Na segunda-feira, 27 de junho, o presidente interino Michel Temer sancionou a Lei nº13.301/2016 que dispõe sobre medidas de controle do mosquito Aedes aegypti. Em seu conteúdo a lei permite a incorporação de mecanismos de controle vetorial, por meio de dispersão por aeronaves, mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida.
(Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, ENSP)*
Mesmo diante da negativa da comprovação científica da eficácia da medida pela Fiocruz, pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), e pelo próprio Ministério da Saúde, a lei foi sancionada.
Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) alertam para o quão prejudicial à medida pode ser para a saúde humana e para o meio ambiente e reforçam a importância de se posicionar contra a medida participando do abaixo assinado eletrônico para marcar posição contrária.
A proposta de incluir a pulverização aérea de agrotóxicos em áreas urbanas surgiu do Sindicato de Aviação Agrícola (Sindag), coincidentemente no mesmo ano em que a venda de agrotóxicos recua 20%. A relação entre a pressão dos setores da indústria do agronegócio com a medida foi comentada mais detalhadamente pelo pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP e membro do Grupo de Trabalho Saúde do Trabalhador da Abrasco, Luiz Cláudio Meirelles em entrevista exclusiva à ‘ENSP TV’.
Anteriormente, em reunião na ENSP, Luiz Cláudio Meirelles e o também pesquisador do Cesteh/ENSP e membro do Grupo de Trabalho Saúde e Ambiente da Abrasco, Marcelo Firpo, já haviam feito um alerta sobre a possibilidade do projeto de lei que permite a pulverização aérea em áreas urbanas ser aprovado. Ao participar da reunião do Conselho Deliberativo Ampliado da ENSP, que discutiu a conjuntura política do país, Meirelles relatou que o projeto era fruto de pressão de setores do agronegócio e o objetivo seria abrir precedentes para se barrar a discussão sobre pulverização em áreas rurais, que vem gerando, segundo o pesquisador, uma barbárie no campo brasileiro.
Ouça o posicionamento de Meirelles no Podcast da ENSP.
Na mesma ocasião, Marcelo Firpo relatou a experiência que viveu ao participar de uma discussão sobre agrotóxicos no Congresso, que pretendia rever toda a legislação desse campo em benefício dos setores do agronegócio. Segundo Firpo, as frentes de trabalho para buscar passar leis que representam retrocessos em termos de direitos sociais e ambientais estão trabalhando aceleradamente no parlamento brasileiro.
Ouça o posicionamento de Marcelo Firpo no Podcast da ENSP.
Ação ineficaz
Pesquisadora do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana e membro do GT Saúde e Ambiente da Abrasco, Karen Friederich afirmou que a liberação da pulverização dos inseticidas deveria ser a última medida a ser tomada. “Os produtos indicados e utilizados para controle do aedes aegytpi são tóxicos para saúde humana, e isso é demonstrado cientificamente. O Malathion, o mais usado, foi considerado recentemente pelo IARC como provável carcinógeno para humanos. Ou seja, a aplicação de inseticidas pelo fumacê deveria ser a última alternativa para controle do mosquito. A sua aplicação é de baixa eficácia. Para matar o mosquito é necessário que a substância o atinja durante o voo, o que é muito difícil. Também já é demonstrada a resistência dos mosquitos aos inseticidas usados no país."
André Burigo, professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, enfatiza a necessidade de se repensar as cidades, principalmente as políticas de saneamento. “Estamos num cenário político no qual discutimos a aprovação de uma lei de pulverização aérea de agrotóxicos para combater o aedes aegypti sobre as cidades quando o conhecimento cientifico, há mais de 30 anos, demonstra que essa medida não é eficaz para controlar a população dos mosquitos (trata-se de um programa centrado no mosquito e na pulverização de agrotóxicos terrestres), quando deveríamos repensar as cidades. Nosso país não avançou num plano nacional de saneamento básico na velocidade que deveria ter avançado. As políticas de saneamento trazem impacto e reduzem uma série de doenças, é um tipo de mudança que produz justiça social. Poderíamos adotar medidas como a distribuição de telas e tampas para caixas d'agua, além de convocar a população para discutir ações que modifiquem as estruturas dos bairros, ou seja, avançar com medidas que são, de fato, impactantes”.
A pulverização aérea para controle de vetores, além de perigosa, é ineficaz. Anos e anos de aplicação de fumacê serviram apenas para selecionar os mosquitos mais fortes, forçando o aumento nas doses de veneno e a utilização de novos agrotóxicos. Os efeitos na saúde da população exposta à pulverização aérea nas lavouras está extremamente bem relatado no Dossiê Abrasco.
A pulverização aérea é perigosa porque atinge muitos outros alvos além do mosquito. E justo por isso, é também ineficaz. O agrotóxico será pulverizado diretamente sobre regiões habitadas, atingindo residências, escolas, creches, hospitais, clubes de esporte, feiras, comércio de rua e ambientes naturais, meios aquáticos como lagos e lagoas, além de centrais de fornecimento de água para consumo humano. Atingirá ainda, indistintamente, pessoas em trânsito, incluindo aquelas mais vulneráveis como crianças de colo, gestantes, idosos, moradores de rua e imunossuprimidos.
Confira as notas públicas do Conass/Conasems, a nota informativa sobre pulverização aérea e o controle de endemias do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde e a posição da Fiocruz através da entrevista do pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP/Fiocruz e membro do GT Saúde do Trabalhador da Abrasco, Luiz Claudio Meirelles (CESTEH/ENSP/Fiocruz e GTST/Abrasco).
*Com informações da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).