Emblema da desordem que os técnicos do CNJ encontraram nos cartórios, especialmente nos de registro imobiliário, a propriedade tinha originalmente 75.190 hectares. Graças à manipulação irregular dos números anotados nos livros de registro do cartório de Vitória do Xingu, município de 12 mil habitantes vizinho a Altamira, o tamanho da fazenda foi multiplicado por 5.400, chegando à marca dos 410 milhões de hectares. Se existisse no tamanho anotado no cartório, a fazenda nem sequer caberia no Estado do Pará - a área é equivalente a praticamente a metade dos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro.
Em relatório enviado aos conselheiros do CNJ, a equipe anotou: "O conjunto de erros, falhas, vícios e infrações encontradas autorizam asseverar que a situação dos serviços de registro de imóveis naquela unidade federativa é gravíssima". O documento observa que a situação abre caminho "para que se consolide a desordem fundiária, com a prática de fraudes que potencializam o conflito pela posse e domínio da terra no campo".
Casos de terras infladas no papel são comuns, mas esse não é o único problema. Naquele pedaço da Amazônia Legal onde, por natureza, já é difícil ter idéia de onde começam e terminam as propriedades, públicas ou privadas, os inspetores do CNJ constataram que os cartórios facilitam a vida dos fraudadores. Os títulos de terras são emitidos aos montes, sem qualquer rigor. Na prática, atestam "propriedades virtuais", muitas das quais se sobrepõem umas às outras.
Muitas vezes, as irregularidades são patrocinadas por quem deveria combatê-las. O cartório de Vitória do Xingu, onde apareceu o registro da fazenda do tamanho de meio Brasil, foi aberto para lavrar certidões de nascimento e acabou autorizado, posteriormente, a funcionar também como registro imobiliário. O aval partiu da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Pará, justamente o órgão que, legalmente, deveria fiscalizar a atividade.
A inspeção, realizada em julho passado, encontrou um Brasil perdido no tempo. Nos cartórios não há computadores. Muitos dos livros onde são anotadas as escrituras estão caindo aos pedaços. Durante o périplo pelo interior do Pará, os inspetores do CNJ contaram com proteção constante de policiais federais. Ali, não raro as disputas por terras se traduzem em violência. O caso da missionária americana Dorothy Stang, morta em 2005 em Anapu, região de Altamira, é só um exemplo.
Fonte: Estado de São Paulo