Fonte: Diário do Nordeste, Fortaleza, CE
Qual a importância do programa ´Mais Alimentos´ lançado esta semana, em Brasília, no sentido de minimizar os efeitos da crise mundial de alimentos, cujos principais efeitos no Brasil começam a ser sentidos na elevação dos preços de produtos básicos, como arroz, feijão, leite e carne?
A principal estratégia do governo federal para enfrentar as alterações inflacionarias que são grandes e mundiais, inclusive, é partir para a maior produção de alimentos. Por isso, o presidente Lula lançou, no dia 3, em Brasília, o Plano de Safra da Agricultura Familiar que contempla o programa ´Mais Alimentos´.
O senhor poderia explicar como o programa vai funcionar na prática?
É um programa que tem como objetivo ampliar a produção dos alimentos básicos de consumo da população, em outras palavras, aqueles que impactam a inflação. A proposta do governo é partir para uma modernização acelerada da agricultura familiar nos assentamentos da reforma agrária. Quem produz os alimentos consumidos todos os dias na dieta dos brasileiros são os agricultores familiares assentados pela reforma agrária. Daí o governo apostar neste setor.
Quanto o governo disponibiliza ao programa?
Estamos atuando no Plano de Safra 2008/2009 com R$ 13 bilhões. A principal inovação é uma linha de crédito para investimentos, paralela ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), onde cada agricultor familiar vai poder tirar um financiamento de até R$ 100 mil, com taxa de juros de 2% ao ano. Os agricultores terão três anos de carência e, até 10, para pagar. O importante é a que possam modernizar a agricultura rapidamente. Ou seja, comprar um trator e outros equipamentos.
Como o governo pretende fazer para possibilitar a modernização da agricultura brasileira em tempo recorde?
Fechamos um acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que vai entregar tratores até 15% mais baratos. Contrato semelhante foi firmado com a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) para a venda de equipamentos agrícolas a preços mais baratos. A gente espera, a partir de uma modernização rápida da agricultura familiar e dos assentamentos de reforma agrária, aumentar também a produção de alimentos básicos no País.
O senhor estima em quanto este incremento?
A expectativa é que a gente consiga, dentro três anos, aumentar em 19 milhões de toneladas a produção de alimentos no País.
Quanto é a produção atual de alimentos no Brasil?
Depende do tipo de produto considerado. De uma lista de 15 produtos pretendemos aumentar em 19 milhões. Os principais são: leite, milho, aves, trigo, mandioca, arroz, feijão e hortifrutigrangeiros. São os produtos que formam a dieta básica da população brasileira.
Um dos grandes problemas no Brasil é a fome. A crise de alimentos poderá comprometer ainda mais a dieta dos brasileiros?
Esta é a preocupação. As pressões inflacionárias, ou seja, o aumento dos preços dos alimentos prejudicam, primeiro, os setores da população que não têm renda. Os mais pobres sofrem mais, e sofrem primeiro. É por esse motivo que o governo se preocupa em criar mecanismos para que estas pressões sobre os preços não venham a prejudicar as camadas mais pobres da população brasileira.
Como o governo pretende fazer para conter a inflação nos preços dos alimentos?
A idéia é produzir alimentos suficientes para ter políticas de estoque regulador e aumentar os preços mínimos. Assim o governo federal poderá enfrentar estas oscilações de preços, de forma que não tenham repercussão na vida das pessoas que trabalham e vivam de salários.
Qual a estratégia do governo para equacionar o problema da crise de alimentos quando, cada vez mais, a população do campo migra para os centros urbanos?
Não se pode mais afirmar que as pessoas estão deixando o campo. As últimas informações que a gente tem sobre os dados prévios do Censo Agropecuário, já que as informações definitivas devem ser divulgadas em outubro, indicam que houve uma interrupção da migração do campo para a cidade. Nos últimos anos, aumentou em quase 500 mil o número de novos proprietários do campo, diminuindo também o tamanho das propriedades. Esta realidade é muito importante para um país como o Brasil.
Por quê?
