Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

No primeiro semestre de 2022 a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou, por meio do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, 759 ocorrências de conflitos no campo no Brasil, envolvendo um total de 113.654 famílias. Esses números correspondem a 601 ocorrências de conflitos por terra, 105 ocorrências de conflitos pela água, 42 ocorrências de conflitos trabalhistas (41 casos de trabalho escravo e 1 caso de superexploração), 10 ocorrências de conflitos em tempos de seca e 1 ocorrência de conflitos em área de garimpo. A Amazônia Legal responde por mais da metade do total de conflitos no campo registrados no período. Além disso, em 2022, até agora, a CPT registrou 33 assassinatos, sendo 25 somente no primeiro semestre. Cinco mulheres foram assassinadas e esse é o maior número registrado desde 2016. 

PRESS-RELEASE - Partial Data: the occurrence of conflicts over land, rescued from slave labor and murders increases in 2022

No primeiro semestre de 2021 foram registradas 765 ocorrências de conflitos no campo, com 124.226 famílias envolvidas, sendo 570 ocorrências de conflito por terra; 134 conflitos pela água e 61 conflitos trabalhistas. No Eixo Terra, o aumento no número de ocorrência de conflitos é de 5,44%, enquanto os Eixos Água e Trabalhistas apresentam uma queda no número de ocorrências, de 21,64% e 31,14%, respectivamente. É importante destacar que desde 2013 não havia registros de Conflitos em Tempos de Seca, sendo novamente registrado neste primeiro semestre de 2022, principalmente em decorrência da seca que atingiu a região Sul do Brasil. 

De janeiro a junho de 2022, das 601 ocorrências de conflitos por terra, 554 foram referentes a violências contra as famílias e/ou contra as pessoas, 45 ocorrências de ocupações/retomadas e 2 a ocorrências de acampamentos. Em 2021 foram 549 ocorrências de violências contra as famílias e/ou contra as pessoas, 19 de ocupações/retomadas e 2 de acampamentos.

É possível ver no gráfico, que em 2022 houve um aumento expressivo na ocorrência de ocupações/retomadas, de 136,84%. Com o arrefecimento da pandemia, os povos do campo, das águas e das florestas retomaram, com intensidade, as ações de resistência e luta pela terra e pela permanência nela.

Violência contra a ocupação e a posse

Destaca-se, também, o crescimento do número de famílias que sofreram Ameaça de Expulsão (4.981 famílias) e Destruição de Roçados (1.964 famílias) no primeiro semestre de 2022, em comparação com o mesmo período em 2021. O crescimento foi de 46,54% e 21,33%, respectivamente. Em relação à Destruição de Roçados há um progressivo aumento do número de famílias atingidas por esse tipo de violência no comparativo do primeiro semestre dos últimos quatro anos.

Em relação aos dados de despejos, é importante destacar o impacto positivo das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de suspender os despejos judiciais durante o período da pandemia da Covid-19, a partir de março de 2020. As ameaças de despejo judicial diminuíram paulatinamente nos primeiros semestres dos três anos posteriores a 2019, sendo que o mesmo período de 2022 registrou um número de famílias atingidas por essa violência 69,3% menor (4068, em comparação com as 13.259 de 2019). Já os despejos judiciais tiveram, no primeiro semestre de 2021, um número de famílias despejadas 81,75% (1.265) maior que no mesmo período de 2020 (696), mas, mesmo assim, 71,89% menor que no primeiro semestre de 2019 (4.500). Em 2022, os seis primeiros meses do ano tiveram um número de famílias despejadas (436), 90,31% menor que no mesmo período do ano anterior à pandemia.

Algumas violências contra a ocupação e a posse passaram a ser registradas a partir de 2019, sendo uma delas a Contaminação por Agrotóxico, que obteve o maior percentual de aumento de famílias atingidas em relação aos primeiros semestres de 2021 e 2022, com um índice de 161,34% (5.637). Em seguida, temos Omissão/Conivência (31.380 famílias) com um aumento de 108,96%, e Desmatamento Ilegal (17.672 famílias), com 7,64%. A Contaminação por Agrotóxico vem atingindo progressivamente as famílias desde 2019, chegando ao registro nos primeiros seis meses de 2022 um número 376,50% maior que o mesmo período de 2019 (1183 famílias).

