No dia 03/04/2019 o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Reive Barros, declarou que o município de Itacuruba localizado no sertão de Pernambuco já foi analisado pela Eletronuclear para receber uma nova central nuclear, durante o World Nuclear Spotlight ocorrido no Rio de Janeiro. Detalhou ainda que o local pode abrigar até 06 reatores, com um total de 6.600 megawatts (MW) e investimentos no patamar de R$ 30 bilhões. Assim, o pronunciamento do governo federal durante o evento no Rio de Janeiro tornou oficial a sua intenção de possível construção de uma usina nuclear no estado de Pernambuco, muito embora o temor de sua construção já se arraste por uma década sobre a população da área.
Inicialmente, ressaltamos que, embora o governo federal tenha apontado a existência de estudos sobre a área, estes não foram divulgados e nem a população local, a ser diretamente atingida pela construção da usina, foi consultada e cientificada. Destacamos ainda que na localidade existem 3 povos indígenas e 3 comunidades quilombolas, que pela Convenção 169 da OIT devem ser consultadas previamente sobre a construção de grandes obras no local.
É preciso entender o contexto do local apontado pelos estudos da Eletronuclear como propício, município de Itacuruba, e, sobretudo, quais os possíveis efeitos da construção desse grande empreendimento no local. O município já foi alvo de um grande deslocamento populacional para a construção da Barragem de Itaparica, que inundou sua antiga sede e grande parte das áreas agricultáveis. Com isso, gerou um forte empobrecimento local e demonstrou uma desastrosa política de realocação da população, sobretudo com o grave desrespeito aos povos e comunidades tradicionais existentes. O resultado disso é um município que possui um alto índice de depressão e a absurda taxa de suicídio de 26,6 pessoas a cada 100 mil habitantes, enquanto a média do estado é de 3,6, sete vezes menor, segundo dados do CREMEPE.
Situando o contexto vivido pela população do município, somos contra a implantação de novas usinas nucleares pelos seguintes motivos:
-As centrais nucleares expõem a sociedade ao risco de acidentes de alta radioatividade, que podem trazer consequências catastróficas à vida das pessoas e do meio ambiente, como ocorreu em Fukushima e Chernobyl. E no caso brasileiro do Césio-137 com substâncias nucleares.
-A radiação emitida pode causar impactos imediatos e a longo prazo na saúde humana, como: vômitos, queimaduras; distúrbios gastrointestinais, síndrome cerebral, infertilidade, má- formação genética e câncer.
-Há também o agravante problema do lixo nuclear, cuja deposição final demanda pesados investimentos e estes rejeitos precisam ficar isolados durante milhares de anos.
-Uma usina nuclear pode causar grandes danos ao meio ambiente. Embora argumentem ser uma energia “limpa”, pode gerar quantidades consideráveis de gases de efeito estufa, além do aumento da temperatura das águas do Rio São Francisco, a serem usadas para o resfriamento dos reatores.
-A instalação de usinas nucleares utilizando as águas do Rio São Francisco seria mais um descaso com o rio, que já sofreu com a Transposição e outras obras de grande impacto sobre suas águas;
-O Brasil não precisa de usinas nucleares para atender as suas necessidades de energia elétrica, pois a produção atual energética já atende às demandas existentes;
-Existem outras alternativas que são realmente limpas e seguras para produzir energia elétrica, sem correr os riscos que oferecem as usinas nucleares, e em particular, o Nordeste brasileiro é abundante em fontes de energia como o Sol e o vento;
-A decisão de construir usinas nucleares no Brasil foi antidemocrática. A população em geral e os vizinhos dos reatores em particular, não tiveram oportunidade de se manifestar.
-A energia elétrica de matriz nuclear é a mais cara do que a gerada pelas matrizes eólica e solar, sendo injustificável o investimento nela também do ponto de vista econômico. Além de nos projetos não incluírem os possíveis custos inestimáveis em casos de desastres, acidentes ou simples negligência ou imperícia.
