Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Deputados ligados aos latifundiários tentam aprovar medidas que impossibilitam o governo federal de atualizar os índices de produtividade da terra, defasados há 32 anos.

Fonte: Brasil de Fato

Por Mayrá Lima, de Brasília (DF)

A nova legislatura federal iniciou há um mês e, como era de se esperar, a bancada ruralista não perdeu tempo em apresentar sua pauta. Com o objetivo de ganhar força no Congresso, os parlamentares que defendem a União Democrática Ruralista (UDR) selecionaram pelo menos 35 projetos prioritários. A tentativa de impedir a atualização dos índices de produtividade agropecuários é um dos principais objetivos dos representantes do latifúndio em Brasília. A medida é considerada como um ato “terrorista” e, para contê-la, ameaçam o governo federal de boicotar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com os votos de seus 200 deputados. No Senado, por exemplo, a bancada pretende fazer uma emenda ao relatório do senador Osmar Dias (PDT-PR) já apresentado à Comissão de Agricultura da Casa para substituir os graus de uso da terra por laudos técnicos da Embrapa. A atualização é um compromisso do governo federal, expresso no II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Desde 1975, os índices não são revisados, embora a lei 8929 de 1993 estabeleça que estes devam ser atualizados periodicamente. O Incra já realizou várias tentativas de atualização, ao mesmo tempo em que a Unicamp realizava estudos, cujas reuniões foram acompanhadas pela Embrapa. Um ato administrativo foi concluído em fevereiro de 2006 para implementar a atualização, mas não saiu do papel porque os ministros do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não sancionaram a medida. De acordo com Caio França, integrante da equipe técnica da elaboração da proposta de atualização pelo MDA, não há mais nada que impeça a assinatura dos dois atuais ministros. "Quando concluímos a proposta, a agricultura estava em momento de crise, com dificuldades nos preços. Agora, vive um bom momento e aquele argumento apresentado no ano passado, das dificuldades do setor não pode ser mais utilizado diante dos números do agronegócio apresentados”, afirma Caio. Lucros maiores De acordo com dados do IBGE, a agropecuária apresentou um crescimento de 3,2% em 2006, depois da taxa de 0,8% do ano anterior, marcado por quebras de safras e problemas com a febre aftosa. Para 2007, a expectativa é de que haja um crescimento de 5% na produção de grãos e de 3% na de leite, carne e ovos, segundo dados da própria Confederação da Agricultura Brasileira (CNA), composta em sua maioria por defensores do latifúndio. Além disso, os agricultores estão sendo beneficiados pela elevação das cotações internacionais, o que acaba refletindo nos preços aqui no País. No mês passado, os preços estavam, em média, 20% maiores em relação aos de fevereiro de 2006, segundo o índice da MS Consult. Entre os produtos que tiveram maiores altas estão frango (47%), milho (37%) e trigo (30%). Levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica que devem ser produzidas entre 53,5 milhões de toneladas e 55,0 milhões de toneladas de soja, o que equivale a um ganho de até 3%. De acordo com a entidade, o crescimento da produção pode ser atribuído à opção dos produtores de plantar em áreas mais produtivas, o que resulta em maior produtividade. “Eu acho uma contradição e um absurdo a bancada ruralista ficar se opondo, porque ninguém vai desapropriar com base no índice. É uma obediência legal. A desapropriação só é feita depois de uma vistoria. Eu só consigo entender por causa da mentalidade atrasada que tem boa parte do chamado empresariado rural brasileiro, representado nesta tal de bancada ruralista que, pra mim, é o atraso do atraso”, critica o professor da Unicamp Pedro Ramos, que participou de três dos quatro estudos utilizados no projeto do MDA/MAPA. Compromisso esquecido Em abril de 2005, após uma série de atividades ocorridas no MDA e no Incra, elaborou-se uma proposta inicial que foi apresentada para o Ministério da Agricultura e do Abastecimento (MAPA). No entanto, o órgão resolveu adentrar nas formulações com estatísticas mais recentes e os dois ministérios chegaram a uma proposta técnica conjunta, apresentada em fevereiro de 2006 por meio de uma portaria interministerial. A portaria ajusta os índices de produtividade, ou rendimento, para os 38 produtos vegetais que constam na Instrução Normativa de n° 11, de 2003, do Incra, além de contemplar a pecuária. “Esses valores não foram desejados. Refletem o que foi o desempenho da agricultura brasileira nesses últimos anos. Para cada Estado, ou região, esses novos índices correspondem ao que foi ao comportamento médio daquele produto nesse período naquela região”, explica França. A metodologia utilizada no projeto é baseada em dados de estatísticas oficias. Para os produtos vegetais, foram utilizadas as pesquisas agrícolas municipais, dentro de uma série histórica de cinco anos (2000 a 2004). Já para a pecuária, a produtividade é avaliada por meio do índice de lotação, ou seja, o número de cabeças por hectare. Neste caso, somente o censo agropecuário permite os cálculos