O Juiz de primeiro grau Thiago Felipe Sampaio proferiu novo despacho determinando o imediato cumprimento da ordem de reintegração de posse contra o agricultor posseiro Severino Amaro, morador do Sítio Riachão, na comunidade de Batateiras, município de Maraial (PE). A ordem é para que o despejo seja cumprido a qualquer momento, mesmo diante do estado de calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19. A família do agricultor não tem para onde ir.
A decisão segue a ordem do desembargador Stênio José de Sousa Neiva Coêlho, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), proferida em maio deste ano. De lá pra cá, as tentativas de despejo não se concretizaram em razão dos esforços da família de Severino, da comunidade a qual pertence o agricultor, da CPT, da FETAPE, da Arquidiocese de Olinda e Recife e da Diocese de Palmares, que estiveram mobilizadas para denunciar a arbitrariedade da decisão e cobrar das autoridades a suspensão do mandado de reintegração de posse.
Entenda o caso: O agricultor posseiro Severino Amaro herdou do seu pai o sítio Riachão, local em que vive desde que nasceu. Em 2020, decidiu entrar na justiça para solicitar o reconhecimento de sua propriedade, por meio da usucapião. A motivação para buscar a justiça veio após a instauração de um conflito fundiário promovido pela então empresa IC Consultoria em Empreendimentos Imobiliários Ltda., que passou a turbar as posses de famílias do local e ameaçá-las de expulsão alegando ser a nova compradora do imóvel. A juíza titular da Comarca de Maraial (PE) concedeu ao agricultor liminar de manutenção de posse, para proibir que a empresa continuasse causando turbações no sítio do posseiro enquanto não fosse julgado o pedido principal de usucapião. Contudo, em maio deste ano, em resposta ao recurso interposto pela empresa, o TJPE reformulou a decisão e determinou a reintegração de posse contra o camponês.
Mariana Vidal, assessora jurídica da CPT, alerta que a medida representa grave contrassenso jurídico. “Neste recurso, o Tribunal deveria se restringir a manter ou não a tutela cautelar de manutenção de posse concedida ao agricultor pela juíza de primeiro grau. Revogar tal decisão significaria tão somente retirar a proteção anteriormente concedida a ele, mas não significaria determinar a retirada forçada do agricultor do local. Tal determinação extrapola os limites aos quais a decisão deveria se ater”, explica. Um eventual despejo nestas circunstâncias violaria direitos constitucionais e legais garantidos àqueles/as que possuem posse de mais de um ano e um dia.
Além de atingir o camponês Severino Amaro, o teor da decisão pode vir a ser replicado para as demais famílias da comunidade de Batateiras que também aguardam na justiça o reconhecimento do direito de propriedade sobre seus sítios. Desde junho de 2020, Severino e outros agricultores e agricultoras da localidade relatam viver em constante tensão, com ameaças de expulsão, de morte, intimidações, agressões físicas e destruições de pertences atribuídas a empresas da família do empresário Walmer Almeida da Silva: IC - Consultoria em empreendimentos imobiliários Ltda e IR Agropecuária Fazenda 2 Irmãos Ltda.
Determinação do desembargador contraria iniciativa de mediação do TJPE - Em meio à pandemia, a batalha judicial e as violências contra as famílias posseiras foram amplamente discutidas com secretarias e órgãos do Governo de Pernambuco. Em fevereiro de 2021, o encaminhamento dado pelo Governo do estado e pelo Poder Judiciário foi deslocar os processos judiciais para o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec - TPJE) a fim de encontrar soluções pacíficas para a disputa pela terra. Assim como os demais agricultores e agricultores envolvidos, Severino Amaro se dispôs a participar do processo de negociação, mas e reintegração de posse determinada pelo desembargador Stênio Neiva contraria as mediações em curso, as quais foram de iniciativa do próprio Poder Judiciário.
Sanção da Lei Despejo Zero pode impedir a remoção do agricultor – A reintegração de posse de Severino Amaro pode ser impedida caso o Governador Paulo Câmara ou o Presidente da Assembleia Legislativa sancionem o Projeto de Lei 1010/20, que suspende o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou mesmo extrajudiciais em Pernambuco enquanto durar a pandemia. O PL foi aprovado na Assembleia Legislativa de Pernambuco no último dia 19 de agosto.