Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Para muitos especialistas, pode ser uma utopia alimentar os nove bilhões de pessoas que, se presume, habitarão o planeta em meados deste século, mas não para o relator da Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação, Olivier de Schutter. Este professor belga dedica-se à agroecologia, especialidade que considera as plantas e seu ecossistema, em lugar de conquistar a natureza e substituí-la por uma tecnologia de laboratório. A reportagem e a entrevista é de David Cronin, da IPS, e publicada pela Agência Envolverde, 29-06-2010.

O armazenamento de água e a rotação de cultivos são recursos da agroecologia para evitar o emprego de “insumos externos”, como o uso de pesticidas. Além disso, é muito menos prejudicial do que a agricultura intensiva, que prevalece no mundo, e tem maior rendimento, segundo seus defensores. A estratégia sustentável pode oferecer quase 80% mais de alimentos do que a agricultura “convencional”, afirma uma pesquisa feita pela Universidade de Essex, na Grã-Bretanha.

Eis a entrevista.

A agroecologia pode acabar com a fome no mundo?

Não é o caso de não se beneficiar de avanços modernos, mas de adotar a melhor tecnologia que os agricultores tenham desenvolvido, produzir no âmbito local os insumos necessários para fertilizar o solo e incentivar os cultivos, o que aumenta muito a produção. Com a agroecologia pode-se aumentar a produção, em média, 70%, concluiu o estudo feito em 57 países por Jules Pretty e sua equipe da Universidade de Essex.

A produção de alimentos se concentra em poucas empresas. O que pode ser feito para reverter a situação?

Foi um erro ter levado técnicas de laboratório para o terreno, sem considerar as necessidades dos agricultores. São necessárias decisões políticas muito mais transparentes e democráticas. As autoridades não devem ser tão influenciadas pelos interesses corporativos.

Há lugar para fertilizantes químicos e transgênicos na agroecologia?

Não se deve endemoniar os fertilizantes. A agroecologia utiliza adubos orgânicos, embora seja possível o uso de insumos como os fosfatos para revitalizar o solo. Mas a ideia é que a agricultura seja autossustentável. A agroecologia se concentra na planta em seu meio ambiente. Os transgênicos basicamente dissociam um elemento do outro. Com os transgênicos, os agricultores dependem muito de sementes protegidas por direitos de propriedade intelectual, pertencentes a umas poucas empresas, sendo de fato a Monsanto a principal. É uma enorme desvantagem para eles que podem ficar endividados.

Seu antecessor, Jean Ziegler, disse que, cada vez que morre uma criança, é cometido um assassinato. Concorda com ele?

Na essência, sim. Três milhões de crianças desnutridas morrem todos os anos. Além disso, uma em cada três nasceu em um país em desenvolvimento de mãe anêmica. Quando é analisada a sucessão de fatos, descobre-se que na origem há decisões políticas erradas. Sempre se deve olhar além da questão técnica de “por que há fome?” e chegar à explicação política. Como isso pode ocorrer? Meu papel é rastrear as causas.

O bloqueio econômico imposto por Israel a Gaza fez disparar a desnutrição. É um caso de violação do direito à alimentação?

Definitivamente. É óbvio que ao impedir o desenvolvimento econômico, Israel comete uma grave violação a esse direito. Os agricultores não têm insumos nem possibilidades de vender, e 80% da população não tem emprego, o que destroi totalmente essa comunidade.

O Programa Mundial de Alimentos, entre outras agências, afirma que a iniciativa da União Europeia (UE) de promover o uso de biocombustíveis piora a situação, mas esta se nega a mudar de política. O que pensa a respeito?

A principal consequência do maior uso de biocombustíveis é a concentração da terra e a especulação que expulsa a comunidade indígena e pequenos agricultores que vivem de sua produção e que não necessariamente têm títulos de propriedade. Todos os agricultores dos países em desenvolvimento que visitei, e estive em muitos nos últimos anos, se queixam do mesmo. Temem ser expulsos de suas terras e a única razão é a produção de biocombustíveis. O critério de certificação apresentado pela Comissão Europeia, órgão executivo da UE, para garantir que a produção de biocombustível seja sustentada, não leva em conta essa situação. Um dos elementos que a Comissão desconhece é a equidade e a inequidade em áreas rurais. Estou convencido de que, na maioria dos casos, se não em todos, os cultivos para produzir combustíveis beneficiam uns poucos, e não os mais pobres, que são os mais prejudicados.

 
    Grãos perenes, a próxima revolução na agricultura 

Lavouras de grãos perenes, que crescem com menores quantidades de fertilizantes, herbicidas, combustível e menor erosão do solo do que os grãos plantados anualmente, poderiam estar disponíveis em duas décadas, de acordo com estudo [Increased Food and Ecosystem Security via Perennial Grains] publicado na revista Science.

A reportagem é de Henrique Cortez e publicada por EcoDebate, 29-06-2010. Henrique Cortez elaborou o artigo com informações de Eric Sorensen, Washington State University, da Washington State University (WSU).

O desenvolvimento de grãos perenes seria uma das maiores inovações na história da agricultura, mas ainda depende pesquisas e investimento nos tuis programas de melhoramento das espécies potencialmente promissoras.

A questão é delicada e polêmica, em termos de economia global baseada na exportação de produtos agrícolas e enfrenta resistências na agroindústria e na indústria agroquímica. Os autores do estudo destacam que grãos perenes poderiam ampliar a capacidade dos agricultores em sustentar as bases ecológicas de suas colheitas.

Ao mesmo tempo, poderiam oferecer uma proteção e um estímulo adicional à plena utilização de de terras marginais, em risco de serem degradadas pela produção anual de grãos.

“As pessoas falam sobre a segurança alimentar”, diz John Reganold, professor e pesquisador da Washington State University (WSU). “Isso é apenas metade do problema. Precisamos falar tanto a segurança alimentar e do ecossistema.”

Os grãos perenes, dizem os autores, têm períodos de crescimento maiores do que as culturas anuais e suas raízes são mais profundas, o que permite às plantas tirarem o maior partido da precipitação. Suas raízes maiores, que podem chegar a 3 a 4 m. de profundidade, reduzem a erosão, são mais eficientes em relação ao aproveitamento dos nutrientes no solo, ao mesmo tempo em que tendem a sequestrar maior quantidade de carbono da atmosfera.

Por serem perenes também exigem menos passagens de equipamentos agrícolas e menos herbicidas. Em termos comparativos, os grãos anuais podem desperdiçar cinco vezes mais água que as culturas perenes e 35 vezes mais nitrato, um nutriente importante para as plantas, que pode ‘migrar’, a partir de campos, para os cursos d’água, contaminando a água potável e criando “zonas mortas” em águas de superfície.

“O desenvolvimento de versões perenes, de nossa produção de grãos, resolveria muitas das limitações ambientais das culturas anuais, ajudando a alimentar um planeta cada vez mais faminto”, diz Reganold.

A pesquisa para o desenvolvimento de grãos perenes está em curso na Argentina, Austrália, China, Índia, Suécia e Estados Unidos.

Os autores afirmam, ainda, que as pesquisas em grãos perenes poderia ser acelerada com mais recursos, pesquisadores, terra e tecnologia em programas de melhoramento. Defendem um esforço de pesquisa semelhante ao atualmente despendido na base biológica de combustíveis alternativos.

 

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