-A construção de uma usina nuclear, de altíssimo custo, não é investimento necessário para a região, que sofre com a seca e a falta de políticas públicas que atendam aos povos tradicionais, campesinos e suas necessidades produtivas, como agricultura, caprinocultura, psicultura. Ainda, a construção de uma usina na localidade não vai contribuir com a geração de empregos.
-No mundo a fora, a energia nuclear não é mais vista como a energia do futuro ou limpa, tanto que países como a Alemanha já iniciou processo de desligamento de suas usinas para não ter mais essa fonte de energia funcionando em seu país até 2022.
-Já houve o reconhecimento pelo Estado de Pernambuco do potencial lesivo da geração de energia nuclear quando da promulgação de sua Constituição Estadual, que através de seu artigo 216, proíbe a utilização dessa matriz. A sua modificação configuraria um completo retrocesso e desrespeito à toda a população do estado.
Portanto, em razão de nosso comprometimento com a vida das pessoas e do meio ambiente, com a defesa do direito à terra e ao território, ao trabalho digno e à saúde, e tendo a certeza que o Nordeste não necessita da instalação de uma usina nuclear; sabendo também da quantidade de prejuízos imediatos e a médio prazo que um empreendimento desses pode causar; acreditando que o vultoso montante a ser investido deveria ser realocado para garantir políticas públicas necessárias para a população, nós, movimentos sociais, comunidades tradicionais, sindicatos, associações, intelectuais, pastorais e organismos ligados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, nos declaramos contra qualquer possibilidade de instalação de uma Usina Nuclear ou qualquer projeto de mineração que envolva extração/beneficiamento de combustível nuclear.
Assim, por entender que não precisamos da energia nuclear, suja, perigosa e cara, que é indefensável sob qualquer ponto de vista – social, ambiental, político, econômico e cultural, exigimos do governo do estado de Pernambuco um pronunciamento oficial contrário a possível construção de uma usina nuclear e uma audiência pública para melhor debater o tema.
Recife, 28 de maio de 2019.
Assinam essa carta:
ABA - Associação Brasileira de Antropologia
Associação de Mulheres Artesãs Pankará
Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear -ANTPEN
Associação pela Recuperação e Conservação do Ambiente, Arca - Goiás
Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no Estado da Bahia - AATR
ADAGRO
AMAP Associação de mulheres artesãs Pankará
ANAI - Associação Nacional de Ação Indigenista
APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
Articulação Antinuclear Brasileira
Articulação dos Pescadores do Sertão
ASA –CAATINGA
Associação Comunitária Remanescente de Quilombo Negros de Gilú-Itacuruba
Associação Hibakusha Brasil Pela Paz
Associação PROVIDA
Casa da Mulher do NE
Cátedra Dom Helder Câmara de Direito Humanos - UNICAP
Centro Cultural Direito de Ser de Itacuruba –PE
CMDRSERRITA
Coletivo Graúna de Justiça de Transição
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
Comissão Estadual dos Quilombolas de Pernambuco
Comissão Pastoral da Terra(CPT)
Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da ABA - Associação Brasileira de Antropologia
Comunidade Indígena Pankará Serra do Arapuá
Comunidade Indígena Tuxá Campos
Comunidade Quilombola Negros de Gilú
Comunidade Quilombola Poço dos Cavalos
Comunidade Quilombola Araçá
Comunidade Quilombola Balanço
Comunidade Quilombola Cajueiro
Comunidade Quilombola de Ingazeira
Comunidade Quilombola Feijão emposse
Comunidade Quilombola Jardim
Comunidade Quilombola Juazeiro Grande
Comunidade Quilombola Pau de Leite
Comunidade Quilombola Pau de Leite
Comunidade Quilombola Pedra Branca
Comunidade Quilombola Pedra de Amolar
Comunidade Quilombola Queimada
Comunidade Quilombola Quixabeira Helena
Comunidade Quilombola Serra do Talhado
Comunidade Quilombola Tupanaci
Comunidade Quilombola Várzea do Tiro
CMDR - Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural -BELMONTE
CMDR -Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - CEDRO
CMDR -Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - MIRANDIBA
CMDR -Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - SALGUEIRO
CMDR -Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - TERRA NOVA
CMDR-Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - VERDEJANTE
COJIPE- Comissão de Juventude Indígena de Pernambuco
Coordenação Nacional de Articulação das comunidades quilombolas- CONAC
Conselho Indigenista Missionário(CIMI)
Conselho Pastoral dos Pescadores(CPP)
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas- CEAQ
Diocese de Floresta
Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho – DADSF/UFPE – Gestão Rebuliço
Federação dos Quilombolas
Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras familiares do Estado de Pernambuco FETAPE
Fernanda Giannasi – Engenheira e Auditora, Fiscal do Trabalho aposentado
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fórum SUAPE Socioambiental
Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco
Fundação Leonel Brizola –PE
Geografar/ UFBA.
