Pobreza emperra economia no campo
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ALIANÇA (PE) - O Nordeste é uma das regiões mais pobres do Brasil e guarda contrastes. Apesar de ter o terceiro maior Produto Interno Bruto regional do País (R$ 214,5 bilhões), à frente do Centro-Oeste
(R$ 116,1 bilhões) e do Norte (R$ 77,4 bilhões), concentra os piores
Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), medidos pela ONU, em dados de
2000. Das cinco cidades com pior IDH municipal no Brasil, quatro ficam
no Nordeste: Manari, em Pernambuco, com IDH de 0,467, Traipu, em
Alagoas (0,479), Guaribas, no Piauí (0,479), e Centro do Guilherme, no
Maranhão (0,484). O melhor IDH entre as cidades brasileiras é de São
Caetano do Sul (SP), com 0,919.
A probreza nordestina tem raízes históricas, e os indicadores pioram
muito nas zonas rurais. Mas quais fatores roubam da população rural do
Nordeste a capacidade de gerar a renda do próprio sustento? Em busca
das respostas para essa pergunta, uma pesquisa realizada no
Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
pelo professor Luiz Honorato, encontrou respostas que seriam óbvias se
não fossem tão negligenciadas. A falta de escolaridade formal é fator
mais relevante nas chances de um morador de áreas rurais se tornar
pobre, à frente de cor, idade sexo e local de nascimento.
O estudo analisou resultados da Pesquisa Nacional por Amostras de
Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), nos anos de 1992, 1995 e 1999. Luiz Honorato constatou que as
chances de um homem de idade entre 30 e 50 anos, trabalhador agrícola
e com nenhum ano de escolaridade formal, ser pobre no Nordeste era de
51% em 1992. Ter o Ensino Fundamental completo (até a oitava série)
fazia essas chances caírem para 22%. O Ensino Médio completo derruba a
propabilidade para 10% e o Ensino Superior, para 1,6%.
O professor destacou o fato de que, apesar de terem maior índice de
escolaridade, as mulheres têm maior probabilidade de serem pobres. No
caso do indivíduo típico da pesquisa - entre 30 e 50 anos, trabalhador
agrícola, sem nenhuma escolaridade formal, as chances passam de 51%
para 52% no caso das mulheres. “E esse aumento de risco para o sexo
feminino se repete em todas as comparações. As mulheres estão sempre
em condições piores”, comenta Honorato.
Estatísticas
Apesar das imagens da pobreza nordestina estarem sempre vinculadas à
seca nos rincões do Sertão, não é preciso ir muito longe do Centro do
Recife para ver as estatísticas encontradas pela pesquisa se
materializarem em famílias inteiras sem acesso à escola e com renda
menor que um salário mínimo. A renda individual de, pelo menos, R$ 350
foi a linha de pobreza arbitrada pelo estudo.
No assentamento Belo Horizonte, em Aliança, Zona da Mata Norte do
Estado, distante 79 quilômetros do Recife, vivem e trabalham 30
famílias. Entre os chefes dessas famílias - todos homens - apenas três
completaram até a 4ª série do Ensino Fundamental e nenhum conseguiu
completar os estudos do período. A renda dessa famílias vêm da
comercialização dos produtos cultivados no local, como inhame, batata
doce e macaxeira, E o valor varia entre as famílias, mas são poucos os
que conseguem mais do que R$ 75 por semana.
Educação básica é foco de programas
ALIANÇA (PE) - Dois programas de educação, realizados em parceria
entre o Ministério da Educação e os estados e municípios, tentam
preencher as lacunas deixadas pela falta de políticas específicas para
o processo educacional no campo. O programa Escola Ativa foi trazido
da Colômbia para o Brasil com apoio do Banco Mundial e tem como foco a
ação na Educação Básica.
O projeto Saberes da Terra está sendo implantado desde agosto, em
parceria com os movimentos sociais, como a Comissão Pastoral da Terra
e a Federação dos Trabalhadores da Agricultura em Pernambuco (Fetape)
e une a educação de jovens e adultos com cursos profissionalizantes
ligados às atividades rurais.
A Escola Ativa Funciona em Pernambuco desde 2000 e consiste em um
método especial de ensino para turmas multi-seriadas, aquelas que
reúnem alunos de mais de uma série em uma única sala de aula.
Segundo Rosejara Ramos, coordenadora do Fundo de Fortalecimento da
Escola na Secretaria Estadual de Educação, o programa foi implantado
em 667 escolas do Estado, a maioria delas localizadas nas Zonas Rurais
dos Municípios, onde ocorrem o maior número de turmas multi-seriadas.
“Nas Zonas Rurais há um número menor de alunos, de professores e de
salas de aula. As prefeituras montam turmas multi-seriadas por
contenção de despesas”, afirma Roseane. Em 2005, foram aplicados R$ 20
milhões em formação de professores e aquisição de material didático
para o programa no Estado.
