Dois documentos públicos e oficiais – “Brasil 2022” – da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e “Inclusão Social e Produtiva” (MDA – Janeiro de 2011 – texto na internet), conseguem tratar a política agrária do futuro próximo, de maneira parecida: usam apenas frases e títulos soltos, sem texto.
Na verdade, o documento da SAE consegue a proeza de produzir uma seção inteira – das páginas 66 a 91 – do que se chama de “Metas do Centenário”, sem texto para quaisquer dos enfoques que elege – economia, sociedade, infraestrutura e estado.
Já o documento de MDA concentra-se no que seria atribuição deste Ministério.
Mas ambos convergem na linguagem anti-comunicativa em relação às políticas públicas. Substituiu-se o discurso expositivo de ideias por frases desconexas, ou números – meta, supostamente auto-explicativos.
Há muito pouco que colher nos documentos e declarações oficiais, que efetivamente possa configurar uma diretriz estratégica sobre política agrária de desenvolvimento rural ou de tratamento dos recursos naturais.
Enquanto isto, a política agrícola tradicional, conduzida pelo Ministério de Agricultura com respaldo da área econômica do governo e das cadeias agroindustriais conexas vai ocupando todos os espaços, em especial os espaços externos da inserção primário-exportadora.
Por outro lado, a grande mídia tem destacado em matéria de temas agrários duas focalizações aparentemente relevantes:
1) a discussão “interna-corporis no INCRA/MDA sobre a que fazer com o Instituto;
2) a discussão da revisão do Código Florestal no Congresso, estranhamente liderada pela senadora do DEM Kátia Abreu, não obstante a esmagadora maioria governista nas duas casas do Congresso.
Nessas duas focalizações da mídia, escapam à própria mídia, quanto ao “pensamento” oficial, àquilo que de essencial deveria ser tratado na reestruturação do INCRA e na revisão do Código Florestal – a regulação e efetiva aplicação dos direitos da propriedade sobre a superfície territorial, tendo em vista o atendimento da função social e ambiental da terra.
Mas há um “acordão”, aliança ou pacto de economia política entre proprietários de terra, agroindustriais, bancada ruralista e governo, que já atravessa três governos – FHC II, Lula I e Lula II e provavelmente Dilma.
Essa aliança é a verdadeira diretriz estratégica da política agrária: aprofundar a acumulação de capital no setor primário da economia com vista à demanda externa de “commodities”, ficando tudo mais a reboque.
Sobre as implicações sociais e econômicas desse pacto, em médio prazo, não se discute, como não se discutiu à época, por outros métodos, a modernização conservadora do Regime Militar.
Merece em especial destaque no documento citado do MDA, que não cita em nenhuma de suas frases soltas a omissão das duas missões constitucionais básicas que o Ministério deveria realizar: cumprir e fazer cumprir o princípio da função social de propriedade fundiária e realizar a reforma agrária. É que essas missões estorvam o mencionado “acordão”.
Em síntese, caso não haja pressão exógena, mobilização social ou fato circunstancial relevante, que modifique aquilo que chamam de “correlação de forças”, não virá da iniciativa deste governo, uma ação autônoma de promoção de uma política agrária distinta daquela que efetivamente se operou nos último 12 anos, susceptível de alterar a própria correlação de forças políticas dominantes no agronegócio.
* Doutor em Economia pela Unicamp. É consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz
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