Pedro se tornou uma pedra no sapato de muitos na Igreja que não suportavam sua firmeza e audácia em denunciar as mazelas tanto da sociedade, como da própria Igreja. No momento em que completa 90 de vida é importante conhecer como o Vaticano tentou calar a voz deste profeta. A ação pastoral de Pedro Casaldáliga à frente da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT) centrou-se nos pobres. Ação que se alicerçava na própria prática de Jesus que afirmou ter vindo para anunciar a Boa Nova aos Pobres.
Antônio Canuto*
Extremamente convicto disso, Pedro denunciou as agressões e as violências que eram cometidas contra os pequenos de sua Prelazia, os índios, os posseiros, os peões. Esta ação forte e destemida provocou reações dos grandes empresários que ocupavam a Amazônia com os incentivos fiscais que o governo lhes dava, do próprio governo militar e também de setores da própria Igreja, de modo especial do Vaticano. A nunciatura apostólica e Congregações Romanas, o advertiram sobre seus escritos, suas entrevistas, sobre material de evangelização produzido pela Prelazia, e sobre atividades desenvolvidas fora da Prelazia, de modo mais concreto na América Central.
Foi cobrado insistentemente por se negar a fazer a Visita ad Limina. Depois de muitas cobranças Pedro por fim foi a Roma, em junho de 1988, onde foi submetido, pode-se dizer, a interrogatório pelos prefeitos da Congregação para os Bispos, Bernardin Gantin, e pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger. Foi recebido por 15 minutos pelo papa João Paulo II.
Nas audiências com os cardeais se insinuava que ele deveria assinar ao fim um documento.
Ao chegar de volta de Roma, Pedro recebeu uma carta do Núncio dizendo haver um documento relativo à sua Visita ad Limina que deveria assinar. Era final de agosto.
Era um documento chamado, em latim, de “Monitum” e traduzido como “Intimação”. Constava que era de “caráter reservado e pessoal”.
Antes mesmo de Pedro ter reagido a ele, a Rede Globo, no dia 22 de setembro, ligou para a Prelazia dizendo ter recebido um telex de Roma informando que o bispo teria sido punido pelo Vaticano e que se lhe havia imposto o silêncio. A Globo queria falar com Pedro a respeito, mas não se encontrava em São Felix. No dia seguinte, toda a grande imprensa brasileira e também do exterior publicava esta notícia.
Era o vazamento de um documento de “caráter reservado e pessoal”. A quem interessava isso?
O conteúdo da Intimação
Qual era o conteúdo desta intimação? Qual o seu propósito?
A Intimação era dividida em quatro partes. Era uma tentativa clara de tentar impedir que Pedro se pronunciasse publicamente sobre diversas situações, de calar esta voz profética.
Na primeira parte, são levantadas algumas posições tomadas por Pedro:
- Críticas ao Documento “Libertatis Nuntius”;
- Assinatura de Pedro em Declaração contra a condenação de Leonardo Boff;
- Protestos de Pedro, em uma carta no Natal de 1986, contra medidas tomadas pelo Vaticano contra teólogos e bispos, em particular dos Estados Unidos;
- Na Introdução ao livro “Túnica Dilacerada” de G. Giraldi, Pedro teria feito críticas à hierarquia e de modo particular à Sé Apostólica.
Diante destas tomadas de posição, a intimação estabelece:
“Portanto, o Ex.mo senhor Dom Pedro Casaldáliga é intimado a abster-se de qualquer pronunciamento, por meio de escritos e de entrevistas públicas, contra a Santa Sé, em modo particular quando se trate de matéria que diga respeito ao ensinamento sobre a Teologia da Libertação e às suas decisões tomadas defronte a Bispos e Teólogos.”
A segunda parte, tratava dos livros “Batismo, o que é” e “Eucaristia, o que é”, produzidos pela Prelazia. Diz o documento que neles a “doutrina da Igreja vem exposta em forma parcial e restritiva, apresentando o pecado quase exclusivamente nas suas dimensões sociais”.
Por isso determina:
“Portanto, o Ex.mo senhor Dom Pedro Casaldáliga é intimado a abster-se de aprovar escritos, especialmente catequéticos, que tragam dano à ortodoxia da fé ou aos bons costumes, recordando-lhes antes o dever sancionado pelo Canon 823 $ 1, de confirmar publicamente as verdades da fé, costumes em sua integridade tais como são ensinadas pelo magistério, incluso o ordinário da Igreja, em conformidade à norma do Cânon 750 (cfr LG25)”.
O terceiro ponto da intimação refere-se às celebrações dos Mártires da Caminhada.
“Constatando que ele promove cada ano em sua Prelazia celebrações pelos “mártires da Caminhada”, os quais não foram reconhecidos como tais pela competente autoridade eclesiástica”, diz a intimação:
“Portanto, o Ex.mo Senhror Dom Pedro Casaldáliga é intimado a abster-se de fazer celebrações litúrgicas com fins sociopolíticos”.
A última parte, referia-se às viagens de Pedro à Nicarágua e a outros países da América Central.
A intimação estabelecia:
“Portanto, o Ex.mo Senhor Dom Pedro Casaldáliga é intimado a abster-se de qualquer outra visita à Nicarágua ou dioceses de qualquer outro país, sobretudo da América Central, para pregar ou exercitar celebrações litúrgicas sem o prévio consentimento da respectiva e legítima autoridade eclesiástica local”.
A Intimação termina:
“Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Prelado de São Félix, Brasil, aceita no espírito de obediência ao Sumo Pontífice as advertências acima referidas, comprometendo-se a observá-las a partir desta data”.
O vazamento deste documento obrigou a Sala de Imprensa do Vaticano a emitir nota dizendo que o que foi divulgado não era exato. E que o referido documento lembrava a Pedro “alguns dos deveres próprios dos bispos” e a se manter sempre “fiel ao magistério da Igreja”, e “a não interferir nos assuntos de outras igrejas particulares”.
O vazamento desta Intimação provocou uma grande onda de solidariedade a Pedro da parte de muitos bispos do Brasil e de outros países e de muitas instituições religiosas e civis.
Por ter vazado antes, Pedro encontrou uma justificativa para não assiná-lo, como ele mesmo o disse, em 21 de abril de 2005, em entrevista à Folha de São Paulo.
*Colaborador do Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.