Sem debate público, governo federal prepara novo marco regulatório para ampliar a exploração de minérios no país. Entidades temem mais conflitos territoriais e retrocesso socioambiental
O governo brasileiro pretende triplicar a exploração mineral do país até 2030. Essa é a meta mais modesta prevista no Plano Nacional de Mineração, aprovado há dois anos, que fala até em multiplicar por cinco a atual produção, distribuída por cerca 3,4 mil minas. Para abrir o caminho da “caça do tesouro”, está sendo gestado na Casa Civil um novo marco regulatório que prevê a abertura de milhares de novas lavras nas próximas décadas. Sem debate público, pouco se sabe sobre o teor da nova legislação, que pode ser apresentada ao Congresso Nacional a qualquer momento. Exatamente por isso, acadêmicos, organizações não governamentais e movimentos sociais temem o agravamento das disputas territoriais e inúmeras consequências ambientais.
O avanço da mineração deve afetar principalmente as comunidades já marginalizadas, como territórios indígenas, quilombolas e pequenos agricultores. “Em termos socioambientais, a atividade extrativa mineral vincula, no geral, uma disputa por território. Normalmente já existe população nos projetos que se iniciam e, quando se fala em triplicar ou até quintuplicar a produção mineral, é a amplitude desses conflitos que estamos falando”, salienta Rodrigo Santos, professor do programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que pesquisa os impactos sociais da mineração no país.
Por que mais mineração?
Assim como o agronegócio, o mercado da mineração é a pedra de toque da balança comercial brasileira. O setor respondeu, em 2011, por 18% da pauta de exportações do país, com mais de 40 bilhões de dólares, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Metade desses produtos tem destino certo, a China, que compra 45% da produção nacional de minérios. “Do ponto de vista macroeconômico, o governo aproveita o ótimo momento desse mercado para vender à beça e, com isso, fazer caixa para seu superávit primário e pagamento da dívida. É mais uma dimensão do modelo econômico nacional, com o país ocupando um lugar no mercado internacional do trabalho, que é ser exportador de commodities”, pontua Bruno Milanez, professor de Engenharia de Produção e Mecânica na UFJF.
A mineração também está sendo fortemente empurrada pela demanda mundial. Segundo Milanez, as estimativas do mercado indicam que o consumo global deve mais que dobrar até 2020. Dono de 10% das reservas de minério de ferro, manganês, alumínio e níquel de todo o planeta, a pressão econômica sobre o Brasil será inevitável.
Mesmo assim, o papel cada vez mais central do país nesse setor pode criar uma dependência perigosa. Isso porque os preços das commodities metálicas sofrem de alta volatilidade. Para se ter uma ideia, a variação de preços no último ano chegou a 30%. “Se a China, eventualmente, tem um baixo crescimento anual e decide diminuir sua importação de minérios, a consequência pode ser o fechamento de mineradoras no Brasil, com forte impacto socioeconômico”, avalia Bruno Milanez. Segundo o professor, a maioria da produção mineral está concentrada entre pequenas e médias empresas, o que agrava a possibilidade de desestabilização.
Problemas socioeconômicos
Se, por um lado, os minérios ajudam a fechar as contas externas do governo, sua participação na produção de riqueza nacional ainda é tímida, não alcança 4% do Produto Interno Bruto (PIB). O número de empregos gerados, cerca de 160 mil diretos, também é ínfimo se comparado a outros setores da economia. Com a perspectiva de expansão da mineração, especialistas começam a enumerar os problemas sociais e ambientais. “Aumento do número de remoção de populações, geração de grandes buracos. Vale dizer a exploração de um produto mineral requer uma movimentação gigantesca de milhões de toneladas de rejeitos”, afirma o advogado Guilherme Zagallo, da rede social Justiça nos Trilhos.
“Estão acabando com modo de vida, é uma ameaça efetiva à reprodução social dessas populações”, examina Rodrigo Santos, professor de Serviço Social da UFJF. Ainda sobre as “graves” implicações sociais dos empreendimentos minerários, o docente exemplifica o caso de Congonhas do Campo (MG), na região conhecida como Quadrilátero Ferrífero, região central do estado. Somente neste município, que detém uma considerável reserva de minério de ferro, atuam cinco mineradoras. “Estive recentemente nessa localidade e pude constatar. A exploração do minério a céu aberto espalha milhares de partículas de ferro no ar. Uma nuvem de poeira que causa graves doenças pulmonares e nos olhos. Esse é um caso representativo”, descreve.
Em regiões de pouca pujança econômica e onde a presença do capital monopolista do minério é forte, tende a ocorrer um fenômeno que os economistas chamam de enclave. “A economia passa a girar em torno desses projetos, que suga todos os recursos, como os aluguéis, os transportes, a educação, tudo passa a funcionar com base no mercado mineral, sem espaço para o florescimento de outras atividades”, explica Rodrigo Santos.
Outro exemplo é Carajás, no Pará, região que depende fortemente da mineração. “Ocorre um influxo populacional muito grande para esses espaços, gerando problemas na oferta de serviços públicos, que não têm capacidade de suportar o aumento de demanda. Há problemas relativos à prostituição, elevação do número de casos de estupro, enfim, coisas que têm sido vistas na implantação de usinas hidrelétricas”, completa Rodrigo.
Fonte: Brasil de Fato