Na ocasião, a Teia Indígena do Maranhão reuniu os povos Ka’apor, Akroá Gamella, Awa Guajá, Krenyê, Apanjekrá/Canela, Tremembé da Raposa e do Engenho, Anapuru Muypurá, Kari’u Kariri, Tupinambá, Krepym Katejê, Krikati e Gavião. Além de lideranças dos povos Kariri (CE), Puri (MG), Kaxinawá e Puruborá (RO), Payayá e Pataxó (BA).
Com o tema “Na força das retomadas, tecemos nossa união”, os povos indígenas junto com quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, pescadores artesanais, agricultores e agricultoras, entidades, pastorais, coletivos e grupos de estudos discutiram as suas retomadas, tanto do território quanto da sua cultura. Partilharam suas lutas e resistências, denunciaram os impactos do capitalismo, do agronegócio e dos grandes empreendimentos que destroem a natureza, expulsam os povos e comunidades de suas terras originárias. Além, das demais violências físicas e simbólicas as quais são submetidos cotidianamente.
O 13º Encontrão da Teia foi realizado após, mais de dois anos de isolamento, devido a pandemia de Covid-19. Nesta edição do encontro, estiveram presentes mais de 1500 pessoas, com caravanas vindas, também, de outros estados, como o Ceará, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia, Amapá, Pará, Tocantins e Minas Gerais.
De acordo com Marli Krikati, a Teia Indígena é uma articulação que propicia o conhecimento sobre a cultura dos povos e busca fortalecer essa diversidade. “Vemos a luta dos outros povos, que são iguais em nossos territórios e também as consequências que viemos sofrendo”.
Para Raimundo Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “a Teia é um espaço onde partilhamos nossas lutas e nossas alegrias”. Moreira evidenciou, ainda, a perda de muitos tecedores e tecedoras da Teia devido ao coronavírus, mas destacou que eles estavam presentes espiritualmente no momento.
As atividades do Encontrão foram marcadas pelo toque dos maracás, as batidas de pé no chão e chamado dos encantados, os presentes traziam para a roda a sua identificação e as suas expectativas para o encontro. Na oportunidade Tünycwyj Tremembé, ressaltou que o território em que estavam pisando era um território de luta. “Aqui tem gente que luta desde que chegou nessa terra de Pindorama”, destacou.
O solo sagrado de Benfica/Janaubeira é marcado pela resistência do povo que ali reside. Durante as atividades do evento, os moradores da região contaram a história do território. “Aqui são 90 famílias e mais de 500 anos de luta”, conta Concinha Silva. Que ainda completa, “dos anos 70 para cá, muita coisa foi destruída aqui com a chegada de duas pessoas que se diziam donas e muitas famílias tiveram que se mudar daqui”.
Outro destaque dos moradores, foi a greve de fome realizada em 2015, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para garantir a construção do relatório antropológico do Território Benfica/Janaubeira e pelas retomadas realizadas por eles neste território. Ao final do relato, foi declamada algumas estrofes do cordel que conta a trajetória de negro Bernardo, primeiro morador da região, além do processo de êxodo rural desta população.
O Encontrão foi realizado de forma coletiva, com toda a alimentação orgânica produzida, doada e cozinhada pelos tecedores e tecedoras, conduzido, registrado e ornamentado pelos povos, comunidades e entidades que se articulam juntos nessa organização.
Jesus de Nazaré, quilombola da caravana Pará/Amapá, ressaltou que se engajou aos afazeres da cozinha, ao chegar no encontro. “A cozinha é o melhor lugar para demonstrar amor pelas pessoas”, apontou.
A professora Roberta Figueiredo, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias (NERA), da Universidade Federal Maranhão (UFMA), ressaltou a importância da articulação da Academia com a comunidade. “É preciso que a Universidade seja um espaço para levantar as bandeiras de luta dos povos”.
Por sua vez, Joice Gabrielle, aluna do Colégio Universitário da UFMA, definiu que “é diferente a pesquisa quando vivenciamos, pois, é mais complexo e profundo”.
A programação contou ainda, com a discussão sobre o tema da Economia Verde: projetos como o Maranhão Verde, o Zoneamento Costeiro e a Redução das Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal (REDD+), a exploração de gás natural – francking. Reflexões trazidas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, CPT e 350.org.
O Coletivo Reocupa trouxe também para o Encontro a discussão sobre a participação política da comunidade e informações de checagem dos candidatos, do projeto Rumbora Marocar, busca contribuir para ampliação de conhecimento sobre o processo eleitoral.
