Mineração em terras indígenas, regulamentação da grilagem de terras e flexibilização de licenciamentos ambientais estão entre as pautas prioritárias do Governo Federal para 2022.
Andressa Zumpano*
No dia 9 de fevereiro, o governo federal emitiu uma lista das propostas prioritárias para votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal em 2022, trazendo ações em diversas áreas, como saúde, educação, infraestrutura, meio ambiente, segurança pública e social. A Portaria nº 667/2022, assinada pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, expôs a agenda legislativa prioritária do governo de Jair Bolsonaro para este ano, que é o último de seu atual mandato, composta pela indicação de 45 projetos de lei (PLs).
O documento funciona como uma sugestão do Executivo para o Legislativo, sendo dividido em grupos, onde algumas pautas assumem efeito de urgência pois já estão em trâmite de votação e só dependem da aprovação das casas legislativas para serem sancionadas.
A lista dá seguimento aos consecutivos desmontes das instituições públicas e ataque direto aos direitos dos povos e comunidades tradicionais e do campo, vez que coloca em evidência pautas como o avanço e a regulamentação da mineração em terras indígenas, ampliação no uso de agrotóxicos, entre outros.
Veja abaixo os principais destaques e projetos de lei na lista prioritária do governo federal, que impactarão o meio ambiente, territórios tradicionais e do campo:
Mineração em terras indígenas
O PL 191/2020 traz em seu texto um dos temas com maior evidência na agenda ambiental do governo, a proposta da regulamentação da atividade mineradora em terras indígenas, sobretudo o garimpo.
O texto "regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas", como informa o Portal da Câmara dos Deputados.
O PL pretende aplicar uma autorização provisória para mineração e garimpo em terras não homologadas, sem votação no Congresso Nacional, a despeito do que propõe a Constituição Federal. Essa medida também prevê exploração em territórios com a presença de indígenas isolados, já que muitos deles não possuem processo de demarcação conclusos, tendo apenas uma portaria de interdição de área.
Foto: Christian Braga | Greenpeace
O Governo Federal tem apressado a votação do PL, utilizando a atual Guerra da Ucrânia como justificativa. A urgência na votação foi expressa em entrevista de Jair Bolsonaro à Rádio Folha de Roraima, essa “questão da crise entre Ucrânia e Rússia da crise apareceu boa oportunidade para a gente. Temos um projeto que permite explorarmos terras indígenas de acordo com interesse dos índios. Por essa crise internacional, da guerra, o Congresso sinalizou em votar esse projeto em regime de urgência. Espero que seja aprovado na Câmara já agora em março".
Em Nota divulgada no dia 7 de março, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e organismos da Igreja do Brasil denunciaram a manobra do governo para aprovação do Projeto de Lei, “ministros e lideranças do governo falam há dois anos em ‘passar a boiada’ enquanto o povo está ‘distraído’ e que agora, com o planeta olhando com atenção à guerra que acontece na Europa, parlamentares governistas querem apreciar em regime de urgência essas proposições, a começar pelo PL 191/20”.
Diversos artistas, organizações e movimentos sociais, a partir do chamado do cantor Caetano Veloso, realizaram no dia 9 de março o “Ato pela Terra”, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com o intuito de barrar esse projeto que seria desastroso para o Brasil. À revelia das milhares de pessoas que se encontravam no local, ao mesmo tempo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, votou a toque de caixa a urgência na votação do PL, que acabou aprovada.
Com a aprovação do requerimento de urgência, o tensionamento em torno da aprovação do projeto foi denunciado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que alerta ao "alto risco de conflitos de terra envolvendo territórios indígenas, expondo ainda mais os povos indígenas à violência rural, contaminação por poluentes tóxicos e doenças contagiosas". O documento é um parecer enviado à Câmara dos Deputados pelo representante regional para América do Sul do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e obtido com exclusividade pelo site UOL.
Fim do licenciamento ambiental?
Mais um projeto subsidiado pela bancada ruralista foi aprovado na íntegra na Câmara dos Deputados e agora irá para análise no Senado Federal. O texto base do PL 3729/2004 foi aprovado e impôs uma série de mudanças nas regras de licenciamento ambiental no Brasil.
O substitutivo aprovado, que tem como relator o deputado Neri Geller (PP-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), gerou intensas críticas por parte de setores ligados à pauta ambiental, por beneficiar atividades agropecuárias, mineradoras e empreendimentos denominados "de utilidade pública".
Duplicação da estrada de ferro Carajás, Maranhão. Foto: Andressa Zumpano/CPT Nacional
Entre os destaques do texto, alguns empreendimentos poderão emitir a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que funciona como um auto-licenciamento, são estes: obras de duplicação, ampliação e pavimentação de rodovias, construção de linhas de transmissão de energia, entre outros. Também cria a chamada Licença Ambiental Única, que analisará em uma única etapa, instalação, ampliação e operação de empreendimentos, com validade mínima de 5 anos e máxima de 10 anos.
No que se refere a atividades agropecuárias, o substitutivo isenta de licenciamento ambiental algumas atividades agropecuárias caso a propriedade esteja registrada no Cadastro Ambiental Rural (CAR), tais como: cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; pecuária extensiva e semi-intensiva; pecuária intensiva de pequeno porte; e pesquisa de natureza agropecuária que não implique risco biológico.
O projeto também retira do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e órgãos de fiscalização estaduais e municipais, a condição de autorizar ou não a construção de empreendimentos em zonas de conservação ou amortecimento, outro grande impacto à sociobiodiversidade e aos territórios tradicionais e indígenas.
Regularização Fundiária
Aprovado em agosto de 2021 no plenário da Câmara dos Deputados e atualmente em trâmite no Senado, o PL 2633/20, conhecido como PL da Grilagem, flexibiliza as regras de regularização fundiária de terras públicas federais, permitindo que áreas invadidas ou ocupadas irregularmente podendo medir de 5 a 660 hectares sejam regulamentadas.
Fazenda de milho no município de Santa Helena,Goiás. Foto: Andressa Zumpano
A medida também altera de 4 para 6 módulos fiscais o tamanho da propriedade ocupada, que poderá ser regularizada sem realização de vistoria obrigatória pelo INCRA. Segundo a Agência de Notícias da Câmara dos Deputados, o projeto também prevê benefícios a "ocupantes multados por infração ao meio ambiente, se for atendida qualquer uma destas condições: imóvel registrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR); adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA); ou o interessado assinar termo de compromisso ou de ajustamento de conduta para recuperar vegetação extraída de reserva legal ou de Área de Preservação Permanente (APP)".
Já o PLS 510/2021, que tramita no Senado, traz como proposta estabelecer um novo "marco temporal" para a titulação de terras, que passa de 2008 para 2012, regularizando propriedades com desconto, com prazo podendo ser estendido até dezembro de 2014, por intermédio de pagamento do valor total estabelecido pelo Incra. Outro ponto controverso é a alteração do tamanho das terras que isentam processos de vistoria, passando do tamanho máximo de 110 hectares para até 2500 hectares.
Agenda de destruição
Além dos projetos acima citados, também estão em curso: o PL 5518/20 – Concessões florestais, que flexibiliza o modelo de licitação e contratos para concessões florestais; o PL 6299/2002, que facilita a liberação de agrotóxicos no país e permite o registro de produtos cancerígenos; o PL 528/2021, que determina regras para a compra e venda de créditos de carbono no Brasil e o PL 490/2007, que estabelece um "marco temporal" para territórios indígenas.
*Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.