Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Uma postagem publicada nas redes sociais pelo governo Bolsonaro nesta quarta-feira (28) em referência ao Dia do Agricultor gerou uma série de protestos entre associações do campo, membros de entidades da luta agrária e internautas nas redes sociais. A mensagem escolhida pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da gestão traz a foto da silhueta de um suposto agricultor com uma espingarda no ombro em meio a uma plantação.

 
Imagem utilizada pelo governo federal em publicação mostra silhueta de caçador em meio à mata e com rifle no ombro - Reprodução/Secom

Uma postagem publicada nas redes sociais pelo governo Bolsonaro nesta quarta-feira (28) em referência ao Dia do Agricultor gerou uma série de protestos entre associações do campo, membros de entidades da luta agrária e internautas nas redes sociais. A mensagem escolhida pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da gestão traz a foto da silhueta de um suposto agricultor com uma espingarda no ombro em meio a uma plantação.

Organizações como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) reagiram à iniciativa. A secretária de Política Agrícola da entidade, Vânia Marques Pinto, classifica a mensagem como “absurda” e observa que a peça publicitária dialoga diretamente com os conflitos no meio rural, tema em que o Brasil tem destaque negativo histórico.

“Nós não esperávamos, mas não é algo que surpreende, pelo tipo de governo que temos. Mas não deixa de ser algo absurdo associar um agricultor à imagem de um jagunço, de uma pessoa armada, incitando a violência no campo”.

Em nota publicada logo após a postagem da gestão, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) repudiou a iniciativa e chamou-a de “belicista e desrespeitosa”.

“Ao utilizar a imagem de um caçador portando uma espingarda em savana africana, adquirida em um banco de imagens pagas, o governo demonstra, mais uma vez, seu desconhecimento da realidade da agricultura familiar no Brasil, marcada pela solidariedade, generosidade e dedicação para prover alimentos de verdade para as famílias brasileiras”, diz o texto, ao rechaçar o símbolo.

A foto escolhida pela Secom para ilustrar o post foi batida na África do Sul e retirada de um banco internacional de imagens.  A professora e pesquisadora Helena Martins, do curso de publicidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que a confecção de um material de comunicação dessa natureza passa, em geral, por um amplo processo de análise, por se tratar de um conteúdo de comunicação institucional.

“Uma peça como essa é pensada, é pautada, é avaliada, discutida e finalmente é aprovada, passando, portanto, por uma complexa cadeia hierárquica de definições que acabam levando à sua publicação”, explica a professora, que analisou o material a pedido do Brasil de Fato.   

“É preciso se ter em vista que, em comunicação, tudo significa. As cores, os textos, as imagens são escolhidos para gerar um determinado significado que o produtor da mensagem busca atingir”, explana Helena.  

“A meu ver, o sentido que o governo quis produzir com essa peça está muito claro: é a ideia de, de fato, armar as pessoas, algo que ele está fazendo, inclusive, por meio de uma série de políticas. Além disso, reforça a ideia de que [o campo] é um espaço de conflito, e ele sustenta, naturaliza e legitima esse conflito”.

Violência

O Brasil vive, durante o governo Bolsonaro, um cenário de escalada da violência na zona rural. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que monitora o problema desde 1985, o número de conflitos no campo registrados no país subiu de 1.547 em 2018 para 1.903 em 2019, primeiro ano da gestão do ex-capitão do Exército.

No intervalo entre 2019 e 2020, a comissão verificou um novo aumento, com 2.054 ocorrências notificadas. Além disso, houve pelo menos 50 assassinatos no meio rural durante o primeiro biênio do governo Bolsonaro, que também ampliou o acesso a armas de fogo no país, com regras que facilitam a aquisição e a posse desse tipo de produto.


Armas apreendidas durante operação policial no Pará, em 2019 / Thiago Gomes/Agência Pará

O tema, inclusive, também foi lembrado na postagem feita pela Secom nesta quarta, que destaca que o presidente da República “estendeu a posse de arma do proprietário rural a toda a sua propriedade”.

Para Alexandre Conceição, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a postagem é um espelho da gestão Bolsonaro, geralmente associada aos discursos de criminalização da luta agrária e das organizações do campo. O presidente da República é um conhecido opositor do MST, por exemplo, já tendo feito diferentes acenos públicos nesse sentido.

“O 28 de julho é Dia do Agricultor, e não do atirador ou do miliciano. Então, é lamentável, mas, ao mesmo tempo, é compreensível, porque o governo que está aí é um governo miliciano, atirador e que investe em armas enquanto o país passa pela fome. Com essa imagem, ele representa o que pensa da agricultura brasileira, que é uma agricultura voltada à grilagem de terras, ao atirador, ao matador, à violência”, critica o líder do MST.   

CNDH

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) também reagiu à postagem da Secom. O órgão oficiou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nesta quarta para manifestar preocupação e solicitar informações a respeito da propaganda. O CNDH pediu explicações sobre o porquê da utilização de uma foto com arma de fogo para representar os agricultores e estipulou cinco dias como prazo de retorno para o governo.

Após a repercussão negativa, a Secom apagou a publicação, que havia sido veiculada pela manhã nos perfis institucionais do governo no Twitter, no Facebook e no Instagram.

Na sequência, o órgão postou outro conteúdo, desta vez uma imagem com estatísticas relacionadas ao setor de agricultura. A postagem destaca concessões de títulos de terra, números do Plano Safra e também o que a gestão chamou de “invasões de terra”, conceito que a ala mais conservadora disputa com o campo progressista, onde tais práticas são tratadas como “ocupações”.

Em geral, movimentos do campo organizam ocupações como ações de cunho político-ideológico que chamam a atenção para propriedades de terra improdutivas e que geralmente estão situadas em áreas originalmente da União.

Esse tipo de prática, historicamente reconhecida como parte da cartilha de entidades populares agrárias, faz frente ao agronegócio e tem o objetivo de exercer pressão para que áreas dominadas por especuladores sejam encaminhadas para a reforma agrária, que beneficia camponeses e pequenos agricultores. A política é administrada pelo Estado por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“É por causa disso que, olhando pra uma postagem como essa que o governo soltou hoje, a gente entende que é preciso manter a nossa orientação política. Ela inclui cuidar da vida, da alimentação, distribuir alimentos saudáveis como forma de solidariedade com aqueles que necessitam e seguir com a nossa luta contra o latifúndio e contra o governo Bolsonaro”, diz Alexandre Conceição.

Brasil de Fato

Cristiane Sampaio

Edição: Vinícius Segalla

 

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