O governo Lula concentra assentamentos da reforma agrária longe dos acampamentos dos sem-terra, o que acentua o descontentamento de movimentos e entidades do campo, em especial o MST, com a política agrária da gestão petista.
Dados oficiais e atualizados obtidos pela reportagem revelam que, das 574 mil famílias que o governo diz ter assentado entre 2003 e 2009, 50% foram encaixadas em lotes de Pará, Maranhão e Mato Grosso, Estados da Amazônia Legal, região que concentra apenas 17% dos acampados do país.
Bahia e Pernambuco, que reúnem 37% daqueles que vivem em barracos de lona à espera de um lote de terra, acomodaram 8% dos assentados até agora pelo governo federal.
28/2/2010
A reportagem é de Eduardo Scolese e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 28-02-2010.
O número de lavradores acampados explodiu com a eleição de Lula, passando de 60 mil, no final de 2002, para 150 mil, em meados de 2003. Foi nesse período de euforia que Lula prometeu assentar "todas as pessoas acampadas do país".
Desde então, porém, o número de acampados permanece estagnado na casa das 220 mil famílias. No ano passado, por exemplo, o governo federal comprou e distribuiu 954 mil cestas básicas para 224 mil famílias incluídas num cadastro de acampados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Segundo a coordenação nacional do MST, a "criação de assentamentos do governo tem caráter de política assistencial, buscando resolver conflitos isolados sem fazer uma mudança na estrutura fundiária". Por conta disso, segundo o movimento, "os assentamentos criados se concentram na região Norte do país, por meio da regularização fundiária ou da utilização de terras públicas".
Segundo a lógica do presidente Lula de privilegiar os acampados, o cruzamento entre os dados oficiais de assentados e acampados revela contradições principalmente no Norte e no Nordeste. Os Estados do Norte concentram 11% das famílias acampadas do país, mas receberam 47% dos assentamentos. Já os do Nordeste têm 56% dos acampados, ante 30% dos assentados até agora.
Questionado sobre a incoerência, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, disse: "Buscamos obter áreas em todas as regiões. Mas nessas regiões tradicionais [onde estão os acampados] há uma dificuldade maior de obtenção de terras".
Ele aponta duas razões: a incapacidade orçamentária do órgão e o fato de, nessas regiões, como Sul e Sudeste, as terras serem mais produtivas, o que dificulta a localização de áreas para a desapropriação. "De qualquer forma, não vamos deixar de atender as famílias da região Norte. Elas existem e elas querem terra."
As críticas dos sem-terra ao governo não se resumem à geografia dos lotes. Até agora a gestão Lula cumpriu a meta anual de assentamentos só em 2005. No ano passado, por exemplo, beneficiou 55.498 famílias, ante uma promessa de 75 mil.
Também por conta do preço da terra, o governo deixou em segundo plano o instrumento da desapropriação (para quem não cumpre índices de produtividade) e criou a maioria dos projetos em terras públicas.
Esse distanciamento entre as demandas dos sem-terra e as ações do governo contribuiu para que, recentemente, a cúpula do MST comunicasse ao PT que não apoiará nenhum candidato no primeiro turno das eleições a presidente, assim como já ocorrera em 2006.