Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Dois ônibus foram apreendidos quando transportavam ilegalmente trabalhadores do nordeste para o corte da cana em São Paulo

Na última segunda-feira, 23, foram apreendido no Sertão de Pernambuco, dois ônibus que levavam irregularmente 94 trabalhadores e trabalhadoras rurais para trabalhar no corte da cana-de-açúcar em São Paulo. Os ônibus foram parados pela fiscalização da Polícia Rodoviária Federal de Pernambuco no município de Serra Talhada, distante 412 quilômetro do Recife.

Os dois ônibus, que seguiam para a Usina Santa Izabel, no município de Novo Horizonte (SP) estavam sem registro e sem autorização da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) para transportar os/as trabalhadores/as. Entre as 94 pessoas estavam duas mulheres e duas crianças, os trabalhadores estavam sem carteira assinada e sem as demais exigências requeridas pela DRT para este tipo de viagem. As exigências da DRT servem para inibir a prática de trabalho escravo ou sem as garantias trabalhistas, que aumentam com a migração dos trabalhadores do nordeste para os estados do sudeste e centro-oeste, na época da entre safra da cana-de-açúcar nordestina.

Os trabalhadores foram aliciados em várias cidades de Pernambuco e da Paraíba, dentre elas Água Branca, Tavares e Juru, localizadas na divisa entre dois estados e, Serra Talhada e Ibimirim, no Sertão pernambucano. Segundo o Agente Macedo, da Polícia Rodoviária Federal de Pernambuco, o sertão do estado é lugar de aliciamento dos trabalhadores e rota para os ônibus clandestinos. “Quando paramos o ônibus desconfiamos que se tratava de trabalhadores rurais, mas a pessoa responsável pela empresa de transporte falava que era um passeio turístico, até que em entrevista com os trabalhadores, foi revelado o destino deles”, conta Macedo.

A Polícia Rodoviária Federal autuou a empresa de ônibus por não ter as documentações necessárias para o transporte de trabalhadores e entrou em contato com a Delegacia Regional do Trabalho. O Sub-delegado do Ministério do Trabalho de Caruaru e Região, Francisco Reginaldo Rodrigues, chegou a Serra Talhada na terça-feira, quando iniciou os trabalhos para apuração do caso.

Segundo Rodrigues, a Usina Santa Izabel foi enquadrada em quatro irregularidades, Art. 41 da CLT, falta de registro trabalhista, Art. 13 da CLT, falta de anotações na carteira de trabalho, Art. 168 da CLT, falta de exame médico para admissão e Art 444 da CLT, que trata dos descumprimentos das leis trabalhistas.

Ainda de acordo com Rodrigues, a Usina foi obrigada a fazer o registro de 85 dos 94 trabalhadores (os demais não tinham os documentos necessários), assinar as carteiras, fazer os exames médicos, devolver o dinheiro, R$200,00, indevidamente cobrado aos trabalhadores pela viagem e ainda obrigou a Usina a se comprometer com a alimentação, alojamento e transporte de ida e de volta dos trabalhadores. “Eu não sou contra a migração dos trabalhadores, desde que seja feita com as devidas garantias trabalhistas. Sé eles querem levar trabalhador para seus estados, já que lá não têm, que custeiem todas as despesas e dê todas as garantias”, argumenta Rodrigues.

Os trabalhadores ficaram em um alojamento da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape) até hoje, 27, quando toda a situação foi regularizada e eles puderam seguir viagem.

De acordo com os representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Serra Talhada e da Fetape, os trabalhadores que já foram outras vezes para a Usina Santa Izabel, em São Paulo , relataram que além de pagar a passagem de ida, pagavam também o aluguel de uma casa da própria usina onde eles ficam alojados. O rendimento médio por trabalhador, ainda segundo os relatos, é de quinhentos reais por safra e a carga-horária diária é de mais de oito horas.

