O ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, disse ontem à Folha que tem de 95% a 97% de segurança de que os dados sobre o desmatamento da Amazônia do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) no final de 2007 estão certos. O instituto, cujos dados têm sido objeto de dúvida do governo de Mato Grosso, do Ministério da Agricultura e até do presidente Lula, é subordinado à pasta de Rezende.
"Em ciência nunca há 100% de certeza", afirmou o ministro, que é físico. Mas ele disse estar seguro dos dados. "É curioso que, quando o Inpe informava que o desmatamento estava caindo, ninguém questionava o dado." Questionado sobre qual margem de erro aplicaria aos dados, Rezende respondeu: "De 3% a 5%". As declarações do ministro foram dadas após conversa com Gilberto Câmara, diretor do Inpe, que o sobrevoou ontem por quase duas horas, com um helicóptero militar, áreas que, segundo seus dados do instituto, teriam sido desmatadas no município de Marcelândia (870 km de Cuiabá) -líder do ranking dos 36 mais devastados nos últimos cinco meses de 2007. A observação aérea constatou a degradação prevista na análise do instituto.
Mesmo assim, o Inpe concordou ontem em fazer uma conferência dos dados referentes ao desmatamento detectado em Mato Grosso entre os meses de outubro e dezembro de 2007 pelo sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real). A forma de analisar os dados, no entanto, será mantida. "Conferência é diferente de revisão. Nós temos confiança de que nossos dados estão corretos", disse Câmara. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia dado ordem para que a Polícia Federal e os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura verificassem em campo se de fato houve aumento do ritmo de desmatamento da Amazônia nos últimos cinco meses de 2007. O avião que transportou Câmara ontem levava também uma comitiva liderada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e pelo governador de Mato Grosso, Blairo Maggi.
"O que nós não vamos é ficar discutindo se o desmatamento está aumentando ou não", disse Marina. "Vamos agir com sentido de urgência. Neste ano, com maior rigor." Ao chegar a Marcelândia para se juntar à comitiva, Blairo Maggi disse ontem serem "imprecisos" os dados obtidos pelo sistema Deter. "Não se pode dizer qual é o tamanho da área desmatada simplesmente pelos dados do Deter. Esses possíveis pontos têm de ser checados em campo." Segundo Maggi, é grande a possibilidade de que tenham se repetido, no levantamento divulgado na semana passada, os erros já admitidos pelo Inpe no período de agosto e setembro -quando só 20% dos pontos de possível desmatamento recente foram constatados em campo. "Não quero que o Estado pague por aquilo que não fez."
A viagem da comitiva, concluída em Sinop (MT), não foi acompanhada pela imprensa. Em outro avião saindo de Cuiabá, a Folha refez parte do trajeto, ao lado do superintendente de Infra-estrutura da Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente), Salatiel Araújo. O sobrevôo seguiu em direção a um desmatamento estimado pelo Inpe em 4.000 hectares -a maior área contínua de derrubadas no Estado, entre agosto e dezembro, segundo o Deter. A área, na visão de Araújo, sintetiza bem a discrepância dos dados. No local, ocorreu uma queimada.
"Podemos discutir se o fogo pode ser intencional ou não, mas o fato é que não houve desmatamento aqui. Essa é uma área que já vinha sofrendo exploração seletiva de madeira há muito tempo, já estava enfraquecida, e sofreu com o fogo", disse o superintendente, diante do cenário de árvores esparsas e de aparência seca que entrou nos registros do Inpe como uma derrubada.
"Não é uma queimada natural", disse Câmara em Brasília, ao voltar do sobrevôo. "A metodologia do Inpe considera áreas desmatadas as que estão suficientemente degradadas. Considerar [isso] como queimada é um sofisma."
O jornalista RODRIGO VARGAS viajou de avião nos trechos Cuiabá-Marcelândia e Marcelândia-Sinop a convite do governo de Mato Grosso.
