Acampamento Lucena
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barracos queimados. camas queimadas. um mosqueteiro metade rosa metade preto do fogo. pedaços de bonecas e de roupas espalhados pelo mato.
cachos de banana queimados. o laranja das abóboras queimadas no meio dos barracos ainda em brasas, como num quadro surrealista. mas não. Dalí não conseguiria tanto. e, claro, não poderia esquecê-la, disputada arduamente pelas galinhas, a carcaça de um cachorro queimado vivo. um punhado de seres humanos em farrapos. não só pelas roupas. quiçá fossem só as roupas... farrapos humanos. nem bicho é tratado assim. ou pelo menos não deveria. mas a lei tem que ser cumprida, é o que a oficiala de justiça, com um arrogante sorriso estampado no rosto, determina. lei esta cumprida com louvor, diga-se de passagem, pelos policiais rotivailers de escudos transparentes. aprendi com eles que o mais correto para preservar o delicado equilíbrio de uma democracia, de um verdadeiro estado de direito, é queimar barracos de taipa e palha, jogar bombas em mulheres e crianças, queimar lavouras e, para que não haja enganos, passar o trator por cima do que sobrar. dignidade da pessoa humana. direitos humanos. justiça.... tudo não passa de palavras vazias. ocas. matéria-prima ideal para enchimento de lingüiça tipo exportação. enfim, tudo isso é para dizer que no dia trinta e um de agosto último, dezenas de famílias sem-terra acampadas há cinco anos na Fazenda Lucena, no município de Porto de Pedras em Alagoas, foram despejadas de suas casas numa ação conjunta da Polícia Federal e do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. Doações de alimentos, roupas, enxadas, panelas, bonecas, bicicletas, caçuás, selas, porta-retratos, espelhos, facões, camas, colchões, mosqueteiro rosa, documentos de identidade, rádios à pilha, fogão, relógio de parede com o desenho de São Jorge, chinelos, estrovengas, ovos de galinha caipira, paracetamol, um vira-lata chamado dinguê e um pouco de esperança no ser humano são aceitas. Deus lhe pague.
Por Thalles Gomes
Por favor, sangre.
Só assim saberei se és capaz de sentir
A dor que me causaste.
Pois eu já não posso...
(Ben Harper)