Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Entre os dias 31 de março e 05 de abril, advogados e advogadas populares e agentes pastorais da Comissão Pastoral da Terra, provenientes de vários regionais do Brasil, reuniram-se em Belo Horizonte/MG para participar da etapa presencial do curso “Investigação da Cadeia Dominial de Imóveis e Combate à Grilagem de Terras Públicas” e do Encontro Anual do Coletivo Nacional de Assessoria Jurídica da CPT.

Texto e imagens: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da CPT Regional Nordeste 2


Estavam presentes no encontro representantes da CPT dos estados de Pernambuco, Bahia, Maranhão, Amapá, Pará, Amazonas, Rondônia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, e também das Universidades Federais do Pará (UFPA), de Minas Gerais (UFMG) e Fluminense (UFF).

O encontro teve o intuito de aprofundar o processo de formação sobre formas de grilagem de terras públicas e o estudo sobre Cadeia Dominial de imóveis, como uma importante ferramenta a serviço da luta das comunidades camponesas e tradicionais que estão sofrendo conflitos por seus territórios, assim como possibilitar debates sobre desafios atuais (como o trabalho escravo e a mineração), suas intersecções com a grilagem e as possíveis ações para o seu combate.

O curso, iniciado em setembro de 2024, é realizado com apoio da Oxfam e parceria entre a CPT Regional Nordeste 2 e a Universidade Federal do Pará (UFPA), mas também alcançou advogados/as populares e agentes de outros regionais da CPT, pastorais, e outros atores que promovem a defesa do direito à terra e ao território de comunidades e povos do campo. Também esteve presente a agência Repórter Brasil, que em seu trabalho de jornalismo investigativo, mantém uma base de dados sobre terras, tanto utilizada no curso quanto para o trabalho futuro dos/as participantes em suas bases.

Ao todo, foram seis encontros mensais online e o encerramento presencial, sendo abordados temas como: História da legislação agrária no Brasil, Ações Discriminatórias e destinação das terras públicas, Direito registral e cadeia dominial, Plataformas de governança fundiária, Formas de grilagem, Sistemas geodésicos e ferramentas tecnológicas de geolocalização. Os encontros foram facilitados pelos/as docentes: Prof. Dr. Girolamo Treccani, Profa. Ms. Gilda Diniz dos Santos, Profa. Dra. Aianny Naiara Gomes Monteiro, dentre outros.

Entre um encontro e outro, a cada participante foram propostas atividades de estudo e pesquisa de dados relacionados à questão fundiária em seu estado, seja no levantamento das legislações agrárias, das terras públicas catalogadas nos órgãos de terras e na investigação dos títulos expedidos em cartórios de imóveis, a fim de identificar em quais momentos houve ações de grilagem, e portanto, a origem dos conflitos agrários ao longo da história dos imóveis, comunidades e territórios acompanhados.

Um dos coordenadores do curso, o prof. Girolamo Treccani (UFPA) fez um resumo dos avanços conquistados, destacando o desafio de advogados e advogadas populares que atuam em um ambiente geralmente hostil aos camponeses e populações tradicionais, e que precisam se capacitar sempre mais e conhecer todo o instrumental jurídico brasileiro e propor caminhos.

“Foi uma caminhada longa, e agora culminamos neste encontro presencial que, de um lado, resgatou a jornada que foi feita, e do outro lado, com papel na mão, certidão de inteiro teor, um registro imobiliário e um computador com modelo a ser preenchido, os/as participantes fizeram o exercício de investigar: qual o primeiro detentor daquele imóvel? Ele transmitiu para quem? Em qual cartório e livro? Qual a localização deste imóvel e sua área? Quais os diferentes registros?  Todo dia os grileiros e o agronegócio descobrem novas artimanhas para se apropriar, para roubar o patrimônio público, e todo dia se percebem normas estaduais e decisões judiciais que infelizmente amparam essa apropriação indevida. Cabe a nós encontrarmos formas de resistência que possam se contrapor a essa dilapidação do patrimônio público”, avaliou Treccani, destacando que este é um exercício associado ao trabalho da CPT nos últimos 50 anos, de defesa do direito à vida, do direito de acesso à terra das populações tradicionais, camponesas, quilombolas e povos indígenas.

Memória dos mártires e dos 50 anos da CPT

No momento de mística para abertura do Encontro do Coletivo de Assessoria Jurídica, foram rememorados os mártires advogados/as, que tombaram na luta na defesa das comunidades: Gabriel Salles Pimenta, Eugenio Lyra, Ismene Mendes, Manoel Mattos, Paulo Fontelles de Lima, Agenor Martins de Carvalho e diversas outras vozes e corpos dedicados às causas populares.

O tema abordado na Mesa 1 foi “Trabalho Escravo e Reforma Agrária: desafios para a aplicação do art. 243 da Constituição Federal”, com a facilitação de João Márcio (DPU), Waldeci Campos (da coordenação da CPT/MG), o deputado estadual de Minas Gerias Betão e a advogada Lívia Mendes, da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG.

