Entrevista
“Em nome da justiça, o mandante do assassinato do casal de extrativistas precisa ser condenado e preso já!” – José Batista Afonso, advogado da CPT em Marabá e assistente de acusação do caso. Confira entrevista de Batista sobre o caso.
A sociedade precisa dar uma resposta à impunidade, colocando José Rodrigues Moreira atrás das grades e expulsando-o dos lotes ocupados ilegalmente, motivadores do assassinato em 2011 de Zé Claudio e Maria do Espírito Santo.
Em entrevista concedida a A Rel, o advogado José Batista Afonso, coordenador daComissão Pastoral da Terra em Marabá e assistente de acusação, nos informou sobre o julgamento da apelação do Ministério Público, na próxima terça-feira, 5 de agosto, contra a decisão do Tribunal do Júri de Marabá pela absolvição de José Rodrigues, fazendeiro vinculado ao agronegócio e acusado de ser o mandante do assassinato, em maio de 2011, das lideranças extrativistas e ambientalistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo.O julgamento, que ocorreu em Marabá, condenou os dois executores do crime,Lindonjonson Silva e Alberto Lopes, deixando em liberdade o acusado de ser o mandante, o réu José Rodrigues Moreira. O Ministério Público do Estado e a assistência de acusação ingressaram com um recurso de apelação, junto ao Tribunal de Justiça do Pará, buscando anular a decisão do júri que absolveu o réu.
-O que levou o Tribunal de Justiça do Pará a adiar o julgamento duas vezes, de 22 de julho passou para 29 e, agora, está previsto para o dia 5 de agosto?
-O Tribunal tem uma agenda de julgamento de todos os recursos que sobem dos municípios para a capital, e que são inúmeros, são dezenas de apelações.
Muitas vezes, por alguma razão, seja de formalidades, seja por questões técnicas, o Tribunal adia o julgamento de uma semana para outra. Geralmente, pode ocorrer o adiamento uma ou duas vezes, mas acreditamos que na próxima terça-feira o julgamento de fato ocorrerá e o Tribunal decidirá sobre o nosso recurso.
-Caso o Tribunal decida em favor do pedido de anulação, qual será o próximo passo?
-Conseguindo a anulação, será autorizada a realização de um novo julgamento apenas para aquele acusado que foi absolvido, ou seja, para o réu José Rodrigues Moreira.
E aí, o nosso próximo passo será ingressar com um recurso chamado de Pedido de Desaforamento para que o novo julgamento não ocorra em Marabá, e seja transferido para a comarca da Capital. O Pedido de Desaforamento surge porque não queremos fazer o julgamento no mesmo município onde ele foi absolvido, Marabá, em razão das influências que os jurados sofrem no momento de tomar a decisão sobre se o acusado é culpado ou inocente.
Queremos retirar o julgamento da comarca de origem, Marabá, e transferi-lo para a comarca da capital, Belém.
-O que levou o Ministério Público do Estado e a assistência de acusação a ingressar com essa anulação?
-Porque, durante o processo de investigação do crime do qual foi vítima o casal de extrativistas, ficou claro que o responsável pelas mortes foi o senhor José Rodrigues Moreira, além de outros pequenos fazendeiros da região, que infelizmente a polícia não investigou suficientemente para poder também indiciá-los pelo comando do crime.
A polícia se contentou apenas com o nome do José Rodrigues Moreira.
Mas, pelas provas existentes nos autos, não há dúvida de que foi ele, junto a outros que não foram investigados, um dos responsáveis principais pela decisão de matarem o casal de extrativistas. Razão pela qual ele precisa ser condenado como o mandante desses crimes e não pode ficar impune.
-E por que depois de anulado o julgamento, vocês entendem que é preciso transferi-lo para a comarca da Capital?
-Nos casos aonde quem vai a julgamento é o mandante de um crime, esses mandantes geralmente têm influências políticas e certo poder econômico nos municípios onde ocorreram os crimes. Portanto, ao irem a julgamento, quem vai sentar no Tribunal do Júri e decidir serão pessoas comuns do Município. Essas pessoas se encontram cotidianamente com os acusados, e os acusados sabem onde elas moram, facilmente podem localizar as suas casas. O júri se sente muitas vezes amedrontado e inseguro em dar uma decisão condenando o acusado, principalmente se ele for o mandante, e tiver poder econômico e influência política. Por essa razão, temendo por suas vidas, temendo por sua segurança, é que na maioria das vezes o júri decide pela absolvição, contrariando as provas existentes nos autos. No processo existem provas mais do que suficientes para a condenação, mas em razão do medo acaba-se decidindo pela absolvição, temendo novos assassinatos. E isso foi o que aconteceu no caso do casal de extrativistas.
-O que tem a dizer sobre a atuação do juiz neste caso?
-A avaliação que as entidades de direitos humanos, que acompanharam o julgamento, fizeram é que o comportamento do juiz, durante toda a sessão do Tribunal do Júri, acabou interferindo no resultado do julgamento. Essa foi uma avaliação de um conjunto de entidades de direitos humanos que acompanhou todo o julgamento ocorrido.
É mais uma razão para poder reforçar o pedido de desaforamento, porque o juiz tem que ter um comportamento de isenção durante toda a sessão do julgamento, que possibilite a realização normal da sessão de tribunal do júri sem que a sua coordenação, a sua função e o seu desempenho possam favorecer um lado ou o outro no julgamento.
-As famílias dos extrativistas assassinados relatam se sentirem ameaçadas pela presença de José Rodrigues e “seus amigos” nas redondezas, rondando suas casas. Claudelice Santos, irmã de Zé Claudio, informou ter recebido vários recados, indiretamente ameaçadores, aconselhando-a a se calar e a ir embora...
-O que nós estamos buscando é que a sociedade dê uma resposta aos responsáveis por estes crimes, colocando-os atrás das grades.
Precisamos que ele seja condenado e preso, para que os familiares, as testemunhas e outras pessoas tenham tranquilidade de viver dentro do assentamento.
Porque o acusado de ser o mandante, estando livre e morando ilegalmente no lote que foi a causa do conflito e do assassinato do casal, continuará ameaçando ou transitando pelas vizinhanças, trazendo insegurança para os familiares e testemunhas.
-Há uma ligação da expansão do agronegócio no Brasil com a violência no campo?
-Sem dúvida, a violência no campo, não só no Pará, mas em todo o Brasil, está diretamente relacionada à expansão do agronegócio no campo.
Ou seja, há um processo de expansão das grandes propriedades ligadas ao agronegócio, que priorizam a plantação de monoculturaspara a exportação, como a soja, a cana-de-açúcar, o eucalipto, e também a criação extensiva do gado de corte. E essa expansão do agronegócio recebe todo o apoio do governo federal e dos governos estaduais, conseguindo invadir as terras das comunidades dos quilombolas, dos ribeirinhos, dos extrativistas, dos povos indígenas, dos pescadores, provocando muitos conflitos, como ameaças, expulsões violentas, mortes e assassinatos, crimes ambientais, ou seja, a violência no campo está diretamente relacionada a este modelo de desenvolvimento do estado brasileiro que privilegia, incentiva e financia o agronegócio. Ou seja, a expansão do capital para o campo. Com isso é mantida a concentração da terra e a estrutura da grande propriedade.
Desta forma, marginaliza as pequenas comunidades, os pequenos proprietários, os agricultores familiares, os trabalhadores rurais sem terra, que acabam enfrentando um conflito com esses grandes proprietários, sendo vítimas de toda sorte de violência.