Famílias de posseiros que vivem há mais de 25 anos na Fazenda Ponta de Gramame, João Pessoa - PB, estão ameaçadas de despejo e de destruição de suas plantações. As terras ficam em áreas de especulação imobiliária.
Semanalmente, as 36 famílias de agricultores que vivem na Fazenda Ponta de Gramame levam seus produtos à feira agroecologica na Universidade Federal da Paraíba e às feiras livres dos bairros da Valentina e Geisel, em João Pessoa. “Na feira na Universidade eu já tenho freguesia certa, vendo tudo o que levo. Minha renda é mais ou menos de R$400,00 por semana”. Declara Joselito Severino dos Santos, conhecido como Doda, produtor agroecológico que vive na Fazenda há mais de 12 anos. Doda afirma também que a alimentação da família é toda do sítio e que compra poucas coisas, como o café, o açúcar e algum tipo de carne. “Aqui é minha vida e a de minha família”, conclui.
Já o agricultor Manoel Luis dos Santos, comercializa, no bairro Valentina, frutas, verduras, feijão, macaxeira e batata. “Além da família toda encher a barriga, temos uma renda de R$500,00 semanais com a comercialização dos produtos na feira. Não posso deixar esta terra. Já sofremos muita violência por parte do proprietário, mas é aqui que sustento minha família”.
Os agricultores e agricultoras que vivem na Fazenda Ponta de Gramame têm relatos similares para contar. A história de luta e resitência desta comunidade vem desde o início dos anos noventa, quando posseiros que já viviam na área há décadas foram ameaçados de expulsão pela Família Gouveia Falcone, proprietária da área, que queria transformar a Fazenda em um empreendimento imobiliário. Em 1999, dezenas de famílias Sem Terra ocuparam a área para reforçar a luta dos posseiros e logo reivindicaram a desapropriação do imóvel ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). De lá até hoje a história é de violência. Os agricultores tiveram suas plantações destruídas por quatro vezes, totalizando mais de 300 hectares de alimentos perdidos. Até hoje, sofrem constantes ameaças de morte e perseguições por parte dos capangas do proprietário e cinco posseiros já foram presos durante os conflitos por defender seus direitos e o da comunidade. Ainda que com seguidos anos de violência e despejos, as famílias seguem resistindo e produzindo no local.
Hoje, a comunidade ainda teme ficar sem a produção que garante a alimentação e renda das famílas: no início de Janeiro, os agricultores e agricultoras foram surpreendidos por mais uma ameaça de despejo. A Juíza da comarca de Mangabeira, Dra. Leila Cristiane Correia, concedeu a reintegração de posse à Família Golveia Falcone e sua Empresa de Empreendimentos Imobiliarios. A notícia foi dada às famílias pelo Tenente Coronel Josman Lacerda Albuquerque, que é coordenador de Gerenciamento de Crises da Polícia Militar da Paraíba e comanda operações de cumprimentos de mandados judiciais, manutenção e reintegração de posse no Estado desde o ano passado. O orgão já iniciou o processo de negociação e pretende firmar um acordo entre as famílias com o objetivo de inviabilizar a resistência no momento do despejo. A comunidade já declarou que vai resistir e que não vai permitir que mais de 160 hectares de plantações sejam destruídas. Para a coordenadora da CPT, Tânia Sousa, “o Setor de Gerenciamento de Crises não considera o fato de ter famílias que vivem na área há mais de 25 anos. Como estas famílias vão aceitar sair tranquilamente da área deixando tudo para trás? Terra, Lavouras, casas, e até escolas em seus sítios onde educam seus filhos. O imóvel já chegou a ser desapropriado, mas o proprietário entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) argumentando de que se trata de uma área urbana, mas a área não é urbana”.
A agricultora Rosalba Barros Lima, uma das moradoras da Fazenda Gramame, está segura de que vai permanecer na Terra onde tira o sustento de sua família. No local onde vive, Rosalba planta com sua família o feijão, a macaxeira, coco, banana, mamão e comercializa seus produtos na feira da Valentina. “É desta terra que tiro o sustento de minha família. Meus filhos estão na escola e temos vida tranqüila aqui. Estou disposta a lutar até o fim para Ponta de Gramame concluir a desapropriação e o Incra se emitir na posse. Ai vai acabar todas as ameaças e conflitos”, declara.