do índice de lotação. “As pesquisa anuais do IBGE só trazem uma informação que é a evolução do número de cabeças. Então, para a proposta de atualização, coerente com o critério de estatísticas oficiais, nós tivemos que trabalhar com o Censo Agropecuário de 1995/96. Passamos de cinco zonas de pecuária para oito. Cada zona pecuária é composta por microrregiões geográficas do Brasil”, complementa o técnico do MDA. Ainda de acordo com França, a atualização dos índices é indispensável, diante da necessidade de se expressar o desenvolvimento científico e tecnológico da atividade agropecuária no País. Necessária, inclusive, para atualizar as próprias exigências mínimas que a Constituição estabelece para o cumprimento da Função Social da terra, dentro de uma dimensão econômica. Enquanto isso, no Congresso Nacional ... A portaria que atualiza os índices de produtividade agropecuários é um ato administrativo do Executivo, mas ruralistas tentam postergar a medida no Congresso Nacional Mayrá Lima, de Brasília (DF) Bastou a possibilidade da atualização dos índices de produtividade agropecuários para chover no Congresso propostas contrárias ao projeto. Segundo relatório da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), se os índices forem aprovados, 100 mil propriedades seriam desapropriadas para fins de reforma agrária. Esse dado mobilizou os pedidos que vão desde a revogação do ato administrativo - já concluído, à espera da assinatura de dos ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário – até um período de adequação dos produtores rurais diante do novo índice. Há o PL 202/05, da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) que estabelece a mudança de critérios de cálculo dos índíces de produtividade. Já o deputado federal Elieseu Padilha (PSDB-RS) propõe uma comissão tripartite entre entidades para a modificação dos índices. Há ainda o PL 5422/05 do deputado federal Lael Varela (PFL-MG) e já aprovado pela Comissão de Agricultura e Abastecimento da Câmara que aprova um prazo de 15 anos para a atualização dos índices. Por outro lado, o deputado Adão Pretto (PT/RS) apresentou o PL 5946/05, desarquivado, que estabelece um período menor para atualização dos índices: não superior a 5 anos. “Os ruralistas dizem que a agricultura se modernizou, que agora tem tecnologia. Nós estamos com índices do tempo dos militares. Isso é vergonhoso. O Lula está com o projeto está pronto!”, diz o petista. Com a mudança de legislatura, muitos projetos foram arquivados, mas podem vir à tona com a reeleição de alguns deputados, ou mesmo com a mudança de autores. O deputado federal Leonardo Vilela (PSDB-GO) tomou o projeto de seu aliado – O PL 6820/06 de Chico Graziano (PSDB-SP), não reeleito – e o transformou numa nova PL, a de número 78, de 2007 que altera a definição de propriedade rural produtiva. Ganhar tempo De acordo com Caio França, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), as propostas que estão no Congresso têm caráter meramente postergatório. Para ele, a CNA dá um tiro no próprio pé ao declarar que 100 mil propriedades serão desalojadas. “Os 100 mil não é que vão ser desapropriadas, mas sim o universo de grandes propriedades no Brasil em que o Incra pode fazer vistoria. Eles estão dizendo que as 100 mil são improdutivas, é uma incoerência”. Segundo França, os índices não são um critério de desapropriação e a própria legislalção brasileira estabelece parâmetros mínimos para o cumprimento da função social. "Os grandes produtores que fazem da sua atividade uma atividade econômica, respeitando o meio ambiente e as questões de trabalho não tem que se preocupar com nada”, explica. O professor Pedro Ramos, da Unicamp, afirma que a postergação da atualização dos índices se configura num desrespeito constitucional. “Para mim, essa demora se deve à pressão de políticos interessados no atraso do campo brasileiro. Eles possuem uma equivocada compreensão do direito de propriedade e desrespeitam a questão da função social da terra”. Sobre as propostas de concessão de prazos para adequação dos produtores, França diz que não faz nenhum sentido um período de adaptação, visto que os índices vai verificar o desenpenho de 12 meses anteriores à produção atual. Omissão Para Caio França, não existe a possibilidade de o Congresso Nacional revogar a proposta interministerial. “ Eles podem entrar com um questionamento no Judiciário. Nós estamos seguros do nosso instrumento jurídico e da legalidade do ato”, explica. O Congresso pode, no entanto, criar entraves para a atualização dos índices. Há o chamado Projeto de Decreto Legislativo que tem o poder de revogar uma ação do Poder Executivo, desde que seja aprovado. A bancada ruralista ameaça utilizar esse instrumento para desautorizar o governo federal, já que contam com cerca de 200 deputados alinhados no grande latifúndio. Esse medo do Executivo vem irritando os movimentos sociais camponeses, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). De acordo com Marina dos Santos, dirigente do movimento, a decisão já passou do tempo de ser promulgada. “O governo apresentou a eles uma proposta que leva em consideração as diferentes áreas de produção, tanto na agricultura