Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Os 310 hectares onde moram as famílias são terras de Marinha, mas estavam sob domínio da Usina Salgado desde 1921, que no decorrer dos anos acumulou um extenso histórico de crimes cometidos à comunidade e ao meio ambiente

Cerca de 300 famílias de agricultores e pescadores tradicionais da comunidade Sítio Zé de Ipojuca, localizado no município de Ipojuca, litoral do estado de Pernambuco, conquistaram uma histórica vitória pelo reconhecimento do território e pelo direito à permanência nas terras da União. No último dia 20 de junho, foi publicado no Diário Oficial da União, a portaria de n.198 que garante a regularização da posse das terras para as famílias que ali vivem há mais de cem anos e onde está localizado um dos Engenhos da Usina Salgado.
A medida histórica põe fim a um conhecido e longo conflito no Estado, envolvendo por um lado, a comunidade tradicional que vive em terras da União e que vinha lutando pelo reconhecimento de sua posse e do outro lado, o avanço do monocultivo da cana-de-açúcar em terras públicas no Estado. A área em questão está localizada em uma região onde é intensa a especulação imobiliária, com altos preços das terras e tem se tornado um dos principais pólos de instalação de Indústria de navegação, petróleo e de monocultivo de cana-de-açúcar no estado de Pernambuco. Os 310 hectares onde moram as famílias são terras de Marinha, mas estavam sob domínio da Usina Salgado desde 1921, que no decorrer dos anos acumulou um extenso histórico de crimes cometidos à comunidade e ao meio ambiente (ver a baxo).
Para Daniel Viegas, advogado da Comissão Pastoral da Terra que acompanhou o caso, "a conquista dessas famílias é histórica não apenas para Pernambuco, mas para todo o país. A resistência e a luta daquela população pelo seu território e pela sobrevivência enquanto comunidade fez com que o Estado brasileiro retomasse terras públicas que estavam há anos nas mãos de Usineiros que, além de não pagarem os tributos devidos, ainda estavam tentando expulsar violentamente a comunidade tradicional de pescadores e agricultores."
Dados do Conflito:
Foi a partir de 2005 - quando a comunidade que vivia em um dos Engenhos da Usina se organizou para exigir do Governo Federal a implementação do Programa Luz Para Todos na região - que o conflito com a Usina Salgado se intensificou. Na época, a administração da Usina Salgado proibiu o Governo de instalar a rede elétrica, a colocação de postes e os contadores nas casas das famílias do Engenho. (Leia mais sobre isso aqui). Uma audiência chegou a ser realizada na Assembléia Legislativa de PE, em setembro de 2005, mas o proprietário da Usina Salgado não compareceu ao espaço, impedindo o processo de negociação para a implementação da energia elétrica no Engenho. (Leia mais sobre isso aqui).

Além de proíbir a instalação da elergia eletrica na comunidade, a Usina Salgado partiu para um processo de perseguição e expulsão das famílias: destruiu os sítios de moradores e moradoras, intimidou as famílias com milícia privada e solicitou diversas ações de reintegração de posse com o objetivo de expulsar toda a comunidade do local.

Em novembro de 2006, como fruto da organização e resistência da comunidade, o Incra solicitou à GRPU o cancelamento da licença de ocupação da área cedida à Usina Salgado. Esta medida, tomada em decorrência do relevante interesse social e ambiental nas terras da União, possibilitaria a regularização da posse para as famílias que tradicionalmente viviam no local.
Em outubro de 2007, uma grande mobilização na Usina Salgado foi realizada por mais de dois mil trabalhadores, trabalhadoras, com o apoio de organizações sociais do campo do estado, como a Comissão Pastoral da Terra, A Fetape, a Fetraf e o MLST. Tal ação fez com que as denúncias dos crimes cometidos pela Usina Salgado viessem novamente a público e o debate da Reforma Agrária e dos direitos das famílias que ali viviam fossem colocados de forma mais incisiva na pauta do Governo e do Incra. 2007 também foi o ano em que a Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU) cancelou a licença de ocupação a área pela Usina Salgado, a pedido do Incra.
Mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras na Usina Salgado, em outubro de 2007.
Foto: Thalles Gomes/ Arquivo CPT NE II
Após o cancelamento da licença de ocupação, o processo ficou parado a espera que o Incra delimitasse a área a ser destinada à Reforma agrária. De acordo com Daniel Viegas, esse é o procedimento necessário para que a GRPU liberasse as terras para as famílias envolvidas no conflito. Em outubro de 2009 uma nova mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras foi realizada, desta vez no Incra, como forma de pressionar os órgãos responsáveis a dar continuidade e agilidade no processo.
 O cancelamento da licença de ocupação da Usina Salgado se deu pelo extenso histórico de violência e de crimes cometidos à comunidade, ao meio ambiente e por dividas com a União. A Usina Salgado chegou a acumular uma dívida de aproximadamente R$ 80 milhões com o Estado, sendo R$ 16 milhões apenas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A Empresa também foi acusada de não recolher o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) das trabalhadoras e trabalhadores empregados. Além disso, a Usina, que foi instalada em terras da União, desde 1986 não paga taxas de ocupação da área.

Também recai sobre a Usina a responsabilidade de diversos crimes ambientais na região. Em 2008, juntamente com todas as Usinas do estado de Pernambuco, foi autuada pelo Ministério do Meio Ambiente por cometer crime ambiental e chegou a receber uma multa de R$5 milhões de reais. (Ler mais sobre isso aqui). Dos 20 Engenhos pertencentes à Usina Salgado, nenhum mantém a área de reserva legal de 20% estabelecida em lei. O que existe é uma área de apenas 6,5% de reserva legal mantida pela Usina, possuindo assim um passivo ambiental de mais de 13%.

Durante todo o processo, a Usina protagonizou diversas ações de violência contra as famílias que viviam no local.O caso foi discutido em reuniões da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo e em julho de 2010, um relatório contendo o histórico de violência cometidas pela Usina Salgado foi entregue à Secretaria do Patrimônio da União. O documento, além de apresentar várias denúncias sobre os crimes ambientais e irregularidades da Usina, colocava que “as mais de 300 famílias estão sendo perseguidas e ameaçadas por funcionários da Usina Salgado, para que abandonem suas casas”
Em 2011, após anos na luta para verem seus Direitos reconhecidos, a Comunidade de agricultores e pescadores Tradicionais Sítio Zé Ipojuca definitivamente conquistaram o Direito à terra e ao território onde vivem por mais de cem anos.
Setor de Comunicação da CPT NE II

 

 

 

 

 

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