Entrevista
Aprovada em 2012, por meio do decreto 7.794, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) representa uma conquista dos movimentos sociais de campo, especialmente no Brasil, onde há prevalência de incentivos ao agronegócio em relação à agricultura familiar realizada numa perspectiva agroecológica e responsável pela produção de alimentos saudáveis.
Construída a partir do trabalho de uma comissão composta por representantes do governo e organizações da sociedade civil – entre elas a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) – a PNAPO passa a ser efetivada a partir do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), aprovado em junho deste ano e com lançamento previsto para este mês de setembro.
Na perspectiva de refletir sobre os impactos dessa política na vida das pessoas, a jornalista Mariana Reis, da Assessoria de Comunicação da ASA (ASACom) conversou com Alexandre Pires, coordenador geral do Centro Sabiá e representante da ASA na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).
A seguir, veja os principais tópicos dessa conversa:
ASACom – Na sua avaliação, qual a importância da participação da sociedade civil na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e na própria definição da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO)?
Alexandre Pires –É importante dizer que a PNAPO é uma reivindicação dos movimentos sociais de campo, resultado de uma série de seminários regionais e de seminário nacional realizados pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ou seja, vem do acúmulo das organizações sociais. A lei é uma conquista do movimento agroecológico e do movimento de mulheres, através da Marcha das Margaridas, em 2011, que conseguiu incidir politicamente e pautar o governo. Diante desse acúmulo e do que foi elaborado pelo governo, podemos dizer que a lei é limitante. É responsabilidade do governo, especificamente da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO), a instrumentalização. Cabe à sociedade civil o papel de reivindicar e, principalmente, monitorar a execução dessa política.
ASACom – O Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), que viabiliza a execução da política, está previsto para ser lançado ainda neste mês de setembro. Na prática, como o plano vai influenciar a vida dos agricultores e agricultoras familiares?
Alexandre Pires –No Plano, são trabalhados quatro eixos: produção; uso e conservação da biodiversidade; conhecimento e comercialização. No eixo da Produção, a expectativa é de fortalecimento da gestão, para além do impacto do consumo. Quanto ao Conhecimento, o que se destaca é a valorização do conhecimento dessas famílias a respeito do solo, da água, das plantas, das sementes, e a capacidade de replicar, a perspectiva de esses agricultores e agricultoras serem difusores desses conhecimentos. Já a Comercialização incide na geração de recursos, no ganho monetário, o que influencia também na qualidade de vida.
ASACom – Nos últimos tempos, muito tem-se falado sobre a procedência do que se come e sobre a necessidade de consumir alimentos de qualidade, livres de agrotóxicos. Como o PLANAPO fortalece o debate sobre segurança e soberania alimentar?
Alexandre Pires –O PLANAPO surge a partir da convocação da sociedade civil, mas tem as suas limitações. Assim, as ações que aparecem no plano são as que são possíveis de ter. Em relação à segurança e soberania alimentar, destaco alguns pontos. Primeiro, é a referência às sementes crioulas, projeto apoiado pela ASA; em segundo lugar, destaco a construção do Plano Nacional de Redução de Uso de Agrotóxicos, uma forma de obrigar o governo a garantir recursos para limitar esse uso; o terceiro ponto é o fortalecimento das ações do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que tem um impacto importantíssimo na doação de alimentos para pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, de insegurança alimentar. Outro destaque ainda é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garante merenda saudável para os estudantes nas escolas. O PLANAPO ainda prevê o apoio na elaboração de materiais educativos alternativos, o que também é uma forma de chamar a atenção para esses temas.
ASACom – Pode-se dizer que essa política também interage com as populações urbanas? Como essa perspectiva vem sendo discutida nos movimentos sociais?
Alexandre Pires –O diálogo com o urbano é bastante interessante. O ensino e a pesquisa voltados para a agroecologia, nas escolas e universidades, estabelecem parâmetros para pessoas que vão se formando como profissionais que influenciam nas políticas públicas. Outra dimensão é a valorização do consumo de alimentos que vêm da produção agroecológica, em programas como o PAA e o PNAE. A garantia de queum percentualdo que é consumido na merenda escolar seja originado da agricultura familiar impacta diretamente na vida de populações urbanas, de jovens e crianças, professores e prefeituras, e isso abre um campo de possibilidades para que os gestores reconheçam que esses programas de fato fazem uma ponte entre o campo e a cidade. Já ações como as feiras agroecológicas nos grandes centros possibilitam interagir com as cidades, com o público urbano, e ecoam no sentido de ter uma produção agroecológica significativa que possa subsidiar essas feiras. Esse é um ganho que nós vamos ter em relação ao diálogo com a cidade.
Fonte: Adital