como na pecuária, e que trabalha com a atualização dos índices de 1975 até 1995”. “ Mesmo que (o governo) tome a medida de atualizar, não vamos ficar com um índice defasado em dez anos. Se tecnicamente o governo tem todos os elementos para tomar essa decisão, imagino que a questão agora é de caráter político. Em vez de cumprir o que promete, o governo está optando em ficar de bem com os ruralistas”, reclama. A crítica conveniente aos estudos técnicos Ruralistas argumentam que produtor deve definir quando plantar, ignorando o preceito constitucional da função social da terra Mayrá Lima, de Brasília (DF) Desde que a proposta interministerial de dos índices de produtividade agropecuários foi apresentada, a bancada ruralista promove uma verdadeira choradeira em prol da revogação da proposta, pois teme a perda de dos latifúndios de terra. Ainda na primeira versão do projeto apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), eles se apóiam em relatórios e análises feitas pela Confederação Nacional de Agricultura (CNA). De acordo com a entidade, os números do IBGE – as Pesquisas Agropecuárias Municipais (PAMs) –, utilizados pelo MDA, não conferem confiabilidade aos índices propostos. Além disso, os ruralistas pedem a não consideração das pesquisas da Unicamp e argumentam que a Embrapa seria o órgão oficial mais adequado para opinar sobre a questão. Para a Confederação, “o produtor é quem deve decidir sobre o quê, quando e quanto plantar diante dos fatores de produção (trabalho, tecnologia, capital e terra)”, mesmo que isso mesmo que contrarie o conceito da função social da terra. Para o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Pedro Ramos, a importância da atualização é inegável. Significa a obediência ao preceito constitucional da reforma agrária. “Essa atualização, aplicada aos dados cadastrais, indicará um número de propriedades que não atingem os parâmetros mínimos de eficiência produtividade. A medida indica o número de latifúndios que possivelmente não atingem os índices mínimos do Grau de Utilização da Terra (GUT) e o do Grau de Eficiência da Exploração (GEE). Os números não dizem quem vai ser desapropriado, porque esse processo depende de uma vistoria”, explica. Ramos participou de três dos quatro estudos promovidos pela Unicamp que são utilizados no projeto do MDA/MAPA. O professor diz lamentar a posição da CNA de não considerar as pesquisas da universidade paulista. “A CNA se acha ela qualificada? Ela está desqualificando uma das mais importantes universidades brasileiras! O que é isso? A CNA manifesta uma ignorância, pois a Unicamp faz um estudo que foi discutido com técnicos da Embrapa. Além disso, a confederação não apresenta uma proposta factível”, declara. Ramos explica que o trabalho foi feito em cima do censo agropecuário de 95/96, ou seja, em cima de dados relatados pelos próprios empresários do campo. "Se esses dados não são confiáveis, então a atitude de quem os declara também não é confiável", opina o pesquisador. Esses questionamentos, para Caio França, não se opõem apenas à proposta do MDA/MAPA. Na verdade, a CNA e outros setores patronais se incomodam com o marco legal da reforma agrária. “Eles questionam o item da Constituição que fala no uso racional e econômico, questionam a lei 8629 que expressa como o uso racional e econômico deve ser aferido que é por meio do GUT e do GEE”. Ação judicial Além disso, os ruralistas querem desmerecer a competência do Incra de fixar os índices de produtividade, apesar de o artigo 6°, da lei 8629/93 proteger o órgão na aferição dos índices. Em 2004, por exemplo, o Sindicato Rural de Campos, no Rio de Janeiro, entrou com uma ação civil, junto à Vara Federal de Campos/RJ, em que acusavam o Incra de abuso de poder ao enquadrar os índices fixados para a região. A Justiça, por outro lado, indeferiu a liminar por considerar a legislação vigente clara e não passível de interpretações alternativas, quando estabelece que a tarefa de aferição é do Poder Executivo, e este deliberou este poder ao Incra. “Eles usam isso para recorrer de processos de desapropriação, falam que os índices não correspondem a realidade”, explica França. Outra reclamação dos ruralistas está direcionada às metodologias utilizadas. A questão de ser levada em conta somente a propriedade física do imóvel é criticada. França concorda que não é a melhor forma de se avaliar, de fato, mas ressalta que é a única para qual existem estatísticas oficiais. “Nós e vários parlamentares reconhecemos que as Ciências Agrárias devem produzir novas metodologias de análise do desempenho de uma propriedade. Se formos ver a capacidade do solo e as questões ambientais, teremos padrões muito mais exigentes. Isso é desejável, mas ainda não é possível”, disse. Sobre o argumento que as Pesquisas Agropecuárias Municipais (PAMs) é uma informação frágil, França diz encontrar uma grande contradição. “Toda previsão de safra brasileira, todas as estatísticas oficiais utilizada pelo Mapa e pelos sistemas financeiros nacionais baseiam-se nas estatísticas do IBGE, as PAMs. É uma tentativa de desqualificar a proposta através de argumentos inconsistentes”.

 

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