Em 1992, governos de todo o mundo aterrissaram sobre o Rio de Janeiro para a Cúpula da Terra, também conhecida como Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento ou ECO 92. Ali estabeleceu-se pela primeira vez uma agenda global com o intuito de buscar a conciliação entre desenvolvimento e sustentabilidade. Foram criadas a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a Convenção de Combate à Desertificação e a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, esta última responsável por dar continuidade à agenda assumida. Passados quase 20 anos, foram realizadas 17 Conferências das Partes (COP) sobre mudanças climáticas, 9 COPs sobre desertificação e 10 sobre biodiversidade.
Muitas promessas e medidas foram tomadas, mas os desequilíbrios climáticos se aceleram pelo mundo, a biodiversidade vegetal e animal está em regressão, os desertos crescem, as florestas e as zonas úmidas encolhem. Uma das explicações está na falta absoluta de mecanismos que determinem o cumprimento dos acordos estabelecidos nestes encontros e preveja punições aos infratores.
Como aponta a pesquisadora e advogada da ONG Terra de Direitos, Larissa Packer, “a obrigação é mais moral do que jurídica”, uma vez que as decisões não são vinculantes, como são na Organização Mundial do Comércio (OMC), e não há uma espécie de Tribunal Internacional Ambiental, capaz de sancionar aqueles que descumpram os acordos assinados nas esferas da Organização das Nações Unidas (ONU). Força empresarial Apesar de valorosos esforços empreendidos nestas conferências, seja por representantes governamentais ou pelas inúmeras articulações sociais que clamam por mudanças, ainda que sem poder oficial de voz, a incapacidade de governança sobre os rumos do desenvolvimento prevaleceu. Ao fim e ao cabo, este poder paira sobre uma estreita, mas poderosa, rede de empresas transnacionais. Segundo um estudo publicado em julho de 2011 pelo Instituto Federal de Tecnologia da Suíça (ETH Zurique), com base em análise de 43.060 mil transnacionais, localizadas em 116 países, apenas 737 empresas controlam 80% do valor de todas elas, sendo 147 corporações controladoras de 40%. Estas corporações não se mantiveram avessas, ao longo do tempo, ao problema ambiental.
Ao contrário, o problema reside justamente na paulatina hegemonização destas conferências pelas soluções que mercantilizam os bens comuns e da natureza, conformando o que o discurso corporativo chama de “economia verde”. “A alternativa para o cumprimento das convenções é – e eu ouvi isso do secretário da Convenção da Diversidade Biológica que é um brasileiro, Bráulio Dias, então secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente – nós convencermos o setor corporativo da importância da biodiversidade, do seu valor econômico. O ambientalismo de mercado prega que o valor da mercadoria não é só formado pelo gasto de energia, gasto com o trabalho, custos fixos, etc, também deve-se inserir neste cálculo o custo ambiental ou as “externalidades ambientais”. Por isso, estão desenvolvendo instrumentos de valoração econômica da polinização das abelhas, da captura do carbono e de outros serviços ambientais. Mas como calcular isso?”, indaga Packer. Economia verde e o capitalismo A grande expectativa do ambientalismo de mercado na Rio+20 é avançar no reconhecimento internacional destes instrumentos de valoração da natureza e compatibilizar legislações mundo a fora que regulem o regime de propriedade e o comércio neste novo mercado, permitindo, sobretudo, a sua entrada nas Bolsas de Valores.
Este processo não é essencialmente novo: desde 1968, a partir das novas regras de propriedade intelectual estabelecidas pela OMC e obrigatoriamente internalizadas em forma de legislação por seus países membros, as sementes são objeto de patentes, o que, tempos mais tarde, deu origem à realização mais bem acabada de propriedade privada sobre formas de vida, os transgênicos. Não é por acaso que já circula nos grandes meios de comunicação que “está crescendo a ideia de se criar uma OMC ambiental”, proposta desenhada pela França e Alemanha, podendo ser este um dos “grandes feitos” da Rio+20. Por trás das propostas corporativas, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que oficializa o mercado de carbono como política de combate às mudanças climáticas, o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e o TEEB (A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, por sua sigla em inglês, uma metodologia para estipular valor econômico à biodiversidade), estão a criação de instrumentos financeiros, num movimento que a pesquisadora Larissa Packer qualifica como uma “acumulação primitiva do capital”, no qual bens como ar, água e biodiversidade passam a ser novos lastros para o mercado financeiro gerar valor em cima de valor.
“O mercado de carbono é uma primeira tendência de internacionalização de coisas que até então eram inapropriáveis pelo capital fictício”, destaca. Com a bolha do capital financeiro em constante risco de estourar, especialmente depois de 2008, com a crise do subprime nos EUA, existem trilhões de dólares em busca de novos lastros para aterrissar. Não é por acaso que, enquanto a “economia verde” desenvolve suas bases legais, científicas e infraestruturais, os países em desenvolvimento vêm sofrendo nos últimos anos um ataque brutal sobre suas terras. A assessora da Terra de Direitos, Larissa Packer, ressalta as consequências perversas da aplicação da lógica do mercado financeiro no combate a degradação ambiental. “Quanto mais escassa uma mercadoria, mais valiosa. A cada mudança climática, as bolsas de valores se adaptarão para valorizar os títulos. Quanto mais desmatamento, maior o valor dos títulos. Assim, vão inflar a bolha verde”, conclui.
Fonte: Brasil de Fato