O último dia foi realizado uma homenagem ao Dia Estadual das Quebradeiras de Coco, com relatos das situações vividas nos territórios e a ação do capitalismo que atrapalha a prática ancestral. “Não existe corpo livre em território preso”, evidenciou Rosalva Silva Gomes, quebradeira de coco e artesã do Babaçu.
Para finalizar o evento, foram feitas as apresentações dos Grupos de Trabalho sobre os esteios da Teia e a troca de sementes entre os povos e comunidades tradicionais. “Esse foi um dos Encontros mais bonitos e potentes da Teia do Maranhão. Senti que a nossa Teia se fortaleceu muito enquanto equipe de trabalho, foi um grande mutirão pela construção do Bem Viver”, define Meire Diniz, missionária do Cimi Regional Maranhão.
A Teia no Maranhão
A Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão nasceu em 2011, durante a ocupação do Incra, em São Luís, quando indígenas, quilombolas e outros aliados e aliadas reivindicaram os seus direitos e viram que articulados são mais fortes. Assim como os tambores meiador e crivador, que são indispensáveis para o toque do Tambor de Crioula, os esteios da Teia são as bases que sustentam a sua organização, entre eles a soberania alimentar, a defesa e proteção dos territórios, a educação, as relações de gênero, a saúde, a produção, a economia, o bom governo e a comunicação.
Baseado nesses esteios é que foi realizado o evento, que entre suas atividades, também, foi realizado a apresentação do livro “Nas águas da resistência, recontamos nossas histórias”, lançado em julho deste ano. O livro conta os 10 anos da Teia do Maranhão, onde todos os tecedores receberam um exemplar.
Leia abaixo a carta redigida durante o Encontro:
CARTA DA TEIA DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MA
NA FORÇA DAS RETOMADAS TECEMOS NOSSA UNIÃO
Os povos indígenas Ka’apor, Akroá Gamella, Awá, Apanjekrá/Canela, Tremembé, Anapuru Muypurá, Kariu Kariri, Tupinambá, Krepym Katejê, Krenyê, Krikati, Gavião, Puri, Kaxinawá, Payayá, Pataxó, Puruborá, Comunidades Quilombolas, Quebradeiras de coco babaçu, Sertanejos, Camponeses, Pescadores, entidades, pastorais, coletivos, grupos de estudos que se encontram e tecem juntos a Teia dos Povos e Comunidades nos estados do Maranhão, Bahia, Pará, Tocantins, Rondônia, Sergipe, Pernambuco, Amapá, Ceará, Rio de Janeiro nos reencontramos no Território Quilombola Janaubeira-Benfica, município de Santa Helena, estado do Maranhão, nos dias 21 a 25 de setembro de 2022, para celebrar a união que brota das Retomadas que fazemos.
Somos guardiãs e guardiões de sementes que carregam nossas ancestralidades, sementes que, germinadas e crescidas, tornam nossos territórios lugares de acolhimento e vivências afetivas. Entretanto, lâminas de tratores continuam rasgando violentamente nossas florestas, nossos rios, nossos corpos espalhando terror e morte; máquinas voadoras seguem lançando venenos sobre os corpos humanos, dos animais e das plantas. No Congresso Nacional as bancadas do boi, da bíblia e da bala, tentam aprovar Projetos de Lei que, se aprovados, serão um grave atentado a vida na terra e aumentará drasticamente o número de camponeses e indígenas escravizados, de ameaçados de morte, de assassinato dos nossos e das nossas.
Neste tempo de reencontro reafirmamos nossa decisão, sob a guia de nossos Orixás, dos Encantados, de Jesus Nazaré, dos Mártires da Caminhada de seguir lutando em defesa dos nossos territórios. Seguiremos no Caminho dos nossos Ancestrais.
Lutaremos para que o Estado brasileiro respeite nossas Organizações autônomas e respeite o nosso Direito de dizer ‘Não’ a quaisquer ações e empreendimentos, sejam eles estatais ou privados que impactem os nossos territórios. Reafirmamos a nossa disposição para lutar por uma Democracia plurinacional; por essa razão fizemos ecoar o grito dos povos. O próximo governo federal terá que assumir o compromisso com a reestruturação das políticas fundiárias que respeite o nosso direito ancestral e reestruture o INCRA, FUNAI, Fundação Palmares e outros essenciais a execução das políticas públicas.
Nós humanos seguiremos ajudando os morcegos, os catipurus, as raposas, os pássaros na plantação de florestas, faremos rios, montanhas, chapadas, para que a Mãe Terra continue sendo nossa casa comum, lugar de encontro e de bem viver!
Como sementes retornamos aos nossos territórios!
Território Janaubeira - Santa Helena/MA, 24 de setembro de 2022.