Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Relatório da organização aponta que ocorrências cresceram 26% de 2015 a 2016; dados são os mais elevados em 31 anos. A publicação com os dados de 2016 foi lançada ontem (17), na sede da CNBB em Brasília. Entre os participantes estavam Dom Leonardo Steiner, secretário geral da CNBB e Divanilce Andrade, filha da Nicinha, militante do MAB assassinada em Rondônia.

Cristiane Sampaio - Brasil de Fato | Brasília (DF)

 

Os conflitos no campo registrados no Brasil aumentaram de 1.217, em 2015, para 1.536, em 2016, o que representa um aumento de 26%, segundo relatório anual apresentado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) nesta segunda-feira (17), em Brasília. Desse total, 1.079 resultaram em violência. De acordo com a entidade, é a estatística mais elevada desde quando a pesquisa começou a ser feita, em 1985.

Do total de conflitos, 1.295 estão relacionados à luta pela terra, incluindo desde situações de despejo e ameaça até os casos de morte. Outros 172 são disputas por água – maior número desde quando a CPT começou a catalogar esses casos específicos, em 2002. Além disso, houve 69 conflitos referentes a questões trabalhistas, sendo 68 deles somente ocorrências de trabalho escravo.

O número de assassinatos no campo foi outro destaque, tendo saltado de 50 para 61 no mesmo período, o que configura um aumento de 22%.

No documento da CPT, com 230 páginas, também se sobressai a evolução do número de pessoas encarceradas por conflitos no campo, que passou de 80 para 228, o que representa um aumento de 185%. Além disso, as ameaças de prisão saltaram de 49 para 265 – uma diferença de 441%.

 

Para o secretário da coordenação nacional da CPT, Antônio Canuto, os dados traduzem a questão conjuntural do país, evidenciando o contexto de avanço conservador, que teria empoderado os diferentes agentes de violência. “Nós tivemos um golpe contra a democracia, e isso se reproduz em diversos golpes contra as populações do campo”, afirmou o secretário.

Para o geógrafo e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Valdir Misneroviz, que participou da coletiva de lançamento do relatório representando o MST, o cenário atual exige atenção porque aponta para o risco de agravamento dos conflitos.

“Os dados são alarmantes e demonstram por si só a gravidade do momento que estamos vivendo. Ao mesmo tempo em que há ausência de ações do Estado na perspectiva de encontrar solução para os conflitos, há a tendência de isso caminhar para um universo de mais violência”, afirmou o militante, que ficou mais de cinco meses presos no ano passado acusado de pertencer a uma organização criminosa.

Assassinatos e impunidade

Antônio Canuto destacou ainda que, na série histórica de 1985 a 2016, houve 1.387 assassinatos no campo, com um total

de 1.834 vítimas. “Isso porque há casos que atingem mais de uma pessoa, como ocorreu no massacre de Eldorado dos Carajás, que teve 21 trabalhadores assassinados”, explicou.

Mais alarmantes ainda são os números que tratam da judicialização dos referidos casos de assassinato: ao longo dos 32 anos de catalogação, apenas 112 foram julgados, com 31 mandantes condenados e 14 absolvidos. No caso dos executores, 92 obtiveram condenação e 204 foram absolvidos pela Justiça.

“Se a gente for atrás dos 31 mandantes condenados, por exemplo, não vai achá-lo em nenhuma cadeia porque todos eles estão soltos. O que temos aí é a evolução da impunidade”, apontou o secretário.

Legislativo

Para o geógrafo Marco Antônio Mitidiero Júnior, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o aumento da violência no campo se comunica diretamente com a configuração do Parlamento brasileiro. Ele aponta que as eleições de 2014 levaram ao Congresso Nacional a bancada mais conservadora desde 1964.

O pesquisador destaca a forte presença dos ruralistas, hoje com mais de 200 deputados federais, diante do baixo número de deputados ligados a frentes sindicais e movimentos populares, que reduziu de 83 para 46 no último pleito. Os dados integram o último levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). Para Júnior, tal correlação de forças resulta em um processo de “violência legislativa”.

“Isso nos leva a uma série de projetos de lei que ferem uma constelação de pessoas. Se a legislação trabalhista, por exemplo, vem sendo atacada, isso desprotege também o trabalhador rural, que tem especificidades laborais que precisam ser levadas em conta. Não estamos falando de um conceito científico, mas sim de uma noção de violência política institucionalizada, e a maior parte dessas iniciativas vem da Câmara dos Deputados”, assinala o pesquisador.

Ele salientou ainda que, entre as matérias que estão atualmente em debate no Legislativo nacional, pelo menos 40 colocam em xeque direitos das populações do campo. “Isso ainda é um número mínimo porque, se levarmos em conta que há Projetos de Lei (PLs) com até 18 outros PLs apensados, que são aqueles que tramitam em conjunto porque tratam do mesmo tema, temos muito mais ameaças”, finalizou.

 

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