A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), cada vez mais preocupadas com os retrocessos nas políticas que afetam o acesso à terra e ao território a camponeses, povos e comunidades tradicionais e trabalhadores rurais sem-terra, vêm se manifestar publicamente a respeito.
Notícias veiculadas pela imprensa revelam um cenário ainda mais grave para os homens e mulheres da terra neste momento. Alardeia-se que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) está a bater recordes em emissão de títulos e empréstimos a assentados. Foram 123.533 títulos de posse, entre provisórios e definitivos. Ao mesmo tempo, 97 milhões de reais foram emprestados a assentados da “reforma agrária”. Ultrapassa-se assim o recorde do ano passado e, já em meados de março, cumpre-se a meta de todo o ano. A entrega de títulos será com toda pompa e propaganda (eleitoral?) nesta semana em que acontece o Fórum Social Mundial (FSM), em Salvador (BA), que e antecede o Fórum Mundial da Água e seu contraponto, o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), ambos em Brasília (DF). Parecerá uma “agenda positiva” do governo golpista para os de dentro e os de fora.
Outro recorde, porém, não tem tanta exibição: em 2017 não foi assentada nenhuma família sem-terra. Nenhuma! Continuam elas sendo cerca de 4,8 milhões, neste país continental, de maioria das terras sendo públicas e griladas e com a maior área ainda agricultável do planeta. E os povos indígenas e comunidades tradicionais continuam à espera de seus direitos constitucionais, dívida histórica mais uma vez postergada.
A CPT e os movimentos sociais do campo já vinham denunciando, há alguns anos, a diminuição drástica do número de assentamentos no país, ao ponto de chegar a apenas 1.686 famílias assentadas em 2016. Uma política, portanto, que atinge o auge neste momento, com as condições criadas pelo governo golpista de Temer. Uma série de medidas vem sendo imposta para, não só paralisar a demarcação de Terras Indígenas e de comunidades quilombolas, como também para abri-las à exploração de seus recursos naturais.
Haverá os que vão aplaudir estas medidas do governo ilegítimo e, em tempos de mídia hegemônica e pós-verdade, não serão poucos. O que enganam estas aparências? Dão-se os braços os ruralistas, maior e mais forte bancada no Congresso, e o capital financeiro, numa artimanha internacional por mais poder e dinheiro. O lastro que faltava ao capital especulativo na crise de 2008 está se providenciando na propriedade fundiária e no mercado de terras. Por isso, a aceleração dos programas federais e estaduais de regularização fundiária. Só não das Terras Indígenas e dos territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais. As áreas dos assentamentos de reforma agrária emancipados com títulos definitivos de propriedade, depois de inviabilizados pela falta de condições para torná-los produtivos e aptos à vida com qualidade no campo, acabarão sendo vendidas e entregues a uma nova dinâmica de concentração. Sem mais, os empréstimos aos assentados poderão se tornar fatores de endividamento e perda da terra. Parece reforma agrária, mas é o contrário.
A face mais cruel deste cenário é o crescimento dos conflitos e da violência no campo. Os números gritam. Em 2017, 65 pessoas foram assassinadas em conflitos no campo (dados parciais), registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (CEDOC) da CPT. O número mais elevado desde 2003. Quase metade deles em situações de massacres (3 mortos ou mais na mesma ocasião): 9 pessoas em Colniza (MT), 10 em Pau D’Arco (PA), 6 em Lençóis (BA) e 3 em Vilhena (RO). E ainda circularam notícias de massacres de mais de uma dezena de indígenas isolados que, por causa mesmo do seu isolamento, é muito difícil comprovar. Mas, se comprovados, dariam a 2017 um macabro recorde.
Além dos assassinatos e massacres, outro expediente tem sido mais acionado para “liberar” as terras: expulsões de famílias diretamente pelo latifúndio e o agronegócio, e despejos de outras milhares de famílias em cumprimento a ações judiciais favoráveis a supostos proprietários e/ou grileiros. Entre os anos de 2012 e 2016 foram despejadas 52.737 famílias no campo brasileiro, segundos dados do CEDOC da CPT. Só na região Sul do Pará, no final de 2017, a Vara Agrária de Marabá determinou a execução de sentenças de reintegração de posse contra 2 mil famílias. Talvez por isso também Marabá tenha sido escolhida para o presidente golpista celebrar os números de sua anti-reforma agrária. Neste início de ano, já houve o despejo, entre outros, de 800 famílias em Canguaretama (RN), 400 em Iranduba, Manacapuru e Novo Airão (AM), 140 em Capitão Enéas (MG).
São tempos escuros os que atravessamos. Mas confiamos que “quanto mais escura a noite, mais brilham as estrelas”. Então, continuamos acreditando que o povo do campo, com toda a sua força, prática e potencial para o Bem Viver, com sua organização e protagonismo, está gestando um momento novo em nossa história.
A CPT, apesar de todo este quadro assustador, permanece firme ao lado deste povo, no clamor por Justiça que sobe até o céu e se compromete com a dignidade de todos e todas.
Goiânia, 14 de março de 2018 (Dia Internacional de Luta contra as Barragens).
Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT