Em artigo publicado hoje pela Folha de São Paulo, CPT e CIMI respondem à críticas e ofensas de Kátia Abreu, em sua coluna semanal no mesmo jornal, publicadas no dia 7 de setembro. O artigo destaca que "aos ruralistas, seja na tribuna do Congresso Nacional ou pelos jornais, não há o que os leve mais ao descontrole do que a causa indígena... os indígenas não estão solitários em suas mobilizações, pois a sociedade está atenta ao escândalo do latifúndio ruralista brasileiro". Confira o artigo na íntegra:
Dom Erwin Kräutler e Dom Enemésio Lazzaris*
Aos ruralistas, seja na tribuna do Congresso Nacional ou pelos jornais, não há o que os leve mais ao descontrole do que a causa indígena. Descontrole expresso em uma escalada de recursos contra os direitos destes povos e de comunidades tradicionais garantidos pela Constituição, prestes a completar 25 anos.
Um destes recursos é a Proposta de Emenda à Constituição 215/00, que transfere a competência da demarcação de terras indígenas do poder Executivo para o Congresso. Proposta que, segundo Nota Técnica do Ministério Público Federal (MPF), afronta “cláusulas pétreas da Constituição da República” e viola o núcleo essencial de direitos fundamentais. Fere a divisão dos poderes e anula o direito originário à terra, sendo a demarcação ato administrativo, segundo os juristas Carlos Frederico Marés e Dalmo de Abreu Dallari.
À PEC 215, se somam dezenas de outros projetos de lei, que tentam impedir o reconhecimento de terras indígenas e favorecer o uso delas pelo agronegócio. Nada parece deter os ruralistas, que ostentam uma bancada de 214 deputados e 14 senadores, com campanhas eleitorais financiadas pelo capital estrangeiro da Monsanto, Cargill e Syngenta, além da indústria de armas e frigoríficos (cf. dados da Transparência Brasil).
O que esperar dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais a não ser a resistência, tal Davi contra Golias, em defesa de seus direitos? Assim foi em abril, quando indígenas ocuparam a Câmara Federal, e tem sido assim na retomada de terras tradicionais, com procedimentos demarcatórios paralisados pelo Executivo, como a Terra Indígena Tupinambá de Olivença (BA), com procedimento administrativo encerrado desde 2009. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, porém, se nega a assinar a Portaria Declaratória. País afora a situação é dramática.
No Mato Grosso do Sul, a terra Kadiwéu, demarcada há 100 anos e homologada há quase 40, segue invadida. Relatório do Cimi registra que, de 2003 a 2012, ocorreram no estado 317 assassinatos de indígenas, dos 563 no país. No caso da morte de Nísio Gomes Guarani Kaiowá, o MPF apontou como mandantes ao menos seis “produtores rurais”. O confinamento às margens de rodovias ou em minúsculas reservas levou ao suicídio, entre 2000 e 2012, 611 indígenas, jovens entre 14 e 25 anos (Dados do DSEI).
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) convoca, entre os 30 de setembro e 05 de outubro, Mobilização Nacional contra a ofensiva à Constituição e aos direitos indígenas. Cimi e CPT apoiam, fundados nos valores do Evangelho e por dever de justiça e solidariedade a quem tem sido espoliado de seus territórios e de seus direitos.
Kátia Abreu, em coluna nesta Folha (Caderno Mercado 2, 7/9, pg.7) tenta desqualificar a ação destas pastorais taxando-as de “ideológicas”. O assentamento de famílias sobre terras indígenas, inclusive com emissão de títulos de propriedade do Estado, não nega o esbulho dos territórios. Isso não ocorre somente no caso de terras tradicionalmente indígenas. A senadora e familiares foram beneficiados pelo governo do Tocantins com terras ocupadas por posseiros. Além de atentar contra o direito à terra dos povos e de posseiros, Kátia Abreu milita contra o direito à identidade coletiva. A senadora protocolou na Casa Civil pedido para que a FUNAI paralise o processo de identificação étnica do povo Kanela do Tocantins.
Os indígenas não estão solitários em suas mobilizações, pois a sociedade está atenta ao escândalo do latifúndio ruralista brasileiro.
*Dom Erwin Kräutler é bispo da Prelazia do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Dom Enemésio Lazzaris é bispo da Diocese de Balsas (MA) e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
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