também confirmaram que as Nações Unidas estão fazendo um lobby silencioso para arrancar dos países ricos recursos para um fundo que ajudará os emergentes a cuidarem de suas florestas. Por enquanto, o maior doador foi a Noruega, mas os americanos estudam aderir. Para alguns observadores, países ricos que estejam estudando financiar projetos de preservação da floresta podem até mesmo rever seus planos se não sentirem compromisso do lado brasileiro.

Em Bruxelas, especialistas da Comissão Européia alertam que a idéia de legalizar áreas desmatadas “não irá soar bem”. “O que está em jogo na Amazônia é a credibilidade do Brasil em conseguir dar uma resposta clara sobre o desmatamento”, afirmou um europeu.

COMEMORAÇÃO

Integrantes da bancada ruralista do Congresso, por sua vez, comemoraram a proposta de anistia. Crítica freqüente do governo, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) avalia como acertada a proposta em estudo. “Não adianta querer se enganar. Muitos desmatamentos foram feitos há muito tempo, quando a prática era permitida. A anistia é uma forma de falar honestamente sobre reserva florestal. A proposta é muito justa”, avaliou a senadora, uma das lideranças do agronegócio no Congresso Nacional.

O deputado Homero Pereira (PR-MT), ex-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, também comemorou a iniciativa e avaliou que a anistia não resultará em mais desmatamento, como temem representantes de grupos ambientalistas. “A anistia resultará em aumento das áreas recuperadas”, disse. Para ele, a proposta vai pôr fim a um conflito que se arrasta por muito tempo e permitirá a exploração sustentável da floresta.

Pereira lembrou que tramita na Câmara, na Comissão de Meio Ambiente, um projeto de lei nas mesmas linhas da proposta que está sendo analisada pelos ministérios. Ele lembrou, no entanto, que se a anistia partir do governo e contar com o aval do ministério do Meio Ambiente, sua força é maior.

POSTURA FLEXÍVEL

O projeto que tramita na Câmara também permite aos produtores compensarem áreas desmatadas em outros locais, como defendem os dois ministérios. O deputado acredita, ainda, que o governo vai adotar uma postura flexível em relação à metade da área das propriedades que deverá ser recuperada diante da inviabilidade em restabelecer a floresta nativa. “O governo não vai querer culturas anuais nas áreas recuperadas, mas deve permitir o plantio de palmáceas, seringueiras, castanheiras ou eucaliptos na região”, afirmou.

Para a senadora Kátia Abreu, é importante discutir alternativas viáveis do ponto de vista econômico para a região da Amazônia Legal. “A floresta em pé precisa ter mais valor do que a árvore derrubada”, disse.

A senadora lembrou ainda que o governo federal é detentor de 76% das áreas da Amazônia Legal, segundo dados da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “O Estado é um péssimo administrador”, afirmou.

Fonte: estadao.com.br

 

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