O uso de agrotóxicos e o desmatamento são os grandes vilões do sistema de polinização feito por diversos animais, especialmente a abelha, em plantas utilizadas para a produção de alimentos no Brasil. O alerta é responsabilidade de doze pesquisadores que elaboraram o “Relatório Temático de Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil”, pesquisa realizada em parceria entre a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador e a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.
Para a elaboração do estudo, os pesquisadores analisaram 191 plantas relacionadas à alimentação brasileira, entre as 289 catalogadas. Em 144 espécies foi possível reconhecer quem são os polinizadores: as abelhas são responsáveis por 66% dos casos de polinização; os besouros, por 9%, as borboletas e mariposas, 5%; as aves, 4%. Segundo o relatório, o número de animais que participam desse processo é muito maior, mas a maioria ainda não está catalogada.
Das 191 espécies investigadas pelos pesquisadores, 91 dependem da polinização para existir. A extinção de determinadas espécies polinizadoras pode significar o fim do plantio do alimento ou a sobrevalorização do produto, como explica a coordenadora do relatório, Kayna Agostini:
– O maracujá, por exemplo, é altamente dependente do polinizador para produção de frutos. Sem a abelha mamangava, não temos o fruto do maracujá. Para suprir essa possível extinção, os agricultores teriam que contratar um número considerável de trabalhadores para realizar o trabalho de polinização manualmente, esfregando as mãos nas plantas. Culturas que dependem exclusivamente de polinizadores estão correndo o risco de extinção, como a castanha-do-brasil, também conhecida como castanha-do-Pará, e o maracujá.
Ela conta que em outras culturas, dependentes em menor escala da polinização, a situação ainda não é de alto risco. É o caso da soja, o carro-chefe do agronegócio brasileiro. “Mas olha que incrível, se você coloca os polinizadores na plantação de soja, eles aumentam em 30% a produção”, afirma.
Coordenadora do programa de pós-graduação em Agricultura e Meio Ambiente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Kayna Agostini observa que o período no país é de “avanço no uso de agrotóxicos” e que pouco se reflete a respeito de suas consequências.
“Nesse processo recente do governo, de liberação de mais 28 agrotóxicos, cada vez mais tóxicos, isso tem impacto direto nos polinizadores”, afirma a docente. Em especial, a abelha, que tem alteração significativa em sua população. “Isso significará uma redução imediata produção de alimentos”.
ATÉ O AGRONEGÓCIO SERÁ PREJUDICADO, DIZ PESQUISADORA
De acordo com o estudo, estímulos como os provocados pelos polinizadores nas plantações de soja, corresponderam, em 2018, a R$ 43 bilhões. O cálculo foi baseado em quatro cultivos: soja, maçã, café e laranja. “A polinização é um serviço ecossistêmico sem igual e gratuito, que oferece um enorme serviço ao agronegócio, inclusive”, diz Kayna. “É um contrassenso que eles usem tanto agrotóxico, o que mata esses insetos”.
Ela considera importante que os produtores brasileiros busquem formas de garantir a sobrevivência desses polinizadores. “Por exemplo, saber a hora que o polinizador visita as plantas e evitar aplicar o agrotóxico”.
A polinização, ou seja, “a transferência de pólen entre diferentes indivíduos de plantas da espécie”, explica o relatório, é fundamental para garantir a qualidade do fruto e das sementes produzidos e ampliar a variabilidade genética, “o que contribui para que os cultivos se tornem menos susceptíveis a pragas e patógenos”.
O texto critica a utilização de veneno nas plantações para controle de pragas:
– A aplicação de agrotóxicos com alta toxicidade para polinizadores e sem observar seus padrões e horários de visitas pode provocar a morte, atuar como repelente e também causar efeitos tóxicos subletais (desorientação do voo, redução na produção de prole, entre outros) em polinizadores. O uso de pesticidas tende a suprimir ou encolher a produção de néctar e pólen em algumas plantas.
A garantia de que os animais polinizadores visitarão a lavoura depende da reserva de floresta que avizinha a plantação. É justamente nesse aspecto que reside outro inibidor importante da polinização: o desmatamento.
Kayna toma como exemplo a abelha mamangava, uma espécie que faz seu ninho em um tronco podre, nunca dentro da plantação, sempre em região muito próxima. “Se eu desmato e tiro esse tronco, não terá abelha para fazer essa polinização, pois ela vai buscar abrigo longe da plantação e não retornará”, explica.
Fonte: De Olho nos ruralistas