O estado de Minas Gerais concentra o maior número de pessoas resgatadas do trabalho escravo nos últimos 12 anos, uma tendência que se confirma com a divulgação dos dados de Conflitos no Campo de 2024, mesmo com a redução dos casos. “Em relação à diminuição nos números do trabalho escravo, além da relação com a greve dos fiscais do trabalho, também acontece que nem todas as denúncias são fiscalizadas. É preciso atentar também para o trabalho escravo doméstico”, afirmou Waldeci.

Os conflitos na mineração

A Mesa 2, tratando dos impactos da mineração e do garimpo nos territórios, teve a participação do Frei Rodrigo Péret (que assessora a CPT Uberlândia/MG), Larissa Tavares (advogada popular na CPT Xinguara/PA), Maria Emília (do Programa de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos de Minas Gerais) e Marta de Freitas (do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM).

“A tragédia em Mariana não foi a primeira, e eu digo pra vocês que, infelizmente, Brumadinho não será a última. O problema não são as barragens, mas o modelo que explora, destrói a natureza e as comunidades no entorno, interferindo no modo de vida das comunidades, agindo com violência e mortalidade”, alertou Marta de Freitas, chamando a atenção para as jornadas exaustivas de trabalho vividas principalmente pelas mulheres, obrigadas a cumprirem uma carga horária de 12 horas que acarreta problemas urinários e renais. Em fevereiro de 2025, foram identificadas 104 barragens de Minas Gerais em situação de alerta ou emergência, muitas delas nas chamadas zonas de “Auto Salvamento”, com famílias que moram nessas regiões e não sabem do perigo iminente. O Brasil também é o país com maior taxa de mortalidade na mineração no mundo, com 252 fatalidades registradas no levantamento feito em 2019.

Já Maria Emília, que inclusive foi a primeira mulher advogada popular a trabalhar junto à CPT no Triângulo Mineiro, na década de 1980, destacou o quadro alarmante de defensores e defensoras ameaçados em todo o país, e que têm entrado nos programas de proteção devido às ameaças à própria vida e atuação em defesa dos direitos humanos. O Pará lidera com 153 defensores/as em proteção, seguido da Bahia (146), Maranhão (120), Minas Gerais (115) e Amazonas (103). “Em Minas Gerais, uma média de 20 defensores/as enfrentam as mineradoras, sendo 13 mulheres. As mulheres estão de par em par com os homens nas bases, mas a visibilidade pública do relato é geralmente dos homens”, avalia Emília.

Protocolo Comunitário Autônomo de Biodiversidade

Outro momento do Encontro foi a apresentação de documentos como o Protocolo Autônomo de Biodiversidade, um instrumento de defesa utilizado pelas comunidades para fortalecerem a sua posição na defesa do território, da fauna e flora locais, diante das ameaças dos grandes empreendimentos que podem afetar os modos de vida, crenças, instituições, religiosidade e outros aspectos. Através deste documento e também de um Plano de Ação, os povos podem se resguardar e submeter todos os projetos a processos de consulta e consentimento prévio.

A atuação e organicidade do Coletivo Jurídico

Na Mesa 3, o grupo relembrou e refletiu o papel do Coletivo Jurídico da CPT frente aos conflitos territoriais no Brasil, com a facilitação de Andreia Silvério (Pará) e Afonso Chagas (Rondônia). Foram resgatadas as atuações jurídicas de advogados/as populares da CPT em casos emblemáticos e de alcance nacional, como Chico Mendes, irmã Dorothy Stang, o Massacre de Eldorado dos Carajás e o advogado Eugênio Lyra.

“O papel de uma assessoria jurídica popular é profanar os templos do Poder Judiciário”. Diante de provocações como esta do advogado popular João Regis, que atua junto à CPT Juazeiro (Regional Bahia), os/as participantes se reuniram em grupos para refletirem como ser assessoria jurídica popular dentro de uma pastoral que deseja e pretende ser profética e missionária.

O encontro encerrou com diversos encaminhamentos de ações do Coletivo de Assessoria Jurídica em rede, e com uma Carta, publicada em seguida, em que se destaca o papel dos/as advogados/as populares da CPT, em lutar contra todas as formas de desesperança.

Avaliação

“Foram dois momentos muito ricos. O curso que permitiu um momento presencial com os professores e colegas, sendo possível discutir melhor a temática, tirar dúvidas, visualizar de perto como deve ser feito o estudo acerca da origem dominial de um imóvel. O Encontro proporcionou partilhas importantes, renovação das forças, conhecer a realidade de outros regionais e estratégias que vem sendo adotadas, além de nos fazer refletir sobre o coletivo da assessoria jurídica da CPT, próximos passos que queremos e precisamos adotar.” - Larissa Tavares, advogada popular da CPT Xinguara/PA

“Me sinto muito contemplado no curso e o encontro, pelas apresentações, didáticas, neste tema complexo, mas necessário, da grilagem de terras. Percebo que demos passos importantes. Hoje eu observo situações que a gente acompanha desde 2017, sentindo que tínhamos um problema grande de grilagem na comunidade, e agora, pela primeira vez, visualizamos com clareza o que tem ali de problema, e o que a gente pode fazer. Queria dar os parabéns pela organização, pelo conteúdo e a equipe envolvida.” - Rafael Silva, advogado popular da CPT Maranhão

 

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