Destaca-se o quão grave é o aumento dos conflitos por contaminação por agrotóxicos, pois, além de atentar diretamente contra a saúde dos povos e comunidades do campo, ocasiona também a contaminação das águas e dos alimentos saudáveis que abastecem as mesas da sociedade brasileira. O Assentamento Santa Rita de Cássia II, de Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS), por exemplo, vem sofrendo prejuízos constantes em suas produções agroecológicas. O motivo é que o assentamento faz divisa com a Granja Nenê, que faz uso da pulverização aérea de agrotóxicos em suas lavouras. O assentamento chegou a descartar de 70% a 100% de sua produção por conta da contaminação. A certificação de produção orgânica de seus alimentos também foi perdida. Esse conflito ocorre desde 2020, e mesmo com a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), de 2021, proibindo as fazendas da região de pulverizar agrotóxicos, e com a lei municipal 1.680/21 sancionada pela prefeitura local determinando o mesmo, as famílias do Assentamento Santa Rita de Cássia II seguem sendo vítimas desse tipo de crime.

No caso das violências identificadas como Omissão/Conivência, o principal agente causador destas são, quase que exclusivamente, os governos das três esferas de poder, com o Governo Federal sendo responsável por 78,65% das ocorrências, o governo estadual por 8,99% e o governo municipal por 6,74%. Dos tipos de violências causadas pelo Governo Federal, as ocorrências de Omissão/Conivência representam 94% do total, e atingiram principalmente quilombolas e indígenas.

Aumento das ocorrências de conflitos por terra e do número de indígenas vítimas desses conflitos

O número de ocorrências de Conflitos por Terra no primeiro semestre de 2022 aumentou 5,44%, tendo como referência o mesmo período do ano passado. Em relação aos sujeitos sociais que sofreram ações de violência e que causaram as violências, temos os seguintes quadros:

Com mais de um terço da porcentagem das violências sofridas no Eixo Terra, estão os indígenas, seguidos por quilombolas (com quase um quarto dessa porcentagem), sem-terras, posseiros e assentados. Entre os causadores desses conflitos, na dianteira das ações, está o Governo Federal (com mais de um quarto da porcentagem das violências cometidas), seguido por fazendeiros, empresários, grileiros e madeireiros.

O Governo Federal mantém-se como o principal agente causador das violências no Eixo Terra no primeiro semestre de 2022, após ser o terceiro na proporção de violências cometidas no primeiro semestre de 2021. O pico da atuação violenta deste agente decorreu durante o primeiro semestre de 2020, no início da pandemia de Covid-19. 

Conflitos por Água

No primeiro semestre de 2022, a CPT registrou 105 ocorrências de conflitos pela água, envolvendo 29.163 famílias. No mesmo período de 2021, foram registradas 134 ocorrências com o envolvimento de 28.090 famílias. Assim, houve uma diminuição no número de ocorrências, mas, por outro lado, um aumento no número de famílias envolvidas.

Os principais atingidos pelas conflitos pela água foram os indígenas (26%), seguidos dos quilombolas (22%) e dos ribeirinhos, posseiros e pequenos proprietários.

Já os principais causadores dos conflitos pela água foram os empresários (34%), seguidos de mineradora internacional (14%) e de hidrelétricas (12%).

Violência contra a pessoa: crianças e adolescentes na mira durante o governo Bolsonaro

As violências contra as pessoas são registradas em todos os Eixos de conflitos abrangidos pelos dados da CPT - Terra, Água e Trabalhistas -, bem como nas demais formas de conflitos que fazem parte do olhar da CPT sobre o campo, como as questões da seca e do garimpo. A maioria dos dados de violência contra as pessoas refere-se aos conflitos por terra.

Os principais tipos de violência contra as pessoas no primeiro semestre de 2022 foram as prisões, representando 16,82% do total, seguidas de tentativas de assassinato, com 10,28%, intimidação, com 9,35%, e ameaça de morte, com 9,35%.