Alerta para desmate foi excesso, diz Lula
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou ontem que considerou exagerado o "alarde" feito em torno dos números sobre o aumento do desmatamento na Amazônia. Ao fim de um almoço no Itamaraty, ele se referiu à divulgação dos dados na semana passada como um "tumorzinho" que, antes do diagnóstico, foi tratado como câncer. Também criticou a postura das ONGs e disse que não dá para culpar "soja, feijão, gado ou sem-terra" pelo desmatamento sem antes investigar o que aconteceu. "O que aconteceu, na minha opinião, eu não sou comunicador, posso estar errado... você vai no médico detectar porque você está com um tumorzinho aqui e, ao invés de fazer biópsia e saber como vai tratar, você já saiu dizendo que estava com câncer", afirmou.
Segundo Lula, como em 2006 o desmatamento tinha diminuído muito e em 2007 cresceu, "se alardeou que estava crescendo". Na entrevista, o presidente contou que na semana passada, em reunião no Planalto, questionou o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se os dados divulgados significavam que o Brasil chegaria ao final do ano com um desmatamento maior.
"E ele falou: "Não". E eu falei: "Então por que vocês falaram'? Na verdade, eles queriam alertar de que a gente não pode se descuidar de controlar a Amazônia", concluiu Lula, insistindo que os dados divulgados tratam de um corte trimestral e que, segundo ele, até o final do ano podem ser revertidos.
O presidente evitou, entretanto, classificar de erro a postura de seus subordinados. E negou que a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) tenha chamado a atenção dos dados para evitar cortes no orçamento de sua pasta. Na semana passada, o Inpe anunciou ter registrado a derrubada de 3.235 km2 de floresta na Amazônia nos últimos cinco meses de 2007. O Ministério do Meio Ambiente disse que a área real devastada entre agosto e dezembro pode ter alcançado o dobro disso.
Gado, soja e sem-terra
Ontem, Lula entrou na polêmica sobre as causas do desmatamento e defendeu os produtores de soja, pecuaristas e sem-terra. "Eu disse na reunião [no Planalto] o seguinte: a gente não pode culpar soja, feijão, gado, sem-terra, não pode culpar ninguém antes de a gente investigar o que aconteceu. Por fotografia você tem apenas a imagem, você não tem o que aconteceu". "Tivemos um problema de maior seca que pode ter sido um incentivo, o dado concreto é que foi um alerta. Isso mostra que o governo precisa acender todas as lanternas para não permitir que continue crescendo", acrescentou.
O presidente citou que o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi - "um parceiro nosso" -, discorda dos números e do fato de a soja ser citada como culpada. Maggi é um dos principais exportadores de soja do mundo, mas Lula desconversou ao ser lembrado disso. "O que nós temos de ver? Temos que ir em cada Estado que teve problema, fazer levantamento, mapear, fotografar, conversar, detectar quem é o dono da terra. Se tiver alguém que fez uma queimada ilegal, eu defendo que esse cidadão sofra um processo para perder sua propriedade. As pessoas têm que aprender que no país tem lei e tem regras e que as pessoas precisam aprender."
Lula disse ainda que "topa brigar" com as ONGs que têm feito críticas ao governo e sugeriu que os integrantes destas organizações deveriam primeiro "plantar árvores no país deles". Foi confrontado com o fato de que as ONGs em questão são brasileiras, mas não respondeu. Também afirmou ter sugerido a Marina que fizesse reunião com governadores e prefeitos de locais com problemas, para traçar ação conjunta. "Tudo isso é controlável", disse.
À noite, em evento em São Paulo, Lula voltou a usar uma metáfora "clínica" para se referir ao desmatamento, desta vez trocando tumor por coceira. "É como se você tivesse uma coceira e achasse que é uma doença mais grave." Colaborou ANA PAULA BONI, da Reportagem Local
Folha de São Paulo, 31/01/2008.