Porém, Jesus, dirigindo-se a elas, as preveniu: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; antes, chorai por vós mesmas e por vossos filhos! (Lucas, 23:28)
Nesse início de Quaresma os cristãos católicos se dedicam de forma especial à conversão a Deus, às pessoas em geral, aos mais fragilizados em especial e ao cuidado com a natureza. Esse tripé – Deus, irmãos e natureza – sustenta a vida e, quem segue por ele, não erra o caminho. O que já é obrigação cotidiana, na Quaresma ganha a força de um kairós, um momento especial da graça de Deus.
Nossa Quaresma brasileira sempre vem acompanhada da Campanha da Fraternidade, não como algo estranho ao espírito quaresmal, ao contrário, para lhe dar carne e concretude. É fácil chorar diante do crucificado, difícil é ter compaixão de pessoas concretas necessitadas e de rios, florestas e animais crucificados pelo poder do dinheiro e das armas, como é o caso de Mariana e Brumadinho. Por isso, a Campanha da Fraternidade tem como tema “Fraternidade e Políticas Públicas” e como lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça”. (Is 1,27)
Mas, por que as políticas públicas? Para quem tem espírito aberto é fácil compreender, afinal, se sou obrigado a dar um copo de água a quem tem sede, fica fácil respeitar milhões de pessoas abastecidas com água por uma política pública como o Água para Todos. Se sou obrigado a dar um prato de comida a quem tem fome, fica fácil entender que um programa como o Bolsa Família dá alimento permanente a milhões de pessoas. Se sou obrigado a colaborar com os enfermos, fica fácil entender que o SUS provê a saúde de milhões de pessoas que não têm dinheiro para pagar a medicina mercantilizada. Assim por diante, com o Luz para Todos, a política do Salário Mínimo, a Previdência Social, a política para gestantes, e uma infinidade de políticas públicas – tantas vezes convertidas em programas específicos – que melhoraram a vida de pessoas reais.
Tecnicamente toda política de governo ou Estado é política pública. Porém, na realidade muitas políticas de Estado estão voltadas para os interesses do capital e dos privilegiados. Não é dessas que falamos. Falamos particularmente daquelas direcionadas aos grupos mais vulneráveis e necessitados da sociedade.
É fundamentalmente pelas políticas públicas que a vida de nosso povo melhorou. Se fizermos um gráfico aqui no Nordeste, o período de suas implantações coincide exatamente com a ascensão do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Campo Alegre de Lourdes, por exemplo, município da Bahia que vim morar em 1980, tinha um IDH de 0,273 em 1990. Passou para 0,365 em 2000. E passou para 0,557 em 2010. Saiu da condição de miserabilidade para o de pobreza. Quando atingir 0,60 passa para uma vida digna.
A Bahia passou de 0,386 em 1990 para 0,512 em 2000, indo para 0,660 em 2010. Portanto, todo Estado passou do índice de miserabilidade para uma vida digna. O IDH do Brasil era 0,545 em 1990, em 2000 era 0,612, em 2010 subiu para 0,739, em 2014 subiu ainda mais 0,744.
Essa Campanha da Fraternidade vem exatamente no momento em que as políticas públicas do Brasil estão sendo desmontadas a pretexto do equilíbrio das contas públicas e até por razões ideológicas. Pior, ideologia difundida até por gente que se diz cristão e condena as Campanhas da Fraternidade e as políticas públicas.
Nesse versículo de Lucas acima citado, Jesus nos ensina que não quer chamar a atenção sobre os próprios sofrimentos, mas sobre os sofrimentos do povo.
Quem tiver bom coração entende o valor desse tema da Campanha da Fraternidade de 2019 e se compromete a ser um cristão melhor, como indivíduo e como comunidade.
OBS: O IDH é um índice que vai de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor a vida. Ele tem limites em seus itens, mas mede sobretudo a educação, renda e longevidade. Foi criado pelo economista indiano Amartya Sen e adotado pela ONU.
Roberto Malvezzi (Gogó)