Historicamente, mulheres e homens camponeses, indígenas e de populações tradicionais que dependem dos Bens Comuns presentes em seus territórios para sua reprodução social, vem sendo ameaçados pelo agronegócio, a mineração, construtoras dos grandes empreendimentos e outros agentes capitalistas. Em um período de crise estrutural do capitalismo esse processo de acumulação primitiva é intensificado.
Porém, essa forma clássica de acumulação parece não ser mais suficiente. Para ampliar as formas de acumulação surge, então a “economia verde”. Sua base ideológica já é conhecida: os problemas ambientais não podem ser resolvidos pelo Estado, precisam da mediação do mercado. Os instrumentos econômicos motores dessa nova economia, tais como o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e o TEEB (Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade), já vêm sendo trabalhados nas convenções da ONU como a de Mudanças Climáticas (UNFCCC) e de Biodiversidade (CDB), ao mesmo tempo em que tornam-se prioridade na agenda dos principais países megadiversos.
Muitas são as vertentes dessa Economia Verde. Em seu lado financeiro, a proteção da biodiversidade vira um negócio, resumindo sua preservação ao custo de oportunidades para os agentes econômicos. Em seu lado “material”, a economia verde aparece como uma nova forma de territorialização do capital.
De acordo com as novas legislações que estão sendo construídas, para acessar recursos do REDD ou do PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), por exemplo, as comunidades necessitam assinar contratos, assumindo compromissos por vezes intangíveis, os quais impedem a própria reprodução dos seus modos de vida, perdendo-se a autonomia sobre o território. Ao mesmo tempo corre-se o risco de responsabilização em instâncias nacionais ou internacionais, caso a dita “preservação” – a manutenção dos estoques de carbono ou biodiversidade, cujos direitos foram transferidos via contratos a empresas e bancos – não seja alcançada.
Essa “nova cara” do capitalismo, além de colocar os Bens Comuns a serviço do mercado, ou seja, o meio ambiente, os conhecimentos, o modo de vida e de produzir dos camponeses e povos tradicionais, mostra-se como um verdadeiro atentado ao direito à terra e ao território dessas populações, seja ao deixá-los intocáveis para a (re)produção de capital verde, seja por dar força à especulação no mercado de terras.
Realidade
No Brasil, tais instrumentos do capitalismo verde já são realidade. É o caso da implantação de projetos de REDD, mesmo que ainda sem uma previsão legal na ordem jurídica brasileira. Muitos deles são financiados por bancos europeus ou pelo Banco Mundial, destacando-se o caso dos cerca de 30 contratos celebrados pela irlandesa Celestial Green com comunidades indigenas, quilombolas e de agroextrativistas na Amazônia brasileira.
Setores do Governo Federal vem trabalhando intensamente a favor da Economia Verde. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) há cerca de dois anos tem como uma de suas prioridades a financerização da natureza. Já o BNDES tem sido protagonista na criação de um arcabouço jurídico-institucional sobre REDD e PSA (juntamente com o Ministério do Meio Ambiente), além de promover o financiamento de produtos financeiros “verdes” incorporados à chamada “política Ambiental do BNDES”.
Também se situa no marco da economia verde o capítulo X do Novo Código Florestal, o qual instala um sistema de compensações ambientais, englobando instrumentos de sanção premial e já prevendo a instituição do PSA como meios de preservação ambiental. Um dos instrumentos operacionais criados é a CRA – Cota de Reserva Ambiental – a qual transforma um hectare de floresta em título da bolsa negociável para “compensar” áreas de Reserva Legal que não serão conservadas, tornando esse procedimento mais “barato” que o replantio. Esse ativo verde vem sendo negociado desde dezembro do ano passado na Bolsa de Valores Verde do Rio (BV-Rio).
Resistência
A resistência dos povos à consolidação dessas “soluções de mercado” e da economia verde vem acontecendo na denuncia dessas falsas soluções e construção de alternativas pela afirmação de direitos e das soluções dos povos, como foi o espaço da Cúpula dos Povos, realizado em junho do ano passado durante a Rio+20.
Nesta perspectiva, desde 2009 movimentos sociais, sindicais e ONGs se articulam no Grupo Carta de Belém. A posição compartilhada pelo Grupo é de luta pela afirmação dos bens comuns e pela autonomia dos povos em face desses instrumentos de privatização e financerização da natureza. Frente o avanço das soluções de mercado, defende que as soluções reais para os problemas ambientais do planeta estão na superação do capitalismo e na soberania dos povos.
* O Grupo Carta de Belém é formado por Amigos da Terra Brasil, CUT, FASE, FETRAF, FAOR, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, INESC, Jubileu Sul Brasil, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Terra de Direitos e as organizações da Via Campesina Brasil CIMI, MMC, MPA e MST.
Fonte: Terra de Direitos