Em 2022, a CPT registrou 33 assassinatos (compilados até 05/10/2022) por conflitos no campo, sendo que 25 deles ocorreram ainda no primeiro semestre [confira tabela em anexo]. Em relação ao primeiro semestre de 2021, o aumento para o ano atual é de 150% no número de assassinatos, com o índice de 30,30% dos assassinatos registrados neste ano relacionados à pistolagem, a maior porcentagem desde 2018. Após o pico de 2020, quando 60% dos assassinatos estiveram relacionados à invasão dos territórios, em 2022 esse percentual chega a 16%, a segunda maior proporção deste recorte temporal. Dos 158 territórios em que houve assassinatos entre 2016 e 2022, em pelo menos em 46% dos casos houve alguma ocorrência de pistolagem no mesmo período. Além disso, quase um quarto dos assassinatos registrados ocorreram em territórios que sofreram ameaça de despejo judicial.

Um dado em específico chama a atenção quando analisamos os assassinatos nos conflitos no campo. Crianças e adolescentes passaram a estar na mira deste tipo de violência durante o governo Bolsonaro. De 2019 a 2022, 7 crianças e adolescentes foram mortos no campo. Destes, 4 eram indígenas. Para além da gravidade do assassinato de crianças e jovens, precisamos refletir, com foco nesses casos, sobre a tentativa de assassinar o futuro do país. O futuro, inclusive, da permanência dos povos originários e camponeses em seus territórios. 

Violência contra as mulheres

No primeiro semestre de 2022, a CPT registrou 74 mulheres vítimas de violências em conflitos no campo. Os principais tipos de violência contra as mulheres nesse período foram a ameaça de morte, com 21,62% do total, seguido de intimidação, com 18,92%, e tentativa de assassinato com 10,81%.

No primeiro semestre de 2022, cinco mulheres foram assassinadas, o maior número  registrado desde 2016.

Na Amazônia Legal foram registrados mais da metade dos Conflitos no Campo nos primeiros seis meses de 2022

Ao analisar os dados referentes à Amazônia Legal, percebe-se que no primeiro semestre de 2022 houve um aumento de 33% no registro de conflitos no campo em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 425 ocorrências desses conflitos, envolvendo 65.974 famílias, o que representa, também, 55,85% de todos os conflitos no campo registrados no país. Destes, foram 345 ocorrências de conflitos por terra, 63 ocorrências de conflitos pela água, 16 ocorrências de conflitos trabalhistas (15 casos de trabalho escravo e 1 caso de superexploração) e 1 ocorrência de conflitos em área de garimpo. No mesmo período de 2021, foram registrados 320 conflitos no campo na região, envolvendo 67.668 famílias, dos quais 251 foram ocorrências de conflito por terra; 52 conflitos pela água; e 17 conflitos trabalhistas.

Do total de Conflitos por Terra registrados na Amazônia Legal, 339 foram ocorrências de violências contra a ocupação e a posse e/ou contra as pessoas, além de 6 ocupações, representando, assim, 57,40% do total de conflitos por terra registrados no país no primeiro semestre de 2022. As maiores vítimas dos conflitos por terra registrados na Amazônia Legal foram os indígenas (36%), seguidos pelos quilombolas (25%), e pelos posseiros (13%).

Conflitos Trabalhista/Trabalho Escravo Rural

Os dados parciais do primeiro semestre de 2022 apontam uma tendência de crescimento de pessoas libertadas da condição de trabalho análogo à escravidão, tendo sido catalogado, nesse período, o maior número de libertados dos últimos 10 anos (743). Esse número é 4,5% maior do que o registrado no mesmo período de 2021, que teve o segundo maior número de libertados dos últimos dez anos. Em relação ao número de casos de trabalho escravo, durante o primeiro semestre de 2022 (41) foi registrado um número 32,78% menor em relação ao mesmo período de 2021 (61).

As principais atividades econômicas em que foram flagrados esse tipo de conflito nos primeiros seis meses de 2022, foram: eucalipto, carvão vegetal, cana de açúcar e soja. Ao comparar os trabalhadores na denúncia do trabalho escravo rural, encontramos um aumento de 5,35% comparando o primeiro semestre de 2022 (850) com 2021 (807).

Mais informações: 

Cristiane Passos (Assessoria de Comunicação CPT Nacional) - (62) 99307-4305 

Mário Manzi (Assessoria de Comunicação CPT Nacional) - (62) 99252-7437 

Amanda Costa (Assessoria de Comunicação CPT Nacional) - (62) 99309-6781

 

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