Além da visita às áreas, os relatores participaram na terça-feira à noite de uma reunião com o Vice-governador João Lyra Neto e com o Secretário de Articulação Social Waldemar Borges e na manhã da quarta-feira, fizeram uma Audiência no Ministério Público de Pernambuco. Durante a reunião com o Governo do Estado os relatores repassaram as mais problemáticas questões apuradas durante a visita e solicitaram ações urgentes nas áreas em questão, como a intervenção direta do Governo nas negociações de imissão de posse do Engenho São João, onde fica o acampamento Chico Mendes, na criação da reserva extrativista das Ilhas de Sirinhaém e também pediram dedicação na apuração dos casos de tortura que ocorreram na semana passada no Engenho Prado.
Dentre os problemas expostos para os relatores nas três áreas visitadas, a relação de policiais militares com as milícias privadas de usineiros da região se configurou como uma das importantes preocupações dos trabalhadores. A truculência dos policiais durante as ações de despejos, as ameaças e, até mesmo, a denúncia de práticas de tortura de PMs contra trabalhadores rurais coloca, inusitadamente, a instância do poder público responsável pela defesa e proteção dos/as cidadãos/as como um dos principais violadores de direitos humanos.
Problema das áreas
A falta de estrutura nos acampamentos e até mesmo nos assentamento, como é o caso do Engenho Prado, despertou a preocupação dos relatores com as garantias de direitos humanos fundamentais. No Engenho Prado, por exemplo, área que recebeu a imissão de posse há quase dois anos, ainda não houve o parcelamento das terras, não chegaram todos os créditos destinados aos assentamentos, tampouco iluminação elétrica nas casas e atendimento médico dos programas de saúde da família. Para chegar à escola mais próxima, as crianças de alguns assentamentos têm que fazer uma caminhada de aproximadamente uma hora.
Atrelada a estas dificuldades, os assentamentos do Engenho Prado vêm sofrendo com a intimidação e, muitas vezes, ação violenta de policiais militares e milícias particulares. Só este ano, no período de menos de um mês, dois trabalhadores rurais foram assassinados no caminho da feira de Araçoiaba, quando iam trabalhar. Os moradores dos assentamentos acreditam na possibilidade de os crimes estarem ligados à disputa pela terra, pois, segundo eles, estas não são as primeiras mortes na região que acontecem depois da conquista da terra pelos trabalhadores.
Na semana passada, doze policiais, sem mandados de prisão, prenderam arbitrariamente seis trabalhadores rurais, todos sem antecedentes criminais, e torturaram três deles. As casas dos trabalhadores foram revistadas, sem nenhum acompanhamento, enquanto os mesmos se encontravam algemados do lado de fora. Segundo o inquérito policial, uma arma foi encontrada na casa de um trabalhador, que afirma não ser proprietário de nenhuma arma de fogo.
De acordo com as testemunhas, que por medo da polícia não dão depoimento e não querem se identificar, não há o mínimo de confiança dos trabalhadores do assentamento em relação aos policiais da região, tampouco em relação ao delegado especial enviado para apurar o caso dos dois assassinatos. De acordo com os advogados que acompanham o caso, Fernando Prioste e Daniel Viegas, que foram expulsos junto com mais outros dois advogados da delegacia para onde foram levados os trabalhadores, há indícios de que os trabalhadores presos sofrem torturas. Segundo relato dos próprios trabalhadores, eles foram deixados durante um dia e meio se comida, em pé e algemados. Um deles foi sufocado com um saco plástico e outro levou choques elétricos e pancadas de cacetete na sola dos pés. Ainda segundo os advogados que relataram o caso durante a reunião com o Governo do Estado, o delegado será representado na Ordem dos Advogados do Brasil por crime, pois impediu os advogados de realizarem adequadamente seu trabalho.
Esta relação com a policia militar não é diferente nas outras duas áreas visitadas. O acampamento Chico Mendes, em São Lourenço da Mata, na Zona da Mata Norte do estado, sofreu um violento despejo em 2005 no qual diversos trabalhadores foram torturados e tiveram suas casas e plantações destruídas. A ação dos policiais contou com o auxilio de tratores e trabalhadores das Usinas do Grupo Votorantim.
Há quatro anos os trabalhadores aguardam a imissão de posse das terras que já estão improdutivas há mais de vinte anos. Além da improdutividade da terra, que por si só já garante a desapropriação, o antigo Engenho São João, onde hoje está o acampamento Chico Mendes, pertencia ao grupo Votorantim, e tem uma enorme dívida com a previdência social por não ter repassado os impostos dos trabalhadores enquanto funcionava. A maioria dos agricultores que hoje reivindicam a área do Engenho São João para reforma agrária são antigos trabalhadores e filhos de trabalhadores do engenho que com a falência não tiveram direito a nenhuma indenização.
Nas ilhas de Sirinhaém, duas famílias resistem bravamente às ameaças de trabalhadores da Usina Trapiche. Nos últimos cinco anos, 55 das 57 famílias que residiam nas 17 ilhas que formavam o estuário do Rio Sirinhaém foram expulsas da área. Algumas, sob pressão, fizeram acordos altamente desvantajosos para deixarem suas casas e hoje sobrevivem precariamente na periferia da cidade de Sirinhaém. Dona Maria de Marta chegou ainda pequena à ilha onde morou quarenta anos e criou todos os seus filhos. Assim como a maioria dos moradores, Dona Maria de Marta foi pressionada a fazer um acordo com os donos da Usina para deixar sua casa na ilha e ir morar na Vila Casado, perto da Barra de Sirinhaém. Para ela a situação na Vila Casado, mesmo tendo construído uma casa de alvenaria, não se compara com a vida que tinha na ilha. “Aqui não tem onde plantar, tem que comprar comida e nem sempre tem dinheiro. O rio está sujo por conta da vinhaça que a Usina despeja, é difícil encontrar peixe e marisco. Meus netos aqui passam necessidade, lá meus filhos nunca passaram”.
Já Dona Maria da Silva, antiga moradora da ilha, tentou resistir a pressão da Usina e teve a sua casa queimada, assim como a dela foram queimadas também as casas de Josefa Maria da Silva, Maria das Dores e Maria de Nazareth dos Santos, as duas últimas são as únicas que resistem nas suas casas. Maria das Dores e Maria de Nazareth dos Santos relatam que já tiveram suas casas destruídas por mais de dez vezes, mas dizem que não vão sair da ilhas, pois lá elas conseguem trabalhar no mangue e dar de comer para seus filhos.
Todas as pessoas que participaram da reunião com os relatores da Plataforma Dhesca foram contundentes em afirmar que viviam muito melhor nas ilhas principalmente pelo fato de poderem lá mesmo ter pequenas plantações e criações de galinhas e cabras para a subsistência das famílias. Segundo Josefa Maria da Silva, o único problema que existia de fato na ilha era a falta de escola para as crianças, que tinham que atravessar o mangue para assistir aula na cidade.
Os trabalhadores das três áreas visitadas reafirmam a necessidade de garantia do direito à terra para que não lhes faltam condições de produzir seus sustentos. Os trabalhadores de Chico Mendes, que já chegaram a distribuir, quando completaram um ano de ocupação, uma tonelada de alimentos, dizem poder produzir muito mais do que hoje produzem, mas precisam se livrar da insegurança de um despejo que pode vir a qualquer momento. “A gente queria planta mais, mas temos medo de perder a produção a qualquer momento com um despejo”. Se a terra fosse nossa, não teria um pé de mato nesse chão, afirma emocionada Dona Alice Severina, que há quatro anos está acampada em Chico Mendes.