GESTA/UFMG - Grupo de Estudos em TemáticasAmbientais
Greenpeace Brasil
Grupo de Estudos com Povos Indígenas/Unilab
Grupo de Pesquisas sobre Identidades Coletivas, Conhecimentos Tradicionais e Processos de Territorialização da UFPI
Grupo de Pesquisas Memórias, processos identitários e territorialidades no recôncavo da Bahia, MITO/UFRB
Grupo REC - Recife Estudos Constitucionais CNPq/UNICAP
Igreja Batista deMirandiba
Igreja Batista Missionária de Mirandiba
IPA – Instituto Agronômico de Pernambuco
IRPAA – Instituto Regional de Pequena Agropecuária Apropriada
Jackson do povo Atikum de Itacuruba
Laboratório de Antropologia, Política e Comunicação LAPA/UFPB
Laboratório de Estudos sobre Ação Coletiva e Cultura –LACC/UPE
Laboratório de Estudos sobre Espaço, Cultura e Política -LECgeo/UFPE
Laboratório do Projeto Nova Cartografia Social da UFPI
LACC - LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE AÇÃO COLETIVA eCULTURA
Laced/Laboratorio de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento, do Museu Nacional/UFRJ
LICEEI - Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena/ UNEB
Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça e Cidadania
MIRE – Mística e Revolução
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração/MG
Movimento da Juventude Indígena Pankararu -MOJIP
Movimento Ecossocialista de Pernambuco -MESPE
NARP - Nascentes do Rio Pardo e seus Afluentes
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular – NAJUP
Núcleo de Estudos em Agroecologia e Nova Cartografia Social/UFRB
Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental daUnimontes/MG
OJIKA - Organização de Jovens IndígenasKapinawá
OJIPA - Organização de Juventude Indígenas de Pankará;
OJIT- Organização de Jovens indígenas Truká
Ororubá Filmes;
Pastorais Sociais de Floresta
Pastoral Social do Regional NE2
Povo Indígena Pankará de Serrote dos Campos
Povo Indígena Pankará da Serra do Arapuá
Povo Indígena Tuxá Pajeú -Itacuruba-PE
Poyá Limolaygo - Coletivo de Jovens do Povo Xukuru;
Prefeitura Municipal de Mirandiba
Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste brasileiro, Pineb/UFBA
Prorural
Província Eclesiástica de Pernambuco
Rede de Mulheres do NE
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares em Pernambuco-RENAP
Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas de Pernambuco -REMDIPE
Renato Athias, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade(NEPE/UFPE)
Sindicato Rural de Mirandiba
SINTRAF
Sociedade Angrense de Proteção Ecológica - SAPE
Organização Indígena Tronco Velho Pankararu;
Rede de Juventude Indígena (REJUIND);
Voz das Mulheres Indígenas