O Projeto Saberes da Terra vai atender 1,1 mil alunos de 68 municípios
de todas as regiões do Estado. O programa terá investimentos de R$ 2,6
milhões. As aulas serão ministradas nas próprias comunidades, com
Ensino Fundamental e qualificação profissional.
Energia e transporte são deficitários
Eletrificação ainda não abrange todo Estado e distância da escola
dificulta mais
ALIANÇA (PE) - O assentamento Belo Horizonte, em Aliança, é uma área
de 350 hectares em que cada família tem direito a oito hectares para o
cultivo. É de um terreno como esse, equivalente a aproximadamente dez
campos de futebol, que Marivaldo do Nascimento, 43 anos, 35 deles
trabalhando na agricultura, cultiva inhame, milho, melancia e melão. A
renda de R$ 70 por semana serve para o sustento dele e do filho,
Clécio do Nascimento, de dez anos.
Nascimento, que só estudou até a alfabetização, deixa o único móvel
existente na casa - uma prateleira improvisada com um pedaço de
madeira apoiado sobre duas latas, reservado para o material escolar do
filho. “Eu quero que ele estude para entender as coisas e ser um
trabalhador que viva melhor do que eu”, disse.
A escola está a dois quilômetros do assentamento, mas há dois meses,
não há transporte público. “O motorista disse que está sem pagamento,
e agora as crianças andam 50 minutos para chegar até a escola. Em dia
de chuva, não dá para ir”, afirmou Manoel Correia, outro morador do
local.
Para os adultos que querem seguir nos estudos, o desafio não é menor.
Na sala improvisada com paredes de bambu e cobertura de palha, 11
agricultores - oito mulheres e três homens, recebem, desde agosto, as
aulas do programa Saberes da Terra, que une Ensino Fundamental e
cursos profissionalizantes. Ainda há vagas, mas os homens reclamam do
tempo para estudar - que significa menos tempo trabalhando - e do
horário das aulas. “Queríamos aulas à noite, para trabalhar de dia,
mas não há luz”, afirmou. A eletrificação foi solicitada desde
novembro de 2005 à Celpe através do programa Luz Para Todos.
Sobre o transporte das crianças, a Prefeitura de Aliança disse que
mantém o transporte escolar em todao município. A Celpe afirmou que a
eletrificação do assentamento depende da aprovação da Chesf. A Chesf,
por sua vez, afirma que não recebeu nenhuma solicitação da Celpe, mas
que os planos são de universalizar a eletrificação rural em Pernambuco
até o final do ano.
Bolsa garante sustento das famílias
ALIANÇA (PE) - O reflexo das políticas públicas de educação e dos
programas socias do Governo Federal também aparecem no assentamento
Belo Horizonte. Todas as cerca de 50 crianças em idade escolar da
comunidade frequentam a escola também para garantir o recebimento da
Bolsa Família e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(Peti). Onze das 30 famílias locais têm acesso ao benefício da União.
É o caso da família de Antônio Firmino Dantas, 69 anos, há 46 morando
no terreno. A renda familiar vem da aposentadoria rural de Antônio
Firmino, no valor de um salário mínimo. Sua esposa, Maria José da
Silva Dantas, 58 anos, só estudou até a segunda série e nunca teve
trabalho remunerado. Em julho, Maria José recebeu o Bolsa Família, R$
160 para manter os dois filhos caçulas na escola.
Mesmo com o impacto da transferência direta de renda na pobreza rural
- alvo da próxima pesquisa do professor Luiz Honorato - é preciso
garantir a manutenção dessas crianças na escola, para além do Ensino
Fundamental, afirmou o pesquisador. Em Pernambuco, a educação no campo
ainda está distante da mudança que vai garantir impacto na geração de
renda da população, como destacou o secretário de Educação, Mozart
Neves.
Os baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) do Nordeste e a
baixa renda da população rural aparecem refletidos no índices
educacionais da Região. As taxas de analfabetismo no Nordeste são as
maiores do País, de 22,4% na população acima dos 15 anos, segundo
dados do IBGE em 2004. No Brasil, a taxa é de 11,4%. Na população
rural, os números são piores. A taxa de analfabetismo entre a
população rural nordestina acima de 15 anos é de 37,7%, contra 25,8%
no Brasil.
A secretária Executiva de Desenvolvimento da Educação, do Estado, Sara
Lima, lembra que a educação rural deve ter outra dinâmica, respeitando
as particularidades dos que moram no campo. “Eles devem ter formação
para seguirem a profissão que escolherem e para que a decisão de sair
da propriedade rural seja uma escolha”, enfatizou.
Fonte: Folha de Pernambuco
Publicada em: 25.09.2006
ECONOMIA