Estudo mostra envolvimento do agronegócio, de investidores, juízes e até de membros do Ministério Público
Colocar documentos novos em caixas com grilos para que a ação dos insetos e seus dejetos deixassem o papel amarelado e com aspecto de velho não é mais uma prática dos grileiros, nome denominado a pessoas ou grupos empresarias que falsificam títulos de propriedades para se apropriar de terras públicas. Pelo contrário, as técnicas se sofisticaram e está cada vez mais difícil identificar a falsificação de escrituras.
Quem afirma é a coordenadora da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), Mirna Oliveira. Durante o Fórum Social Mundial em Salvador (BA), foi apresentado a publicação do caderno No Rastro da Grilagem – Formas jurídicas da grilagem contemporânea durante uma roda de conversa sobre grilagem, identificação, enfrentamento e responsabilização.
“Essa publicação é apenas uma amostra de como está cada vez mais difícil identificar a grilagem na nossa realidade, não só na Bahia, mas em outros estados também”, avalia.
A pesquisa analisou documentos de nove casos de grilagem que ocorreram entre os anos de 1961 a 2014 nas regiões do Oeste, Norte e Baixo Sul da Bahia. Um dos desafios apontados pelo levantamento é a impunidade dos agentes envolvidos em esquemas de grilagem de terras.
“A responsabilização dos envolvidos a gente não tem avanço praticamente algum, então esses casos continuam acontecendo porque eles, sejam agente públicos ou agentes privados, têm a certeza de que não vai haver consequências”, afirma.
As fraudes mais frequentes identificadas pela pesquisa é a inscrição pela primeira vez no Cartório de Registros de Imóveis e Hipotecas de terras que não possuem registro anterior, logo são terras da união, o que pela legislação é proibido.
Outra forma falsificação de documentos é quando o grileiro amplia as dimensões originais do imóvel. De acordo com a coordenadora o procedimento pode ser feito por meio de um processo jurídico chamado de “retificação de área” e é feito para corrigir algum erro no documento, contudo essa tática tem sido muito utilizado pelos falsificadores.
Oliveira ainda afirma que foram identificados na pesquisa como agentes envolvidos na aquisição indevida de terras empresas do agronegócio e de geração de energia eólica, grupos econômicos, investidores do mercado financeiro, juízes e até membros do Ministério Público da Bahia, pessoas e grupos com forte poder político e econômico que passam a disputar e expropriar famílias de comunidades tradicionais de fundo de pasto, brejeiras, ribeirinhas, pescadores artesanais e quilombolas.
Em muitos casos a violência e o assassinato de lideranças é uma das consequências da grilagem. Rosiana Queiroz, coordenadora do Programa de Defensores e Defensoras e Direitos Humanos no Maranhão, estava presente na roda de conversa e falou que há muita semelhança entre os processos de grilagem de terras na Bahia e no Maranhão e assegurou que em todos os casos de pessoas que estão sob proteção do estado têm relação com a defesa dos seus territórios.
“Os casos de proteção de direitos humanos têm como fundo a questão agrária e o processo de grilagem. Boa parte das terras maranhenses ou são terras devolutas, terras da união, ou são habitadas por comunidades tradicionais: indígenas, quilombolas e campesinatos. Esses grupos estão ali toda a vida e, de repente, essas áreas são invadidas por empresas”.
Atualmente existem 53 pessoas no Maranhão que estão sob proteção do estado porque foram ameaçadas de morte.
Oliveira destaca que a identificação dos casos de grilagem tem ocorrido muito por força da pressão dos movimentos populares e organizações de direitos humanos. A imprensa tem sido fundamental para pressionar o poder público, mas, em grande parte das situações envolvendo denúncias de grilagem, só acabam sendo noticiadas pela mídia quando acontece o assassinato de alguém da comunidade.
Fonte: Brasil de Fato/ Juca Guimarães