Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A Amazônia brasileira, o cair da noite e as margens do Rio Madeira formaram o cenário que acolheu centenas de pessoas, entre camponeses e camponesas, indígenas, quilombolas, religiosos e agentes de CPT para celebrarem a memória dos homens e mulheres que tombaram na luta em defesa dos povos da terra. A Celebração dos Mártires, que ocorreu no início da noite desta quinta-feira, 16, foi um dos momentos mais marcantes e místicos do IV Congresso Nacional da CPT.

(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT

Imagens: Joka Madruga)

Os participantes do Congresso se deslocaram até um lugar simbólico para a Celebração dos Mártires. Foi na Vila de Santo Antônio, próximo a Porto Velho. É por ali que passa a desativada Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de onde é possível avistar a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio. É um espaço onde os conflitos de anos atrás e do presente se confundem. Lugar onde tantos indígenas e trabalhadores foram mortos, onde tiveram e têm seus diretos violados. "É uma terra marcada pelo sangue dos indígenas, dos negros, marcada por muita luta, mas também de esperança", ressaltou a Irmã Maria Teixeira, da Diocese de Goiás.

O povo desceu dos ônibus com seus estandartes, camisetas e quadros estampados com rostos e frases dos mártires da caminhada. Depois, seguiram pela rua que corta o pequeno povoado e leva até a Capela de Santo Antônio de Pádua. É por essa rua de terra que passam os ônibus com trabalhadores e trabalhadoras da Usina. 60 veículos da empresa cruzaram com os participantes no início da caminhada. Ao som do Canto dos Mártires da Terra, de Zé Vicente, teve início a celebração. "Neste instante há inocentes tombando nas mãos de tiranos: tomar terra, ter lucro matando, são estes seus planos", cantavam.

O pátio da Capela, às margens do Rio Madeira, estava iluminado com porongas. Em cirandas, os/as participantes entoaram nomes dos mártires que tombaram na luta. "A celebração dos mártires revigora a fé da gente, reanima sentir a presença de tantos que nos precederam. Anima nossa esperança na caminhada", afirmou Maria do Carmo Fizica, da CPT em Minas Gerais. A cada nome falado e estandarte erguido, era cantado "mataram mais um irmão, mas ele ressuscitará". Em seguida, foi partilhado, entre o povo, os frutos da terra e das águas, a mandioca e o peixe.

"Evocar os mártires da terra é evocar a ancestralidade da luta. Traz pra gente a força para continuar e seguir lutando pelos que virão. Nós somos o fruto da semente que esses mártires plantaram", afirmou Vanúbia Oliveira, da CPT em Campina Grande.Foi nessa Celebração que Maiço Silva, camponês de 17 anos, ouviu falar de tantas pessoas que doaram suas vidas aos povos campo. "Hoje conheci muito mártires que morreram pela nossa luta e que eu não sabia que existiam", comentou. Ele ressaltou que a celebração também foi um importante momento de formação para a juventude camponesa presente no Congresso.

Nos últimos 30 anos, pelo menos 1.723 homens e mulheres tombaram em defesa da luta pela terra, de acordo com registros da Comissão Pastoral da Terra. Esta realidade de violência e de massacres sofridos pelos camponeses e camponesas é o motivo pelo qual a CPT reafirma a importância de fazer presente a memória daqueles e daquelas que morreram em defesa da vida. "Os mártires viveram a radicalidade de Jesus", ressalta Ruben Siqueira, da coordenação executiva nacional da CPT. "Para nós, a memória desses mártires é a reatualização da memória de Jesus, que se doou totalmente até o martírio pela vida dos outros. O sangue derramado na luta pela terra é sempre relembrado por nós, para que ele nos fortaleça", complementou.

O local

A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi uma obra emblemática, que ligava Porto Velho a Guajará-Mirim. Foi construída entre os anos 1907 e 1912.  Planejada para escoar a produção de borracha, inúmeros indígenas e trabalhadores ali morreram. A estrada invadia territórios dos indígenas Karipunas e Oro Wari, mais conhecidos como Pacaás Novas. Na tentativa de evitar que a estrada invadisse suas terras, esses índios desfaziam o trabalho da empresa à noite, tirando os trilhos. Porém, um dia a construtora eletrificou os trilhos, o que matou vários indígenas.

Ao lado da estrada de ferro há o Centro Cultural Indígena, também desativado. Quando passava pelo local, alguém disse: "Matam eles [os índios] e depois constrói um lugar para expô-los". 

Da estrada de ferro é possível ver a Usina de Santo Antônio, palco atual de inúmeros conflitos trabalhistas, urbanos, indígenas e outros. Lugar onde operários precisaram parar os trabalhos, inúmeras vezes, para cobrarem seus direitos. A barragem, juntamente com a Usina de Jirau, têm provocado inundações que arrasam povos ribeirinhos, rurais e urbanos. 

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