É muito difícil reproduzir os fatos e informações de um encontro nacional, com representantes de praticamente todos os estados brasileiros. Hoje, por exemplo, os territórios visitados pelas caravanas agroecológicas, com seus representantes, discutiram as situações locais, os problemas e as práticas vencedoras. O detalhe é que são 13 tendas. E todas funcionam ao mesmo tempo.
À tarde, pelo menos 800 mulheres – e alguns homens – se reuniram na plenária do Grupo de Trabalho de Mulheres, da Articulação Nacional de Agroecologia – o lema é: Sem Feminismo não há agroecologia. Para quem conhece a realidade do campo e das agricultoras familiares sabe que não se trata de uma metáfora. Algumas representantes viajaram longas distâncias, deixaram suas casas, os filhos, o cuidado da casa, da roça, do trabalho cotidiano.
Sem dúvida, a maioria dos participantes do III ENA são mulheres. No ano passado na Chapada do Apodi (RN), comparei o trabalho e a resistências das sertanejas, das mulheres do semiárido, com a resistência das plantas, das árvores da caatinga. Hoje, encontrei na estande da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERNUC) a árvore que representa a caatinga, definida pelo escritor Euclides da Cunha, que cobriu a Guerra de Canudos como jornalista, como “árvore sagrada do Sertão” – é o umbuzeiro, nome científico “Spondias tuberosa Arruda”, uma espécie endêmica do Bioma Caatinga, que conta com 1.500 espécies vegetais.
Muito mais que resistir
O povo de Canudos, durante a guerra, comia os frutos do umbuzeiro, ricos em vitamina C, e coletavam água de suas raízes, que foram tubérculos. São árvores centenárias, demoram mais de 30 anos para produzir frutos. A Embrapa Semiárido, em conjunto com o IRPAA e várias outras associações de agricultores familiares tem difundido o plantio do umbuzeiro, mais de 40 mil mudas foram distribuídas. A COOPERNUC vende doces, geleias produzidos por 450 famílias dos três municípios citados, em 18 comunidades, e exporta para a França e a Austria. A ironia da caatinga, que recebe muito pouca chuva – média de 350 mm por ano -, e que tem um sol de rachar o cérebro, mas ao mesmo tempo, seus frutos são doces.
Porém, a luta dos agroecologistas é por mudanças no padrão de produção, contra os agrotóxicos, no modelo de desenvolvimento rural, na articulação das pessoas que vivem da terra. Isso não se faz de forma isolada. O mote do III ENA é: POR QUE INTERESSA À SOCIEDADE APOIAR A AGROECOLOGIA? Esta é a questão. Em primeiro lugar porque se a população urbana, e isso representa 80% do povo brasileiro, soubesse a quantidade de resíduos de agrotóxicos que consome diariamente, através das frutas, verduras, grãos, carnes e processados industriais, certamente mudaria seus hábitos de consumo. Mas se tal fato ocorresse, como suprir tamanha demanda?
Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos
Aí é que entra o PLANAPO, o programa nacional de agroecologia e produção orgânica, lançado pelo governo federal no final do ano passado e que começa a ser implantado. São várias ações que estão sendo conduzidas, claro, tudo dentro da burocracia oficial de um país do tamanho do Brasil. Conversei com Valter Bianchini, Secretário Nacional da Agricultura Familiar e secretário executivo da comissão interministerial sobre o tema. São 10 ministérios envolvidos. São muitas coisas que precisam ser adequadas à agroecologia e produção orgânica.
Começando por crédito, os entraves para liberar dinheiro, a forma como os agricultores e agricultores produzem e se organizam para vender. A própria certificação que é um negócio difícil, complexo e caro.
Também conversei com Marciano Toledo da Silva, coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores, também coordenador da campanha permanente contra os agrotóxicos, e que participa do Grupo de Trabalho chamado CNAPO – Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – onde participam os representantes do governo, mas também da sociedade civil. Ele é agrônomo e ativista conhecido.
Bianchini mora num sítio em Colombo, a 25 km de Curitiba, já foi secretário da agricultura do Paraná e também é um profundo conhecedor da agricultura familiar mundial. Marciano detalhou as principais iniciativas “exequíveis” do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – PRONARA, que deverá ser lançado em agosto.
Importância mundial da agricultura familiar e da agroecologia
Resumindo a conversa com Marciano da Silva: os eixos principais do PRONARA são: fim da isenção fiscal para importação, industrialização e comercialização dos agrotóxicos. Levantamento dos dados de gastos da saúde pública com as doenças provocadas pelo uso de agrotóxicos, não somente nos trabalhadores que lidam com os venenos cotidianamente. Não existe este levantamento no Brasil.
Reestruturação da infraestrutura oficial, como laboratórios – as análises de determinados resíduos são feitas no exterior -, além é claro da qualificação de profissionais e da contratação de novos. O Brasil têm 44 técnicos para analisar registros de novos produtos – são 400 a 500 pedidos na fila -, contando a ANVISA, o IBAMA e o MAPA.
Nos Estados Unidos são 800. Outros assuntos: monitoramento e responsabilização da cadeia produtiva de agrotóxicos. Desenvolver alternativas ao uso de agrotóxicos, afinal, trata-se de um período de transição. Principalmente adequar a legislação atual que enquadra fertilizante natural e fitossanitários como se fossem agroquímicos. Melhorar o sistema de informação, para que a população tenha aos dados reais da produção agrícola, e do que ela come.
Grupo internacional de apoio à agroecologia
Valter Bianchini esteve recentemente no Salão de Agricultura de Paris. Conversou com o ministro da agricultura francês sobre o assunto. A ideia dos franceses é que Brasil e França participem em conjunto, no âmbito da FAO, de um grupo formado por 10 países – 5 do Sul e 5 do Norte -, que apoiariam as práticas da agroecologia e da agricultura familiar. Aliás, na primeira semana de maio ocorreu no Chile um encontro latino-americano de agroecologia.
Bianchini diz que no mundo existem 500 milhões de produtores familiares, o que envolve um universo de 2,5 bilhões de pessoas, grande parte na China e na Índia, mas que o modelo de produção de todos eles é comum. São diversificados, trabalham com várias atividades, preservam o ambiente, que é responsável pela produtividade dos vegetais, da comida dos animais e também da água, e além disso, transmitem esses conhecimentos de geração em geração, durante mais de 20 séculos.
No caso brasileiro
O governo federal trabalha em várias frentes. A primeira é o compartilhamento do conhecimento, a Embrapa terá na agroecologia um dos seus eixos estratégicos. Ela precisa pautar seus pesquisadores, buscar o conhecimento das comunidades, que já praticam a agroecologia em vários polos espalhados pelo país, sistematizar, dar um cunho científico e difundir. Crédito orientado com assistência técnica, e para isso falta o decreto da presidenta Dilma Rousseff criando a Anater, a rede de extensão rural, cujo projeto já foi aprovado no Congresso Nacional. Com um detalhe que a extensão rural se voltará para assistir os produtores que trabalham no sistema orgânico, ou que decidirem fazer a transição. No acesso às sementes crioulas, ninguém faz mudança de plantio se não tiver semente orgânica, através da Embrapa, que mantém um banco de sementes crioulas, direcionar este material para produtores escolhidos que multiplicarão.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) passará a comprar sementes crioulas. Também adequará as garantias como seguro e preço equivalência para os agricultores e agricultoras agroecológicas.Outro ponto é incrementar o programa para a juventude rural, segundo ele, um milhão de jovens estão envolvidos com a agricultura familiar, e esse pessoal não pode emigrar para os centros urbanos.
Fonte: Por Najar Tubino
Da Carta Maior