Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Aumento da violência entre ruralistas e sem-terra teve saldo de três mortes só na semana passada no Pará e no Paraná.Empresas de segurança assumem o papel de polícia e desocupam propriedades; milícias invadem fazendas e fazem ameaças a ruralistas.

Fazendeiros e sem-terra acirram a disputa armada no conflito agrário no Brasil. Empresas de segurança assumem o papel da polícia e desocupam propriedades rurais invadidas no Paraná. Grupos encapuzados e fortemente armados servem como espécie de equipe precursora de sem-terra invasores no Rio Grande do Sul.

"Jagunços" são contratados a R$ 50 por dia em Pernambuco para proteger usinas de açúcar. No Pará, milícias armadas montam guarda na entrada de fazendas.

O saldo desse acirramento, somente na semana passada, foi de três mortes. Começou no último domingo, quando um sem-terra e um vigilante morreram durante tiroteio após invasão da fazenda da multinacional suíça Syngenta Seeds, na região de Cascavel (PR).

Na terça-feira, um líder sem-terra foi morto a tiros em emboscada em Dom Eliseu (PA). Manuel da Conceição Cruz Filho, da Fetraf (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar), havia liderado invasão de terra três meses antes.

Terceirização

O confronto entre militantes da Via Campesina e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e vigilantes da fazenda da Syngenta em Cascavel ainda evidenciou a "terceirização" do serviço de despejo de propriedade rurais invadidas. A segurança da fazenda era feita pela empresa NF Segurança, cuja atuação -após as duas mortes- é alvo de inquérito da Polícia Federal.

Outro registro oficial da atuação da NF em ação de despejo ocorreu em abril, em Lindoeste (PR). Alessandro Meneghel, presidente da Sociedade Rural do Oeste, confirma que, a pedido do dono da fazenda, mandou seguranças retirarem cerca de 120 sem-terra do local.

O delegado José Iegas, da Polícia Federal em Cascavel, diz que o uso de empresa privada para fazer despejos é "inteligente" porque o mandante "pode dizer que foram os seguranças que se excederam" e se eximir da responsabilidade.

"Eles [sem-terra] estão se preparando [para o conflito]. E nós também", diz o ruralista Meneghel. "Continuaremos defendendo as propriedades, porque o governo do Estado não faz isso."

No Pará, o Sindicato Rural de Redenção (916 km de Belém) comunicou ao Ministério da Justiça na semana passada a ação de milícias armadas -compostas de 15 a 60 homens- que estariam invadindo propriedades e ameaçando fazendeiros no sudeste do Estado. A Polícia Civil apura o caso. Na avaliação de Rosângela Hanemann, presidente do sindicato de proprietários, "os movimentos sociais estão se militarizando e criando verdadeiras guerrilhas".

Outra denúncia de uso de armas por sem-terra está sendo investigada no Rio Grande do Sul. A Brigada Militar (a PM gaúcha) afirma que invasões do MST no Estado são precedidas pela atuação de um grupo de homens armados e encapuzados que expulsam funcionários das propriedades e abrem caminho para militantes do movimento, desarmados. O MST nega.

Jagunços No Estado de Pernambuco, dois tipos de segurança rural predominam -a legalizada, formada por integrantes de empresas especializadas, e as informais, formada por "jagunços", que fazem ações por até R$ 50 por dia.

Neste ano, o Ministério Público do Estado já flagrou a presença de jagunços em duas fazendas. Foram apreendidos quatro revólveres, uma espingarda e munição. Quatro pessoas foram presas.

Entre os sem-terra, não há registro do uso de armas em Pernambuco.

Em São Paulo, a coordenação do MST no Pontal do Paranapanema (oeste do Estado) afirma que fazendeiros da região mantêm seguranças "prontos para agir" em casos de invasão.

Desde novembro do ano passado, quatro incidentes envolvendo armas de fogo foram registrados na região. A UDR (União Democrática Ruralista) nega que haja milícias ali.

Folha de São Paulo,(JOÃO CARLOS MAGALHÃES, SÍLVIA FREIRE, MATHEUS PICHONELLI, SIMONE IGLESIAS, FÁBIO GUIBU E CRISTIANO MACHADO).

Data:28/10/2007

Conflito no Paraná expõe trajetórias de vida opostas

Disputa fundiária contrapõe as histórias de dois líderes

JOÃO CARLOS MAGALHÃES

DA AGÊNCIA FOLHA, EM CASCAVEL

O fazendeiro Alessandro Meneghel, 42, nasceu em família de fazendeiros, casou-se com filha de fazendeiro e ajudou a fundar, aos 13 anos, a Sociedade Rural do Oeste, entidade ruralista de Cascavel (PR) da qual é presidente.

O sem-terra Valmir Mota de Oliveira, 32, o Keno, nasceu em família de sem-terra, uniu-se a uma sem-terra e entrou no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) aos dez anos, quando o pai, semi-analfabeto, tentava sustentar os outros 13 filhos, entre adotados e biológicos.

As trajetórias opostas de Keno e Meneghel, dois dos principais líderes que a disputa fundiária no oeste do Paraná produziu, são a imagem do conflito agrário na região, cujo cenário atual foi forjado com a criação, em 1984, do MST -num encontro de sem-terra de 12 Estados em Cascavel. Keno, o sem-terra, morreu no último domingo, em tiroteio com vigilantes da fazenda experimental da multinacional suíça Syngenta Seeds, em Santa Tereza do Oeste (PR). Por ser presidente da sociedade ruralista, Meneghel é acusado, por militantes sem terra, de ter ordenado o ataque -ele nega.

"Meu pai, um homem honesto, chegou aqui na década de 1970, e abriu todo esse campo", diz Meneghel, enquanto dirige uma camionete Mitsubishi L200 de R$ 90 mil e aponta para a sua fazenda de 5.000 hectares, onde planta feijão, milho e trigo e colhe rendimento de cerca de R$ 1,2 milhão anuais.

Sua família já tinha uma usina de cana-de-açúcar em Bandeirantes (PR), quando seu pai comprou a terra. Nunca foi invadida, ele diz, "por causa da nossa fama de bravos".

Em Cascavel, Meneghel é tido como extravagante, falastrão e violento, capaz de, por exemplo, entrar em uma boate à cavalo atirando. "É tudo lenda", afirma. Mas ele assume que tem coleção de 12 armas e que responde a pelo menos cinco processos penais.

Sua filha se formou dentista e casou com um agrônomo -que já trabalha na fazenda de Meneghel. O filho estudou na Suíça, cursa administração de empresas em Londrina (PR) e deve assumir parte dos negócios da família. Os nomes dos dois estão tatuados nos pulsos de Meneghel.

Se dependesse da vontade de Keno, seus filhos Vladimir e Carlos Eduardo, que têm menos de dez anos, também darão continuidade a seu trabalho. "Ele sempre dizia que queria que os meninos fossem educados com as idéias do movimento", diz sua viúva, Íris de Oliveira. Eles se conheceram em Açailândia (MA) em 1998, para onde ele tinha ido ajudar a organizar militantes sem-terra. Desde os 18, não trabalhava com o pai.

Ela gostou do que lhe pareceu um "um homem com um sonho, uma vontade muito grande de Justiça". "Eu vou continuar o que ele deixou. E os meninos também."

 

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