Histórico do conflito:
– 02 de fevereiro de 1999: Cerca de 60 famílias ocuparam a fazenda Ponta de Gramame, área improdutiva com aproximadamente 164 hectares, situada no município de João Pessoa. Logo após a ocupação, as famílias reivindicaram a desapropriação da área ao Incra. Na área já viviam seis famílias, há cerca de 20 anos. A ocupação foi para reforçar a luta dos posseiros que estavam sendo ameaçados de expulsão pela Família Gouveia Falcone, proprietária da área, que queria transformar a Fazenda em um empreendimento imobiliário.
- 08 de março de 1999: As famílias sofrem o primeiro despejo e logo em seguida, as máquinas dos proprietários entraram em cena e destróem todos os barracos e cerca de 6 hectares de plantações.
- Abril de 1999: As famílias reocuparam a área e iniciaram um novo plantio.
- Março de 2000: Os proprietários colocaram gado nas plantações com o objetivo de destruí-las novamente. O episódio foi marcado por ameaças e por presenças de viaturas policiais, cercando toda a área e as famílias.
- 27 de novembro de 2000: Policiais militares, servindo de capangas dos proprietários da Fazenda, ameaçam mais uma vez as famílias. Um grupo aproximado de 53 famílias sem terra, acampados na Ponta de Gramame, apreendem armas de policias militares que rondavam o acampamento. Um dos policiais é o sargento Noaldo de Brito, e o outro, soldado Edson Pontes Cavalcanti.
- 07 de fevereiro de 2001: Mais um despejo: lavouras destruídas, ferramentas apreendidas, cinco pessoas presas e várias feridas. De acordo com os trabalhadores, foram destruídos mais de 150 hectares de roça, que estavam prontas para a colheita. O Juiz, na liminar de reintegração de posse, determina destruição das lavouras.
- 08 de fevereiro de 2001: Os Sem Terras presos são liberados após pagamento de fiança.
- 12 de fevereiro de 2001: Cerca de 150 trabalhadores organizam-se em mutirão e realizam a colheita do que restou da lavoura na Fazenda Gramame. A colheita foi permitida pelo juiz Carlos Neves Franco Neto, após acordo mediado pela assessoria jurídica da CPT, com os representantes da Empresa Falcone.
- 09 de maio de 2001: O trabalhador rural Joaquim de Souza, morador da Fazenda Ponta de Gramame, denuncia, durante a sessão da CPI da Violência no Campo, que as famílias moradoras da área são constantemente ameaçadas. Afirma que por ser um verdadeiro posseiro, pode provar que existem policiais militares e civís envolvidos na capangagem. “Os fazendeiros pagam os policiais para ameaçar as famílias no campo e eu sou testemunha”, declara.
- 10 de julho de 2001: As famílias acampadas são informadas por um policial não identificado que iriam ser novamente despejadas. Temendo represálias, os acampados recorrem à CPT. “Esta luta já se arrasta por 25 anos e em todo este tempo tem gente morando aqui”, afirma um dos posseiros da área, o trabalhador rural Edinaldo Lê da Silva.
- 21 de maio de 2003: As famílias são novamente despejadas. Desta vez é a empresa Godin Empredimentos imobiliários que diz ter comprado um lote que fica dentro da Fazenda. Mesmo que a liminar seja relacionada a apenas um lote (o de número 228), o juiz manda desapropriar toda a área.
- A prefeitura iniciou um processo de urbanização da área.
- Maio de 2008: A área foi finalmente desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
- Janeiro de 2011: A Juíza da comarca de Mangabeira, Dra. Leila Cristiane Correia, concedeu a reintegração de posse à Família Golveia Falcone e sua Empresa de Empreendimentos Imobiliarios, que havia entrado com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) argumentando de que se trata de uma área urbana, ainda que a área não seja urbana.
Setor de comunicação da CPT NE II