Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Diálogos em torno das experiências de organização autônoma das comunidades, governança e bem-viver marcaram as partilhas

"Põe a semente na terra, não será em vão. Não te preocupe a colheita, plantas para o irmão" - José Acácio Santana

Após um dia de debate sobre temas importantes e escuta ativa da experiência viva dos povos que trouxeram suas lutas e anúncios, com a força que brota da terra, as e os agentes reunidos na Semana Nacional de Formação da CPT iniciaram o segundo dia proferindo palavras-sementes que simbolizam a existência e resistência no campo. Diante da diversidade de sementes que desenhavam no chão do auditório a  palavra Agroecologia, foram ecoadas: sementes dos mártires, da solidariedade, das benzedeiras, da ancestralidade, do pertencimento, dos encantados, do bem viver…

 

 

Texto: Amanda Costa - Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
Fotos: Amanda Costa e Wellington Rodrigues

"Põe a semente na terra, não será em vão. Não te preocupe a colheita, plantas para o irmão" - José Acácio Santana

Após um dia de debate sobre temas importantes e escuta ativa da experiência viva dos povos que trouxeram suas lutas e anúncios, com a força que brota da terra, as e os agentes reunidos na Semana Nacional de Formação da CPT iniciaram o segundo dia proferindo palavras-sementes que simbolizam a existência e resistência no campo. Diante da diversidade de sementes que desenhavam no chão do auditório a  palavra Agroecologia, foram ecoadas: sementes dos mártires, da solidariedade, das benzedeiras, da ancestralidade, do pertencimento, dos encantados, do bem viver…

 

LEIA MAIS: CPT dá início à Semana Nacional de Formação

A partir da lembrança do legado do indígena Sebastião Mário Alves Mimbydjú, cacique Nhandeva-Guarani, da TI Pinhalzinho, em Tomazina, no Norte Pioneiro do Paraná, que encantou-se mas deixou seu testemunho, a formação que acontece até o dia 7 de novembro em Goiânia (GO) teve continuidade e, dessa vez, dedicou-se a refletir sobre a construção do projeto para o campo tanto a partir das políticas do Governo Federal quanto por meio de perspectivas de autonomia, governança e ideais de bem viver dos povos que vivem no campo. 

Aqui é o meu lugar. Eu sou tudo isso. Eu sou o sol, eu sou a lua. Eu sou a chuva e também o vento. Eu sou as árvores. Eu sou as raízes. Eu sou a natureza. Faça uma fogueira e dance em volta dela fazendo o seu pedido. Põe o ramo de mandioca e bambu na fogueira. A fumaça leva as suas mensagens ao grande e poderoso Senhor Deus Nhanderu [...]  Trecho do testemunho de S.M.A Mimbydjú, escrito por sua neta Kauani, no livro 'O que meu avô me contou'.

Nesse caminho, Raul Krauser, da direção nacional do Movimentos dos Pequenos Agricultores (MPA), lançou perspectivas e expectativas em relação ao terceiro governo Lula nesse tempo histórico desde um olhar sobre a alimentação no Brasil. Tendo em vista o contexto que se configura para esse período, Krauser deu início a discussão apoiado na publicação 'Regimes alimentares e questões agrárias', de Philip McMichael, que elucida o entendimento do atual modelo de produção, da circulação dos alimentos em escala global, da dinâmica de acumulação, e das diferentes estruturas de poder entre as nações.

"Estamos agora, a partir dos anos 80, sob um regime alimentar corporativo, que é controlado por grandes corporações internacionais, como a Bayer, Monsanto, Cargill, Bunge, baseado em alguns poucos grãos e em uma indústria que faz de tudo com esses poucos grãos", comentou. Na ideia do agricultor, a ideia do abastecimento alimentar se dá na figura de um triângulo, em que, em uma das pontas estão os alimentos ultraprocessados a base de milho, soja e trigo - onde se concentra a maioria da população mundial;  na outra ponta estão os alimentos orgânicos, naturais, funcionais; e na terceira ponta está a fome como uma expressão das outras duas.

Para produzir a enormidade de soja necessária para dar conta da cadeia de ultraprocessados, são necessárias grandes extensões de terra. Sendo assim, Krauser pontuou que é nesse contexto em que se inserem as tensões do governo. "Temos o agronegócio querendo fazer o triângulo e nós querendo desmontá-lo para construir outra coisa no lugar. Somos uma pedra no sapato para a consolidação do regime alimentar corporativo, por isso atacados. Ao mesmo tempo, e principalmente, somos a utopia. Imersos nessas contradições que tivemos os governos e teremos o próximo", salientou e em seguida acrescentou que o caminho é árduo e demanda organização de povo, atuação dos movimentos no campo unitário, na via campesina, e articulação internacional para mudanças climáticas.

