Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Nos dias 14 a 17 de setembro de 2021, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental e entidades parceiras promoveram o Encontro Nacional “Mudanças Climáticas e Processos de Desertificação nos Biomas do Brasil”. Confira a Carta Pública elaborada pelos participantes do evento e publicada em 11 de outubro:

“Reflorestar mentes e corações para a Cura da Terra”

Nós, participantes do Encontro Nacional “Mudanças Climáticas e Processos de Desertificação nos Biomas do Brasil”, promovido pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental e entidades parceiras, reunidos virtualmente de 14 a 17 de setembro de 2021 e representando os sete biomas brasileiros – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Zona Costeira, Pampas - queremos romper o silêncio que encobre a gravidade dos processos de degradação e desertificação que estão aumentando de forma acentuada e intensa em todos os biomas brasileiros, jogando luz sobre as diversas informações pouco conhecidas pela sociedade em geral.

Historicamente, a degradação e a desertificação da terra sempre foi considerada tecnicamente efetiva apenas nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas, segundo a conceituação definida pela ONU na Conferência de Combate à Desertificação.

Este conceito da ONU não dá mais conta da complexidade da realidade da degradação provocada principalmente pelo desmatamento para a implantação de grandes empreendimentos como o agronegócio, o hidronegócio, a mineração, entre outros, que tem resultado na perda da fertilidade e morte dos solos, juntamente à erosão genética da biodiversidade nos diversos biomas brasileiros. Faz-se necessário e urgente atualizar e repactuar o conceito da ONU sobre desertificação, formulado na década de 70.

O 6° IPCC (Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) comprova que a desertificação e as mudanças climáticas estão profundamente interligadas, de forma que o desmatamento descontrolado que está ocorrendo em todos os biomas, está provocando a desertificação e esta, por sua vez, agravando as mudanças climáticas.

Todos os biomas estão mergulhados nestes processos. O bioma Amazônia é o mais ameaçado pelo desmatamento. Estima-se que na Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, cerca de 230 mil km2 já estejam em níveis graves ou muito graves de desertificação (LAPIS/UFAL, 2013). O Cerrado perdeu, nos últimos trinta anos, 60% da área original. No Pantanal e nos Pampas a degradação está cada vez mais acentuada pelo avanço da agropecuária extensiva e pelo sobrepastoreio. Os Pampas já perderam quase 54% da vegetação original, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Na Mata Atlântica, onde vive 62% da população brasileira e que abrange sete das nove principais bacias hidrográficas do país, 93% da mata original não existe mais. A Zona Costeira está ameaçada pela superpopulação e por atividades agrícolas, aquícolas, minerárias, industriais e imobiliárias. As comunidades tradicionais pesqueiras litorâneas apontam como indicadores do processo de degradação e desertificação: assoreamento, destruição do habitat, erosão, escassez ou falta de água, desmatamento dos manguezais, poluição e contaminação da água e do solo, secagem de rios, lagos, lagoas, riachos e nascentes.

Os resultados do levantamento de base social apresentados durante o Encontro Nacional se, de um lado, nos indicam que a extensão territorial em processo de desertificação está em franca expansão, ultrapassando um milhão de hectares e abrangendo todos os biomas, de outro lado, nos revelam uma variedade riquíssima de experiências exitosas ou boas práticas vivenciadas em todas as regiões do Brasil.

Entre as boas práticas que têm ainda um caráter de intervenção mais voltado para a recuperação (74%) que para a prevenção (26%), queremos destacar, entre outras, as seguintes: captação e armazenamento de água de chuva (1ª e 2ª água, cisternas escolares), cisternas de enxurrada, barreiros trincheira, barragens subterrâneas; cobertura florestal e vegetal, recaatingamento, manejo e conservação do solo, recuperação e proteção de nascentes, quintais produtivos, reuso das águas cinzas, recomposição florestal para controlar a erosão, agricultura agroflorestal e agroecológica, práticas de regeneração das plantas, viveiros de mudas, reflorestamento.

Tudo isso, porém, é insuficiente. É preciso avançar mais na construção de políticas públicas, na incidência política, na articulação nacional e internacional para que o tema da desertificação, pela sua extrema gravidade, saia da invisibilidade e entre na Agenda Nacional.

Por isso, como prioridades de enfrentamento dos processos de degradação e desertificação, propomos:

• Expandir a articulação em rede para superar a fragmentação de nossas ações e promover a formação de mais núcleos do FMCJS sobre Desertificação;
• Disputar narrativas, meios de comunicação e alavancar a comunicação popular sobre desertificação e crise climática, dialogando com a sociedade;
• Aprimorar a articulação com as comunidades, envolvendo-as cada vez mais, provendo-as de informações corretas e apoiando suas iniciativas e práticas nos territórios;
• Multiplicar, potencializar e visibilizar as boas práticas em termos de prevenção e combate à desertificação, investindo em tecnologias sociais;
• Promover a educação ambiental de caráter popular e viés transformador nas escolas, nas comunidades e nos assentamentos;
• Investir na agroecologia como base produtiva e horizonte ético para uma produção de alimentos de modo sustentável;
• Promover ações/canais de incidência política, incentivando a participação das comunidades nos conselhos de Meio Ambiente e incidindo nos órgãos de controle e poder judiciário para exigir reparações e indenizações sobre danos ambientais;
• Implementar as Convenções Internacionais sobre Mudanças Climáticas, Desertificação e Biodiversidade;
• Pressionar para o estabelecimento de uma moratória contra o desmatamento;
• Colocar em prática o PAN Brasil (Programa de Ação Nacional de combate à desertificação).

Como Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental e entidades parceiras, reafirmamos o nosso compromisso de luta, articulação, informação e formação, denunciando qualquer prática de agressão aos Direitos da Mãe Terra.

Brasília, 28 de setembro de 2021

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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