A experiência das mulheres camponesas abre caminho para grandes mudanças e rompe cercas machistas e patriarcais. Por meio da luta pela terra, essas mulheres conquistam a liberdade.
Em meio à dura realidade que o Brasil enfrenta, com o aumento drástico dos casos da Covid-19, as mulheres da Comissão Pastoral da Terra, camponesas e agentes pastorais, neste mês de março, trazem seus testemunhos, palavras de esperança e reflexões sobre a importância das mulheres na luta pela superação das desigualdades.
Imagem: Grupo de mulheres camponesas (RN) - CPT NE2
Neste ano de 2021, as mulheres de todo o mundo não têm muito o que comemorar no “Dia Internacional da Mulher”, em especial as do Brasil. São elas que, em tempos de crise, pagam o preço mais alto por cumprir as necessárias medidas de enfrentamento à pandemia. Trabalham dobrado, em casa, cuidando dos filhos e das filhas, de todas ou da maioria das tarefas do lar, e aquelas que vivenciam a violência doméstica são reféns de seus agressores.
Por outro lado, a experiência das mulheres camponesas abre caminho para grandes mudanças e rompe cercas machistas e patriarcais. Por meio da luta pela terra, as mulheres conquistam a liberdade. Isso é o que diz Maria Miriam da Silva, da comunidade Chico Mendes, situada em Tracunhaém (PE): “A terra significa liberdade pra mim. A terra é tudo pra mim. Antes eu trabalhava na casa de outras pessoas, mas aqui eu administro meu tempo. A renda que eu tiro da terra não é muita, mas eu não conseguiria o que tenho hoje estando em outro lugar. Aqui temos barriga cheia”.
Enquanto “Mãe solo”, a camponesa quebrou a barreira do preconceito e seguiu firme trabalhando na roça. “Ser mulher na luta é difícil. Eu cheguei na terra, meu marido foi embora e fiquei só com minhas filhas. Enfrentei muito preconceito, porque ninguém acreditava que eu iria resistir na terra sozinha com as crianças. As pessoas acham que as mulheres só conseguem algo se estiverem ao lado de um homem. Demos a volta por cima. Eu e minhas filhas mostramos que as mulheres são capazes. Independentemente de qualquer luta, somos vencedoras.”, disse Maria Miriam.
Para Hilberlândia Andrade, agente pastoral da CPT em Mossoró (RN), a luta pela terra é um passo fundamental para fortalecer o protagonismo e a autonomia das camponesas. Mesmo em uma conjuntura de retrocessos de direitos e de aumento da violência para os povos do campo, “as mulheres decidem resistir, porque a terra é o primeiro passo para a sua liberdade. É a partir da terra que podemos garantir a produção de alimentos de qualidade, que podemos garantir soberania alimentar”, explica. Nesse processo, “a auto-organização das mulheres é um pilar muito importante. Quando as mulheres se juntam, quando se organizam, a comunidade fica mais fortalecida para resistir e enfrentar o agronegócio, os grandes projetos que afetam suas vidas, o latifúndio, o capitalismo”, complementa Hilberlândia.
Imagem: CPT NE2
Socorro Golveia, da comunidade Acauã, em Aparecida (PB), também concorda. Ela acrescenta que a luta e a conquista da terra trazem outra vida para as mulheres que vêm de uma realidade de exploração pelo patrão no campo ou de periferia e de extrema miséria: “Traz o direito à cidadania, o direito de discutir junto o destino da comunidade, o direito à produção. As mulheres passam a viver uma realidade de agricultura camponesa e começam a ter novos horizontes. Tudo isso vem junto ao debate das opressões específicas que enfrentam”.
Socorro, que preside o Conselho de Desenvolvimento Rural de Aparecida, também acredita na auto-organização das mulheres. “Muito já se avançou na luta das camponesas, mas muito ainda precisa ser feito. Muitas mulheres vão se libertando e participando dos processos organizativos, mas outras ainda permanecem com dificuldades e isso precisa ser superado. Temos que estimular a participação das mulheres, para que cada vez mais se sintam protagonistas nos espaços familiares, na comunidade e na sociedade”, ressalta.
Para a agente pastoral da CPT em Alagoas, Irmã Cícera Menezes, o mês de março é uma boa oportunidade para falar no papel da mulher na construção de uma nova sociedade. “A concretização é no dia a dia. É esperança na mente, no coração e nas mãos, tecendo redes de esperança nas roças e nas rodas de conversa. A nossa utopia nos leva a uma concretização de uma sociedade melhor. Juntas, podemos construir a nossa história. Somos mulheres protagonistas na história da humanidade”, disse a religiosa e camponesa da comunidade Jubileu 2000, em São Miguel dos Milagres (AL). “Nós temos tudo para construir a sociedade que é o sonho de Deus, um mundo melhor, em que haja igualdade social e não haja mais luta de classes, nem divisões, mas sim a mulher atuando com seus direitos e deveres nessa construção de uma Casa Comum, um mundo melhor para todas e todos”, conclui.
Há um ano, apesar de o novo coronavírus já ter começado a se espalhar pelo mundo, houve muitas manifestações para pedir por igualdade, entre tantas outras reivindicações em defesa da vida da mulher. Naquele contexto, havia apenas 25 casos da doença confirmados no Brasil. Hoje, são mais de 11 milhões de pessoas doentes e mais de 265 mil vidas perdidas.
É diante dessa realidade que comunidades camponesas, organizações do campo, sindicatos, centrais sindicais e movimentos feministas em todo o país denunciam o que chamam “governo da morte”. São mantidas reivindicações antigas - Reforma Agrária, demarcação dos territórios tradicionais, defesa dos serviços públicos e do SUS, contra as privatizações, por mais investimento em saúde e educação pública - e surgem novas demandas urgentes: pelo auxílio emergencial de pelo menos R$600 e vacinação para todas e todos, já.
Imagem: Carmelo Fioraso
CPT NE2