Seguido da fala de Raul, Roberto Ricardo Vizentin, assessor do PT na Câmara dos Deputados, compactuou das considerações anteriores e reforçou que "esse governo, por mais júbilo que tenhamos, é um governo em disputa, dada a correlação de forças. E a concretização das propostas vai depender da nossa capacidade enquanto movimentos e trabalhadores de nos organizarmos e exigirmos que isso se cumpra". 

Vizentin afirmou, ainda, que "é fundamental que as sementes da rebeldia sejam assumidas não apenas como pedagogia no processo de formação, mas como compreensão da necessidade política que a CPT, e as demais organizações com as quais se relaciona, estejam permanentemente vigilantes, atentas e a postos para esse combate que já está dado". Para ele, a possível assumência de Marina Silva no ministério do próximo governo se reverta no avanço das nossas lutas e empoderamento no que diz respeito à terra e aos territórios.

"Nossa bandeira são todas as bandeiras, costuradas, amarradas com o laço do amor. E a juventude agroecológica que vai pintar um mundo novo de outra cor"

Na segunda parte da manhã, os agentes e agentes da CPT dedicaram a escuta à partilha de Raquel Rigotto, professora da Faculdade de Medicina da UFC, coordenadora do Núcleo Tramas e uma das mais importantes pesquisadoras no campo de agrotóxicos no país. A Roda de Diálogo 'Perspectivas de autonomia e governança, a perspectiva dos povos e comunidades' convidou o coletivo a pensar o Brasil que queremos a partir das experiências desenvolvidas pelos saberes ancestrais dos povos originários e comunidades tradicionais.

Ao se deslocar da posição de pesquisadora para um local de formulação de perspectivas percebidas ao longo dos seus 17 anos caminhada junto aos povos do campo, Rigotto destacou quatro elementos essenciais para a conversa: a mãe terra; os povos originários e comunidades tradicionais; a falsa ideia de desenvolvimento e neoextrativismo; e, por fim, as palavras-chave verdade, cuidado e amor. 

Desde o seu trabalho nas Comunidades Eclesiais de Base na periferia de Belo Horizonte até nos sertões do Ceará, em especial na Chapada do Apodi, Rigotto resgatou a cosmovisão revolucionária dos povos, contrária ao que a modernidade ocidental capitalista impõe, a qual "nos convidam a olhar a natureza com reverência, com respeito, como sagrado. Nos chamam a enxergarmos como seres parte dessa natureza, a produzir conhecimento a partir dessa nossa relação".

“Muitos povos, de diferentes matrizes culturais, têm a compreensão de que nós e a Terra somos uma mesma entidade, respiramos e sonhamos com ela.[...] Somos microcosmos do organismo Terra, só precisamos nos lembrar disso.”  Trecho de A vida não é útil, de Ailton Krenak.

A pesquisadora coloca esse saber do 'Bem Viver' traduzido, na academia, em conceitos que hoje são chave para uma mudança mais profunda e uma perspetiva de sobrevivência ao planeta, como o de ecodependência"É preciso trazer esses elementos quando pensamos num projeto para o Brasil. O colapso socioambiental não é um evento como um tsunami ou terremoto, é um processo, e ele já está em curso", sinalizou.

Como forma de não perder o brilho e buscar pistas sobre como sobreviver à situação que o planeta enfrenta, Rigotto afirma que precisamos resgatar os saberes dos povos da produção social da vida, o ar, a água, o alimento, o carinho, o cuidado. Isso vai desde a descolonização do pensamento que soma as questões da classe, da etnia e da raça, de gênero e a natureza, até a não adjetivação do conceito de 'desenvolvimento' como sustentável ou social. "É essencial pontuar no nosso projeto a escolha de alternativas ao desenvolvimento, nós não queremos essa ideia, queremos buscar alternativa a essa perspectiva". 

Por fim, Raquel disse que a alternativa é, sobretudo, autônoma. "É necessário nos inspirarmos, a partir dos povos, no fortalecimento da organização autônoma, das novas formas de decisão, mais democráticas. Na capacidade de fazer parcerias e alianças, com redes locais, nacionais e internacionais. Nas vitórias do sistema de produção baseados na sociobiodiversidade, na criação de novas relações sociais por meio de compartilhamento de experiências de autogestão coletiva", concluiu.

Fonte: CPT Nacional

 

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