Por: Mykaela Plotkin
Movimento Nacional de Direitos Humanos
Severino, conhecido como “Biu”, um dos líderes do assentamento Prado, em Tracunhaém – cuja luta data de 1997 – foi preso, juntamente com cinco companheiros José Paulo, Rolielsom Francisco Tavares, Valdomiro Antonio da Silva, Jebesom José Ferreira e João Carlos dos Santos, no dia 19 de setembro, enquanto trabalhavam em suas porções de terra. Nenhum documento lhes foi mostrado. A explicação dada pelo delegado João Gaspar foi o porte ilegal de armas - para o advogado da CPT, Gustavo Magnata, “um dos meios que têm sido usados freqüentemente para prender e punir, sem julgar, lideranças da defesa dos Direitos Humanos”.
Os seis detidos passaram 24 horas juntos na prisão, algemados, sem comer, nem beber água e dormindo em pé. Três deles chegaram a sofrer atos de tortura, já relatadas para o Ministério Público e para a OAB, junto com pedido de afastamento de Gaspar. Sufocados com sacos plásticos, os trabalhadores ainda apanharam no calcanhar com pedaços de madeira e receberam choques. Por falta de provas para acusação, quatro deles foram soltos; Rolielsom conseguiu pagar a fiança e também ser liberado. Biu, porém, permanece no COTEL.
O delegado alega que as armas supostamente encontradas na casa do agricultor, de calibres 12 e 28, teriam sido usadas nos dois assassinatos, ainda em apuração, que ocorreram esse ano no Prado. As armas do crime foram, no entanto, uma pistola e uma 38.
Os advogados da CPT entraram com o pedido de liberdade provisória, visto que o agricultor atinge todos os pré-requisitos legais necessários (tem residência fixa, trabalho, boa conduta e nenhum antecedente criminal).
De acordo com a lei, o delegado deve repassar o inquérito dos crimes de Tracunhaém para a defesa, mas ele recusa-se a cumprir com sua obrigação. “Para nós o suposto porte de armas é a maneira que eles encontraram para minar a luta e trazer para líderes como Biu, um grande defensor dos direitos humanos, o questionamento se vale a pena seguir com esse posicionamento”, conclui o advogado.
O assentamento Prado
Vivendo em cidades circunvizinhas, como Igarassu, Abreu e Lima e Carpina e tendo suas mãos-de-obra exploradas em trabalho semi-escravo nos grandes latifúndios, agricultores como o pai de Biu resolveram dar início a um novo modo de produção. Isso foi há dez anos, quando buscaram sustento na região onde tinham vivido suas famílias, contrariando o formato plantation (hoje, agronegócio) que parecia perdurar em pleno séc. XXI.
Foram oito anos de luta enfrentados por aqueles e aquelas que acamparam nas terras do antigo Engenho Prado, então propriedade do Grupo João Santos. Polícia em cavalaria ou a pé com cachorros na mão, helicópteros sobrevoando o local são exemplos de como a violência marcou e continua marcando a realidade dos que não se submetem à ordem vigente. Ali, toda uma geração cresceu com medo. Até mesmo as crianças eram revistadas. Na escola, a Polícia Militar de Nazaré da Mata separava os alunos do distrito e os filhos de assentados para ver se estes portavam armas. “Eu me sinto coagida, é violência toda hora. Pavor é a palavra”, diz Luísa Cavalcanti, moradora do Prado.
Em 2005, “veio a posse da terra, mas depois disso estamos de luto”, diz José Carlos, outro morador, ao lembrar da morte de dois companheiros durante esse ano. O que entristece o grupo, além da perda, é a forma como têm seguido as investigações sobre o caso. “Dentro das possibilidades, o delegado só levou em conta o problema interno”, acrescenta Luísa que, como os demais, acredita que na Zona da Mata quem controla a segurança são os usineiros e não o Governo.
O fato é que a reforma agrária tem partido desses próprios trabalhadores que, como aponta Plácido Júnior, da CPT, “cercados de cana, numa região onde os usineiros estavam acostumados a explorar seus trabalhos, eles resolveram, a partir da luta, mudar”. Espera-se, entretanto, que seja reconhecido o caráter ideológico da prisão de Biu para que situações como a que ele está vivendo, de permanência num presídio de capacidade máxima para 300 pessoas, juntamente com cerca de mil detentos em situação de violência constante não enfraqueçam, como muitos parecem desejar, a luta pelos Direitos Humanos.