Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

No dia 26 de outubro de 2017, apenas dois dias depois de ser denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH o racismo e a violência extrema praticada pela Marinha do Brasil contra o Quilombo Rio dos Macacos, sob a justificativa de que as/os "quilombolas só podem receber visitas mediante autorização da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República", uma turma de cursistas da Escola das Águas, além de professoras/es e estudantes da Universidade Federal do Recôncavo Baiano - UFRB foram impedidos de ingressar no território quilombola.

Revoltadas/os com a situação de não poderem receber visitas livremente dentro do seu próprio território, cujo reconhecimento pela Portaria nº 623 do Incra foi publicado no Diário Oficial da União em 18 de novembro de 2015, as/os quilombolas interromperam a entrada e saída unicamente de veículos pela Portaria da Vila Naval, até hoje única via de acesso ao território quilombola, que foi cercado pela construção da vila militar nos anos 70.

Procurada pelas/os quilombolas, a Diretora de Departamento de Participação e Diálogos Sociais, Maria Thereza Ferreira Teixeira, da Secretaria Nacional de Articulação Social, que atualmente vem intermediando o diálogo entre quilombolas e governo no que diz respeito à definitiva titulação do território tradicional, inacreditavelmente confirmou a necessidade de autorização do governo federal para que visitantes possam ingressar no quilombo.

Intervenções da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – Seppir e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia – Sepromi também foram ignoradas pelo Comando do 2º Distrito Naval da Marinha do Brasil, na Bahia, responsável pela administração da Vila Naval.

A situação se agravou quando as esposas e familiares dos oficiais que residem na vila resolveram impedir que as/os quilombolas retornassem às suas moradias no território quilombola, sob a alegação de que se tratava de um protesto, tendo em vista que “elas também têm direitos”. As famílias dos/as oficiais passaram então a proferir insultos, provocações e ameaças às/aos quilombolas, que também foram proferidas por policiais militares, cuja presença na área e intervenção no conflito não se justifica, em se tratando de questão quilombola e área federal.

Durante a tarde, foi convocado pelo comando um grande contingente de soldados armados, que apenas reforçaram o clima de tensão e ameaças às/aos quilombolas. E, mesmo após sua partida, o impasse persistiu até as 4 da manhã do dia 27/11, com as famílias de oficiais da Vila naval da Marinha impedindo o retorno das famílias quilombolas às suas residências, verbalizando discursos de ódio e atirando pedras e ovos sobre as/os quilombolas e assessoras jurídicas da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais – AATR e outras organizações parceiras da luta do quilombo que se fizeram presentes.

É de inteira responsabilidade do Estado Brasileiro a prática de racismo institucional e violência desregrada dirigida contra os/as quilombolas de Rio dos Macacos, desde que a Marinha do Brasil invadiu seu território tradicional no final dos anos 50 para a construção de uma barragem represando o rio que dá nome à comunidade. De lá para cá, são inúmeros casos registrados de violência física, inclusive sexual. E, ainda hoje, as/os quilombolas são impedidos de construírem ou reformarem suas casas, têm constantemente seus roçados de subsistência saqueados, e não gozam de pleno acesso à água potável, saneamento básico, energia elétrica, saúde e educação.

Para além do confinamento da comunidade a 1/3 do território tradicional reivindicado a partir dos estudos antropológicos e agronômicos realizados pelo Incra, hoje se vive um impasse, pois a partir do momento em que a comunidade impediu a Marinha de construir um muro barrando o acesso da comunidade ao Rio dos Macacos, o Ministério da Defesa ordenou a interrupção da construção de duas vias de acesso independentes, com obras já iniciadas pelo Exército brasileiro, que permitiriam à comunidade o acesso ao território sem o constrangimento de atravessar a Vila Naval.

Neste meio tempo, a comunidade vem sofrendo com espancamentos, tortura e ameaças cotidianas dos militares, a exemplo do ocorrido em 06 de janeiro de 2014, quando Rose Meire dos Santos Silva e Edinei dos Santos foram brutalmente espancados e levados presos para a Base naval de Aratu, como mostram as imagens gravadas por câmeras de segurança na Portaria da Vila Naval.

(http://mais.uol.com.br/view/e0qbgxid79uv/militares-agridem-quilombola-na-bahia-04028D993372D4C14326?types=A&)

As famílias da comunidade estão, de fato, prisioneiras dentro do seu próprio território, tendo não somente o seu direito de ir e vir afetado, mas até o também seu direito de receber visitas e, em consequência, o direito à intimidade em seus lares, condicionada ao jugo militar/estatal. Onde o racismo do Estado brasileiro vem vez se manifestando sem qualquer desfaçatez. O clima ainda é tenso na comunidade e os discursos de ódio e ameaças vêm se reproduzindo também nas redes sociais.

Diante de tal contexto, em que o Estado brasileiro é o grande violador dos direitos fundamentais da Comunidade Quilombola Rio dos Macacos, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais – AATR vem a público repudiar os novos atos de violência e racismo, ao tempo que exige que seja respeitada a liberdade de ir e vir das/os quilombolas, bem como seu direito a receber visitas tão somente mediante identificação para o acesso pela Vila Naval, porém jamais submetido à chancela de qualquer órgão de Estado, seja de atribuição civil ou militar.

Para redução dos fatores que têm contribuído para agravar a situação acima descrita, reivindicamos a imediata retomada das obras das vias de acesso ao território independentes da passagem pela Portaria da Vila Naval, local de violência, torturas, humilhações e ameaças aos quilombolas, assim como a retomada da implementação de políticas públicas de habitação, fornecimento de energia e água potável, saneamento básico, saúde, educação e segurança para o território quilombola.

 

Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia - AATR

Comissão Pastoral da Terra NE 2

Justiça Global

CESE

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ 

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Rua Esperanto, 490, Ilha do Leite, CEP: 50070-390 – RECIFE – PE

Fone: (81) 3231-4445 E-mail: cpt@cptne2.org.br