Lideranças e movimentos sociais enfrentam processos de criminalização e perseguição pelo governo de Jair Bolsonaro.
"Nós não nascemos pra morrer, nós nascemos pra viver e lutar", partilhou Geneci diretamente do Quilombo Flores em Porto Alegre-RS, durante o Encontro da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais, que ocorreu entre os dias 4 e 5 de maio de 2021, em plataforma digital.
Organizar a resistência, articular a diversidade, defender a vida nos territórios: esses são alguns dos objetivos que norteiam a Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais, que realizou um encontro virtual, em função da pandemia de covid-19, mais um dos desafios enfrentados pelos diversos povos e comunidades que resistem aos projetos e ataques que avançam sobre seus territórios em todo o país.
O encontro foi organizado pela Articulação das Pastorais do Campo com o intuito de reunir lideranças e movimentos sociais, trazendo uma pluralidade de povos e partilhas. Dentre os temas apresentados, processos de criminalização e ameaças a lideranças, movimentos sociais e agentes pastorais foi predominante.
Diante do atual governo, que vem promovendo um desmonte de políticas sociais, redução do orçamento de órgãos ambientais e intensa militarização das instituições públicas, os processos de criminalização, ameaça e perseguição a lideranças de movimentos sociais têm sido recorrentes. No último mês, lideranças como Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Almir Suruí foram intimadas para depor na Polícia Federal, acusadas de propagar mentiras sobre o atual governo.
Frente a essas graves ocorrências, a Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais e Pastorais do Campo emitem Manifesto Público, em denúncia ao governo de Jair Bolsonaro e em solidariedade às lideranças e agentes pastorais criminalizados pela atual conjuntura política.
Acompanhe o manifesto a seguir:
Manifesto Público contra a criminalização de lideranças de movimentos que lutam em defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais
Nós, Indígenas, quilombolas, vazanteiros, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, comunidades de fundo e fecho de pasto, pescadores e geraizeiros, integrantes de Povos e Comunidades Tradicionais, que participamos do Encontro Nacional da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais , viemos a público manifestar solidariedade e apoio às lideranças indígenas Almir Suruí, Sônia Bone Guajajara, Deoclides de Paula Kaingang, Maria Inês de Freitas Kaingang e tantos outros, que pelo Brasil, sofrem com a perseguição de agentes de estado e são criminalizados através da proposição e abertura de inquéritos policiais, flagrantemente intimidatórios.
Também repudiamos a atitude discriminatória e persecutória, posta a cabo pelo governo Bolsonaro, por meio do presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Marcelo Augusto Xavier da Silva, contra as organizações indígenas APIB – Articulação de povos Indígenas do Brasil, APOINME – Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, ARPIN SUL – Articulação dos Povos Indígenas do Sul, COIAB – Coordenação de Organizações Indígenas na Amazônia Brasileira, CGY – Comissão Guarani Yvyrupá e Conselho do Povo Terena.
Manifestamos igualmente nosso repúdio à ação movida pelo Governo do Estado do Maranhão contra o assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra, Rafael Silva, em retaliação à atuação na defesa da comunidade Cajueiro/São Luís – MA, contra despejos forçados e ilicitudes cometidos no projeto de implantação de projeto portuário privado de interesse do Governo do Estado.
Essas ações ameaçadoras vinculam-se a perspectiva de se promover a criminalização dos movimentos que lutam em defesa da terra, das águas e das matas, tendo em vista o favorecimento de segmentos econômicos estruturados para a exploração predatória e criminosa dos territórios originários e tradicionais de nossos povos e comunidades.
A criminalização de lideranças e movimentos sociais soma-se a um contexto alarmante de destruição socioambiental que atinge todos os biomas brasileiros, bem como territórios tradicionais e indígenas. Afirmamos, portanto, que os verdadeiros crimes são os cometidos pelo Estado Brasileiro, latifundiários, grileiros e mineradoras.
Povos e comunidades tradicionais convivem diariamente sob ameaça da destruição de seus territórios através da grilagem de terras, destruição das florestas, envenenamento dos rios, mineração, guerra química por agrotóxicos, conflitos no campo, crescimento da fome, insegurança alimentar e pela pandemia de COVID-19 que já assassinou milhares dos nossos.
Mesmo diante deste ambiente político de ameaças e intimidações, de desconstituição dos direitos e de desterritorialização, a resistência se faz necessária, organizada e articulada. Reafirmamos que seremos resistência, enraizada em nossas ancestralidades, na espiritualidade, nos encantados, nos orixás, nos encantos de luz, em Ñhanderue Tupã.
Somando-se à luta dos povos e fazendo coro com as denúncias acima citadas, a Articulação das Pastorais do Campo afirma irrevogável aliança e assina em conjunto o presente Manifesto. A presença pastoral é solidária e caminha junto aos povos e comunidades tradicionais por décadas, no enfrentamento direto ao capitalismo, fome e conflitos no campo brasileiro.
Por fim, nossa resistência está enraizada na mãe-terra e mergulhada nas profundezas das águas maternas. As formas de resistir se fazem sementes plantadas hoje, agora no presente, para florir e gerar vida de libertação no futuro.
Seguimos juntos e em unidade na luta e na esperança construindo caminhos do Bem Viver.
Assinam,
Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais e
Articulação das Pastorais do Campo.
Maio de 2021
Por Comunicação das Pastorais do Campo