A falta de política agrária no País, durante muitas décadas, expulsou milhares de famílias do campo para a cidade. Muitas foram ampliar ou constituir os cinturões de misérias nas grandes capitais ou nas regiões metropolitanas. Mas, nos últimos anos, este processo foi estancado.
A tendência à urbanização é mundial...
O governo brasileiro passou a investir muito em agricultura familiar e reforma agrária, e isso tem dado outra condição de estabilidade ao campo. Hoje, as pessoas têm mais crédito, como por exemplo, o Pronaf, que beneficia todo o conjunto da população. Contam com assistência técnica, seguro agrícola e programa de comercialização.
Tudo isso dá muita tranqüilidade, muita segurança a quem está produzindo. Muitas pessoas estão fazendo o caminho inverso, ou seja, agora estão voltando para o campo.
Mas os pequenos produtores continuam reclamando das taxas dos juros e das exigências dos bancos. O perfil do Pronaf não contempla os pequenos agricultores familiares?
São duas situações distintas. Temos que separar o Pronaf do comportamento de alguns bancos e de algumas agências. O Pronaf atua, hoje, com juros de até 0,5% para camadas menores. É juro irrisório, negativo. As condições do Pronaf são extraordinárias. Não existe nenhum setor da economia brasileira, atualmente, que ofereça financiamento a taxas mais vantajosas do que o Pronaf. A agricultura familiar e os assentados da reforma agrária têm os melhores financiamentos de toda a economia brasileira.
Por que, então, eles continuam reclamando?
O que acontece, e a gente tem que denunciar para impedir que isso aconteça, é que, alguns gerentes de bancos, quando o agricultor vai buscar o financiamento do Pronaf, colocam como condição a compra de produtos do banco. Isso é ilegal e criminoso tanto com o Pronaf, quanto com os agricultores familiares. Mas as condições do Pronaf são muito vantajosas, como a nova linha de financiamento criada para investimento de até R$ 100 mil por família. São condições muito favoráveis mesmo.
Qual a avaliação que o senhor faz da reforma agrária até agora? O governo poderia ter feito mais?
A reforma agrária no governo Lula foi cercada de muita expectativa. E esta expectativa varia de pessoa para pessoa, setor para setor, e tem deformado muito um balanço da reforma agrária. Tenho insistido muito e repassado este número pelos lugares por onde passo, por considerar importante saber a intensidade daquilo que está sendo feito.
O senhor poderia expressar este balanço em números?
O Brasil tem, hoje, em torno de 900 mil famílias assentadas. Este número representa o que se fez de reforma agrária em toda a história brasileira. Deste total de famílias, 550 foram assentadas nos últimos cinco anos. Ou seja, nos últimos cinco anos, se fez mais pela reforma agrária no País do que tinha feito em toda a história anterior. Respeito as pessoas que tinham uma expectativa superior e defendem que a gente poderia ter feito mais. Também gostaria de ter feito mais. É extraordinário o avanço da reforma agrária nos últimos cinco anos do governo Lula.
Como o senhor avalia a participação do MST no processo de reforma agrária?
Tenho muito respeito tanto pelo MST quanto pela sua história política. Acho que reforma agrária se faz com os movimentos sociais. Um governo sozinho não faz reforma agrária. É importante a ação do MST, da Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura] e Fetrap [Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul] e dos movimentos sociais para que a gente possa trocar experiência, conhecimento e fazer uma reforma agrária à altura das melhores expectativas. Gosto de trabalhar com o movimento social e considero isso importante para a democracia. Por isso, defendo que, especialmente, a reforma agrária deve ser feita junto com os movimentos sociais.
Qual o principal problema da Amazônia hoje e como o Ministério do Desenvolvimento Agrário poderia trabalhar para garantir os direitos dos povos da Amazônia e a conservação do ecossistema?
O problema fundamental da Amazônia é a regularização fundiária. A malha fundiária da Amazônia permanece, ao longo dos anos, numa enorme instabilidade jurídica. Estamos fazendo um trabalho no sentido de promover a regularização fundiária e com isso contribuir para o controle do desmatamento.
IRACEMA SALES
Repórter