Segundo informações da Fetape, nos casos de trabalhos temporários como este, a usina que contrata os serviços deve fornecer as passagens e deve também assinar a carteira de trabalho dos/as cortadores/as ainda no seu estado de origem. Estas são algumas das práticas exigidas pela DRT para que sejam cumpridas as garantias trabalhistas dos cortadores de cana.

Para Antônio Filho, da Fetape de Serra Talhada, as viagens para o corte da cana em outros estados é uma preocupação constante da Federação. “O destino de quem vai é incerto. Alguns já conhecem o esquema, outros vão sem saber de nada. Muitos adoecem pelas péssimas condições de trabalho e não têm recurso para voltar para casa. É triste”, desabafa Antônio.

Dados do Trabalho Escravo - De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra, Conflitos o Campo Brasil 2006, lançado em abril, só no ano passado, 6.930 trabalhadore/as rurais foram encontrados em 262 imóveis rurais, em situação de trabalho escravo ou análogo ao escravo. Os números são ainda maiores se considerarmos a superexploração do/a trabalhador/a; em 2006 foram registrados 7.078 vítimas da superexploração maior número desde que a CPT começou a incluir este tipo de documentação nas situações de conflitos no campo. No primeiro ano, 2000, foram 748 vítimas da superexploração, no segundo ano 1.367, no terceiro ano 548, no ano seguinte, 2003, foram 1.908, em 2004, 3.870 e em 2005, 3.069. Segundo a coordenadora da CPT Nordeste II, Marluce Melo, o número de casos de trabalhadores explorados pelos usineiros vem aumentando com a expansão do plantio de cana-de-açúcar para produção do álcool. Durante a safra nordestina, que acontece de setembro a janeiro, os usineiros buscam trabalhadores na região do sertão para trabalharem no corte na zona da mata. “Estes trabalhadores são enganados e não recebem seus salários, ficam alojados em galpões com péssimas condições, sem água, sem banheiro. Na entre safra, os trabalhadores nordestinos migram para as regiões sudeste e centro-oeste com promessas de bons salários, porém, em boa parte das vezes, são submetidos à condição de escravo”, conta a coordenadora da CPT.

Ainda de acordo com Marluce Melo, a CPT faz várias denúncias destas viagens clandestinas de trabalhadores rurais para o corte de cana, mas são raras as vezes que os órgãos responsáveis tomam a atitude de fiscalizar. “Se o futuro do Brasil for se manter na liderança da produção do etanol, para os trabalhadores e trabalhadoras rurais o futuro será o passado, será a volta à escravidão”, preocupa-se Melo.

Contexto zona da mata - Historicamente, a Zona da Mata de Pernambuco, é marcada pela monocultura da cana-de-açúcar, pela exploração da mão-de-obra e pela devastação do meio ambiente, as duas últimas, ligadas ao modelo de produção do açúcar e do álcool no estado. A atividade sucro-alcooleira em Pernambuco e no Nordeste como um todo, possui um histórico secular de violações aos direitos humanos - em todas as suas dimensões - de concentração fundiária, de concentração de renda e de geração de alguns dos piores indicadores mundiais na questão social. O cenário atual aponta para profundas preocupações com a retomada dos investimentos no plantio de cana, sinalizando para uma nova expansão do modelo concentrador através de elevados investimentos na atividade do plantio e na implantação de novas indústrias e ampliação das existentes, agravando os sérios impactos negativos na situação dos trabalhadores rurais e no meio-ambiente.

Na safra, os trabalhadores recebem baixos salários e, na maioria das vezes, sem carteira assinada e sem nenhum beneficio social. Na entressafra, milhares de trabalhadores migram pra regiões sudeste e centro oeste para serem submetidos à escravidão como vem sendo comprovado pelo Ministério Público de São Paulo, Mato Grosso, Goiás e Rio de Janeiro.

Fonte: CPT Nordeste II

 

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